Ecos do Além (Stir of Echoes, 1999)



Em toda mente existe uma porta que não deveria nunca ser aberta

O período que compreendeu o final dos anos 90 do século passado pode ser bem lembrado pelos apreciadores do cinema de horror, devido à produção de alguns ótimos filmes com temáticas similares explorando histórias de fantasmas, suspense sobrenatural e comunicações com mortos. O pódio resultante da mistura desses atraentes elementos do cinema fantástico é formado principalmente por “O Sexto Sentido” (The Sixth Sense, 1999), de M. Night Shyamalan e com Bruce Willis, “Revelação” (What Lies Beneath, 2000), de Robert Zemeckis e com Harrison Ford e Michelle Pfeiffer, e finalmente por “Ecos do Além” (Stir of Echoes, 1999), de David Koepp e com Kevin Bacon, esse último baseado num livro do especialista Richard Matheson. Todos os três filmes, a propósito, possuem um nível de qualidade muito próximo, apresentando histórias interessantes e bem narradas, garantindo bons momentos de entretenimento.

Em “Ecos do Além”, a história apresenta uma típica família americana formada por Tom Witzky (Kevin Bacon), um técnico da companhia telefônica meio cansado de sua vida “comum”, casado com Maggie (Kathryn Erbe), que está grávida novamente, e pelo pequeno filho do casal, Jake (Zachary David Cope), de apenas cinco anos de idade. Eles se mudam para uma casa alugada num bairro operário de Chicago e a rotina de suas vidas estava seguindo seu rumo normal até que numa festa com os amigos, a cunhada de Tom, Lisa (Illeana Douglas), faz comentários sobre suas atividades com hipnose. Uma vez incrédulo sobre o assunto, Tom aceita um desafio de ser hipnotizado por ela. Como “em toda mente existe uma porta que não deveria nunca ser aberta”, como anuncia sabiamente a “tagline” promocional do filme, Tom faz uma viagem pelos desconhecidos caminhos de sua mente, e ao retornar da transe hipnótica, uma porta ficou aberta permitindo uma comunicação com “o outro lado”.
Tom descobre que seu filho Jake é também um garoto com poderes especiais, sendo considerado uma espécie de “receptor”, e eles passam a partir daí a viverem uma experiência sobrenatural envolvendo comunicação com mortos, pesadelos assombrosos, previsão de eventos trágicos, a aparição de um atormentado fantasma de uma garota chamada Samantha Kozac (Jennifer Morrison), e um terrível mistério relacionando a casa, seus vizinhos, entre eles, Frank McCarthy (Kevin Dunn) e Harry Damon (Conor O’Farrell), e uma jovem adolescente desaparecida há seis meses no bairro. Agora, a somatória desses eventos “fora do comum” poderia colocar em perigo a segurança de sua família.

“Ecos do Além” é uma bem contada história de fantasmas, apesar de inevitavelmente apresentar alguns elementos já vistos anteriormente pelo cinema fantástico. Sua idéia básica mostra um fantasma atormentado com o desejo de que o mundo saiba de seu assassinato e que seu corpo escondido seja localizado. Um pouco antes, em 1998, algo similar foi apresentado no filme japonês “Ringu”, com a temível Sadako Yamamura (e que foi refilmado nos Estados Unidos em 2002 com a vingativa Samara Morgan).
Mas é importante salientar que muitas pessoas se confundem e pensam que o “Ecos do Além” é uma cópia inferior de “O Sexto Sentido”. A verdade é que ambos os filmes foram produzidos coincidentemente no mesmo período, utilizando elementos similares em suas tramas. Devemos lembrar que “Ecos do Além” foi baseado num livro de Richard Matheson escrito em 1958 e consequentemente muito antes do livro de Kôji Suzuki publicado em 1989 e que inspirou “Ringu”, e também muito antes de M. Night Shyamalan escrever o roteiro de seu sucesso de bilheterias “O Sexto Sentido”.

No filme de David Koepp não existem cenas fortes de violência e excesso de sangue em profusão, pois a história procurou se concentrar mais em elementos sobrenaturais com um suspense psicológico e horror sutil que conseguem envolver a atenção do espectador. Mas duas cenas em especial se destacam, que apesar de pouca carga de violência e intensidade, conseguem transmitir um sentimento perturbador e doloroso, mesmo sendo atitudes mais simples e de pouco sangue, quando comparadas a uma infinidade de atrocidades vistas em outros filmes. Primeiro é uma seqüência onde num momento de alucinação e confusão mental, o protagonista Tom Witzky está olhando para seu reflexo num espelho no banheiro e começa a arrancar lentamente com as mãos um de seus dentes frontais, num processo agonizante para quem está testemunhando, como nós, a estranha atitude de auto flagelo (a qual mais tarde seria justificada numa importante revelação). Outra cena perturbadora é quando a jovem Samantha Kozac está tentando se defender de um estupro e ao pressionar sua mão contra o chão, lentamente vemos uma das unhas se desprendendo do dedo até a separação total, se constituindo certamente num ato carregado de muita dor.

Em várias produções de ficção científica e horror podemos observar cenas onde os personagens estão lendo livros ou vendo filmes na televisão ou cinema, e essas oportunidades são aproveitadas pelos cineastas para homenagear outros escritores e diretores colocando-os em evidência. Por exemplo, em “Ecos do Além”, houveram algumas homenagens interessantes, como numa cena onde a babá Debbie Kozac (Liza Weil) está aproveitando sabiamente seu tempo livre enquanto o garoto Jake Witzky está em seu quarto, para ler um livro do próprio Richard Matheson (autor da história que serviu de base para o roteiro de David Koepp). A obra escolhida foi “The Shrinking Man”, que já foi filmada em 1957 como “O Incrível Homem Que Encolheu”, e que terá uma refilmagem com previsão de lançamento em 2005. Outras homenagens foram quando o garoto Jake está em seu quarto assistindo TV e aparecem cenas de um filme antigo sobre múmias e também do eterno clássico de zumbis “A Noite dos Mortos Vivos” (68), de George Romero.

O nome original do filme é “Stir of Echoes”, que traduzido do inglês significaria algo como “Tumulto de Ecos”, e até que a escolha do nome nacional foi boa como sendo “Ecos do Além”, se situando dentro da proposta da história que tem em seu argumento básico uma interação entre o nosso mundo real e um universo habitado por fantasmas.

O americano David Koepp nasceu em 1964 em Wisconsin. Seu currículo como diretor é pequeno, sendo mais conhecido como roteirista, tendo participado de filmes importantes como “Parque dos Dinossauros” (93) e a seqüência “O Mundo Perdido” (97), ambos de Steven Spielberg, “O Pagamento Final” (93), com Al Pacino, e “Missão: Impossível” (96), com Tom Cruise, ambos de Brian De Palma, “O Quarto do Pânico” (2002), com Jodie Foster, e “Homem-Aranha” (2002), de Sam Raimi. Atualmente, ele está envolvido nos projetos de “Secret Window”, baseado em obra literária de Stephen King, e na seqüência “Homem-Aranha II”.
O escritor Richard Matheson nasceu em 1926 em New Jersey e em sua consagrada carreira literária figuram várias obras que serviram de base para o cinema fantástico em filmes como por exemplo “Mortos Que Matam” (64) e “A Última Esperança da Terra” (71), produzidos a partir de seu livro de vampiros “Eu Sou a Lenda”, ou ainda “Em Algum Lugar do Passado” (80), baseado na novela “Bid Time Return”. Sem contar sua ativa participação como roteirista como na série de filmes baseada na obra de Edgar Allan Poe e dirigida por Roger Corman, composta por “O Solar Maldito” (60), “A Mansão do Terror” (61), “Muralhas do Pavor” (62) e “O Corvo” (63), além de “Robur, o Conquistador do Mundo” (61), “Farsa Trágica” (64), “As Bodas de Satã” (68, Hammer), “Encurralado” (71, de Steven Spielberg), “A Casa da Noite Eterna” (73), “Drácula” (73), entre outros. Sua participação em séries de televisão é igualmente marcante tendo escrito vários episódios de “Além da Imaginação” (59/64), “Thriller” (60/62), “Jornada nas Estrelas” (66/69), “Galeria do Terror” (70) e “Histórias Fantásticas” (85/87).
O principal nome do elenco de “Ecos do Além” é o americano Kevin Bacon, nascido na Pennsylvania em 1958. Curiosamente, ele é um daqueles poucos atores que conseguiram destaque e projeção em suas carreiras artísticas tendo praticamente começado como um dos jovens assassinados em “Sexta-Feira 13” (80), filme que deu origem à extensa franquia do psicopata Jason Voorhees, sendo que a maioria dos seus colegas do mesmo período acabaram sumindo no anonimato. Outro ator com histórico semelhante é o talentoso Johnny Depp, que começou sua brilhante carreira numa ponta em “A Hora do Pesadelo” (84). Kevin Bacon tem uma carreira que inclui mais de 50 filmes e algumas outras produções em que participou dentro do gênero fantástico são “O Caso do Demônio Assassino” (83), “O Ataque dos Vermes Malditos” (90), “Linha Mortal” (90), “Garotas Selvagens” (98), “O Homem Sem Sombra” (2000) e “Encurralada” (2002).
Observação: Em 2007, foi lançado “Ecos do Além 2” (Stir of Echoes: The Homecoming), uma produção para a televisão, escrita e dirigida por Ernie Barbarash e com Rob Lowe Um soldado americano é ferido gravemente numa guerra no Iraque após se envolver num incidente com vítimas queimadas e violentamente mortas. Ao retornar para casa e despertar do estado de coma, ele passa a ter visões de um fantasma perturbado, que quer se comunicar em busca de vingança.

“Ecos do Além” (Stir of Echoes, 1999) – avaliação: 8 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 20/01/06)

Ecos do Além (Stir of Echoes, Estados Unidos, 1999). Artisan Entertainment. Duração: 99 minutos. Direção de David Koepp. Roteiro de David Koepp, baseado no livro “A Stir of Echoes”, de Richard Matheson. Produção de Judy Hofflund e Gavin Polone. Produção Executiva de Michele Weisler. Música de James Newton Howard. Fotografia de Fred Murphy. Edição de Jill Savitt. Elenco: Kevin Bacon (Tom Witzky), Kathryn Erbe (Maggie Witzky), Illeana Douglas (Lisa), Zachary David Cope (Jake Witzky), Kevin Dunn (Frank McCarthy), Conor O’Farrell (Harry Damon), Liza Weil (Debbie Kozac), Lusia Strus (Sheila McCarthy), Stephen Eugene Walker (Bobby), Mary Kay Cook (Vanessa), Larry Neumann Jr. (Lenny), Jennifer Morrison (Samantha Kozac).