Rawhead Rex (1987)


A morte caminha temendo aquilo que ela não pode ser.” – Inscrição no vitral de uma antiga igreja irlandesa.

O escritor inglês Clive Barker é hoje um dos mais cultuados autores, juntamente com Stephen King, da literatura de horror moderna. Seus textos são extremamente sangrentos e recheados de violência e sexo, e boa parte de sua obra foi publicada no Brasil, como a famosa série Livros de Sangue (Books of Blood), divididos em seis coletâneas de contos, e os romances “O Jogo da Perdição” e : Raça da Noite” (Cabal: The Nightbreed), todos pela “Editora Civilização Brasileira”.
Barker tem também uma marcante presença no cinema fantástico, dirigindo suas histórias como em “Renascido do Inferno” (Hellraiser, 1987), sobre os escatalógicos seres cenobitas, liderados por Pinhead (Cabeça-de-prego), que habitam ocultas dimensões que celebram a dor e o sofrimento eternos em seu estado absoluto; “Raça da Noite” (Nightbreed, 1989), sobre criaturas das trevas; e “Mestre das Ilusões” (Lord of Illusions, 1995), sobre o envolvimento de magia e forças do além. Suas obras estão cada vez mais aparecendo nas telas, a exemplo do campeão disparado de adaptações Stephen King, e dos falecidos e imortais mestres do horror Edgar Allan Poe e Howard Phillips Lovecraft.
Clive Barker é o roteirista de “Rawhead Rex” (1987), filme dirigido por George Pavlou, que já havia adaptado antes outro conto do mestre, “Underworld”, e cuja história é baseada em seu texto homônimo publicado no terceiro volume da coletânea dos Livros de Sangue, intitulado no Brasil como “A Cabeça Descarnada”.

(Atenção: o texto a seguir contém spoilers)

“Rawhead Rex” é uma criatura ancestral, um guerreiro monarca pré-cristão, que está enterrado em animação suspensa nas terras sagradas de uma velha igreja. Um historiador americano, Howard Hallenbeck, interpretado por David Dukes, está em viagem com sua família formada pela esposa Elaine (Kelly Piper), filha Minty (Cora Lunny) e filho Robbie (Hugh O’Connor), percorrendo o interior da Irlanda pesquisando e estudando igrejas antigas e coletando material para a produção de um livro. Ao chegar na cidadezinha de Rathmore, ele entra em contato com o Reverendo Coot (Niall Toibin) que lhe apresenta uma igreja muito velha e que tem um passado misterioso e oculto envolvendo um monstro demoníaco, um rei pagão canibal e assassino chamado Rawhead Rex, interpretado pelo ator alemão Heinrich Von Schellendorf. O enorme monstro não humano, de aproximadamente 2,5 metros de altura, longos cabelos e dentes afiadíssimos, é acidentalmente despertado e liberta-se de sua tumba onde havia sido encarcerado vivo num confronto com forças sobrenaturais em tempos imemoriais. Ele passa então a aterrorizar e massacrar brutalmente os habitantes locais, dilacerando, decepando e desmembrando suas vítimas e provando-lhes a carne e o sangue.
Após a morte de seu jovem filho pela criatura do além, o historiador parte para a vingança e com o auxílio de sua esposa e uma pedra mágica envolta em lendas antigas pagãs, ele consegue derrotar o monstro em solo sagrado de um cemitério, enterrando-o novamente sob uma pesada tumba de concreto.

Rawhead Rex é a grande atração do filme, o personagem principal, que já é apresentado logo no início de forma explícita e que passaria o tempo todo estripando suas vítimas. Ele é uma criatura pré-cristã e anterior mesmo à civilização, mas não ficam claros sua real origem e objetivos. O monstro abusa de violência em suas chacinas, apesar de atuar como um ser pensante e inteligente, ao contrário de outros famosos monstros do cinema. Os efeitos especiais da criatura são incrivelmente fracos, com os olhos vermelhos e ardentes praticamente fixos e sem vida, imóveis, e com a boca enorme sempre aberta sem gesticulações, com os dentes pingando sangue e babas. Com os modernos recursos tecnológicos disponíveis na época da produção, a criatura parece meio ridícula em comparação com outras similares de filmes do mesmo estilo, assemelhando-se quase àqueles velhos monstros de borracha dos filmes e séries de TV japoneses das décadas de 60 e 70. Mas como a produção é de baixo orçamento, a criatura acaba tornando-se uma grande diversão em sua pobreza de efeitos.
Um destaque é a cena em que Rawhead Rex urina um enorme jato de mijo no peito do sacristão Declan O’Brien (Ronan Wilmot), que dessa forma é então “batizado” como um de seus fiéis seguidores, assim como também o Inspetor de polícia Isaac Gissing (Niall O’Brien), que em sinal de devoção ao seu mestre demoníaco, incendeia vários carros da polícia, queimando vivos seus companheiros num dos confrontos com a criatura. Mas, como bons e estúpidos adeptos, são no final mortos de forma bem dolorosa...
Um detalhe curioso é a colocação de um título nacional para o filme utilizando de forma inadequada uma palavra em inglês, “Monster” (Monstro), seguida de um título em português, “A Ressurreição do Mal”. O melhor e mais apropriado seria manter o título original que tem difícil e desnecessária tradução: “Rawhead Rex”, que é o nome da criatura infernal e principal atração da fita. Esses equívocos são comuns nos lançamentos dos filmes no Brasil.
Filmado na Irlanda, nos arredores de Dublin, em County Wicklow, o filme utilizou uma área próxima às locações de “Excalibur” (1981), de John Boorman. E a fotografia é também um dos grandes interesses no filme, com belas tomadas das paisagens e igrejas irlandesas.
“Monster: A Ressurreição do Mal” foi lançado no mercado de vídeo VHS brasileiro pela VTI, sendo rara a sua disponibilidade nas locadoras, pois é um filme obscuro e pouco conhecido, apesar da presença de Clive Barker e mais uma materialização maléfica de seus contos insanos e de puro horror, que garantem a sua importância e mais outro grande entretenimento para os fãs do cinema fantástico.

“Monster: A Ressurreição do Mal” (Rawhead Rex, 1987) – avaliação: 6,5 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 13/01/06)

Monster: A Ressurreição do Mal (Rawhead Rex, Inglaterra, 1987). Alpine Pictures/Greenman Productions. Duração: 100 minutos. Em vídeo VHS no Brasil pela VTI. Direção de George Pavlou. Roteiro de Clive Barker, baseado em seu conto homônimo. Fotografia de John Metcalfe. Direção de arte de Len Huntingford. Música de Colin Towns. Produção executiva de Al Burgess & Paul Gwynn. Produção de Kevin Attew & Don Hawkins. Efeitos Especiais da criatura de Peter Litten. Elenco: David Dukes, Kelly Piper, Niall Toibin, Ronan Wilmot, Niall O’Brien, Hugh O’Conor, Cora Lunny, Heinrich Von Schellendorf, Noel O’Donovan, John Olohan, Peter Donovan, Donald McCann, Eleanor Feely, Gladys Sheehan, Madelyn Erskine, Gerry Walsh, Bob Carlile.