Dominação (2000)


“... Um homem que nasce do incesto se tornará Satã, e o mundo que conhecemos não mais existirá.”
Deuteronomy – Livro 17

O diabo já foi e ainda está sendo muito explorado no cinema de horror, formando até um sub-gênero liderado pelo clássico absoluto “O Exorcista” (73). O tema é forte e sempre atraente por inevitavelmente chocar as pessoas, através do histórico confronto entre o “Bem” e o “Mal”. Aproveitando um momento de transição com a virada do século e uma série de expectativas místicas em relação ao aguardado ano 2000, foram produzidos vários filmes envolvendo questões religiosas e a ascensão do demônio na humanidade. “Dominação” (Lost Souls) é um deles, mostrando basicamente a história de um jovem escritor, que sem saber, fora preparado durante sua vida inteira para se transformar em Satã e estabelecer seu reino de sombras entre os homens.

A jovem professora Maya Larkin (Winona Ryder) faz parte de um grupo de religiosos católicos, liderados pelo padre Lareaux (John Hurt), que acredita numa conspiração milenar para evocar Satã no corpo de um homem, assim como Deus historicamente assumiu a forma humana através de Jesus Cristo. O homem escolhido é Peter Kelson (Ben Chaplin), um escritor de livros sobre assassinos assombrosos como sua última obra, “Pensamento Mórbido” (Vicious Intent), onde ele prega que a motivação para matar não tem relações com influências demoníacas. Uma vez não sendo batizado, desprovido de fé e nascido através de uma relação incestuosa, e desconhecendo a verdade de seu passado, Kelson estaria sendo preparado por uma conspiração satânica envolvendo pessoas próximas como sua namorada Claire Van Owen (Sarah Wynter) e seu suposto tio Padre James (Philip Baker Hall), para que em seu aniversário de 33 anos, Satã pudesse assumir a forma humana.
Maya já teve problemas de possessão demoníaca no passado, e participa de um ritual de exorcismo junto com os padres Lareaux e John Townsend (Elias Koteas), tentando livrar o tormento mental de um assassino preso num hospital psiquiátrico, o professor de matemática Henry Birdson (John Diehl), que aleatoriamente matou a família. Com o resultado desastroso do exorcismo, na manifestação das vozes de uma legião de demônios que quase levou o padre Lareaux à morte, Maya encontra algumas anotações do assassino em sua cela e tenta decifrar uma misteriosa codificação de números, que revelou o nome da pessoa que se tornaria Satã.
Uma vez sabendo da conspiração, Maya tenta convencer Peter Kelson de seu destino trágico, num torturante processo de investigação dos fatos, enfrentando juntos uma série de obstáculos, como alucinações macabras, pessoas possuídas por espíritos malignos, grupos da satanistas, num confronto decisivo entre o Bem e o Mal, numa corrida contra o tempo para definir o futuro da humanidade.

“Dominação” lembra filmes similares como principalmente os clássicos “O Exorcista”, de William Friedkin, nas cenas de exorcismo, porém bem menos intensas, e “O Bebê de Rosemary” (68), de Roman Polanski, devido à trama de conspiração maligna e o suspense psicológico através da investigação do protagonista sobre seu destino já pré-estabelecido.
Uma cena de destaque certamente é quando o candidato a incorporar Satã, Peter Kelson, numa fase de perturbação e desorientação pessoal ao tentar entender o que estava acontecendo com ele e a conspiração ao seu redor preparando-o para receber o anticristo, vai até uma igreja e se vê diante de uma grande imagem de Jesus Cristo crucificado. Repentinamente, Cristo se solta da parte superior pregada da cruz e gira violentamente até ficar de cabeça para baixo, numa alusão ao poder do mal supremo prevalecendo naquele momento conturbado.
O filme tem algumas sequências interessantes durante a investigação de Peter Kelson sobre seu passado, descobrindo aos poucos uma série de eventos relacionados entre si; como o enorme pentagrama desenhado sob sua cama; ou o fato de não poder ouvir a gravação do exorcismo do assassino Birdson, uma confusão de vozes infernais que incitaram sua vizinha, uma velha ranzinza, ao suicídio; ou os pesadelos envolvendo a palavra XES, que significa o número diabólico 666 conforme a numeração grega; ou ainda a verdade sobre a morte de seus pais e a interferência na sua criação, de misterioso tio, o padre James.
Porém, “Dominação” também apresenta todos aqueles clichês que o transformam apenas em mais um filme comum sobre o diabo tentando se infiltrar entre os homens. E o final previsível poderia fugir um pouco do trivial e do politicamente correto, aproveitando a oportunidade para surpreender o espectador com um desfecho mais trágico.

Como na maioria dos casos dos filmes que chegam ao Brasil, novamente os responsáveis pela escolha do nome nacional erraram de forma grotesca uma tarefa fácil. Bastava traduzir o original “Lost Souls” para “Almas Pedidas” em vez de inventar um outro título como “Dominação”.
Curiosamente, a atriz Meg Ryan, de “Viagem Insólita” (87) e “Cidade dos Anjos” (99), entre muitos outros filmes interessantes, é uma das produtoras de “Dominação”. Aliás, o filme é o único até agora dirigido pelo polonês Janusz Kaminski, que é mais conhecido como fotógrafo de algumas produções de Steven Spielberg como o drama de guerra “O Resgate do Soldado Ryan” (98), e as divertidas histórias de ficção científica “A. I. – Inteligência Artificial” (2001) e “Minority Report – A Nova Lei” (2002).
O elenco é formado por atores experientes e conhecidos como o casal de protagonistas principais, a bela Winona Ryder e Ben Chaplin, além de Elias Koteas e o veterano John Hurt, entre outros. Winona Ryder nasceu em 1971 e participou de “Os Fantasmas Se Divertem” (88) e “Edward Mãos de Tesoura” (90), sob a direção de Tim Burton, além de “Drácula de Bram Stoker” (92), “Alien - A Ressurreição” (97), “Garota Interrompida” (99) e “Simone” (2002). O inglês Ben Chaplin é de 1970 e foi um soldado no excelente drama da Segunda Guerra Mundial “Além da Linha Vermelha” (98), além de atuar ao lado de Sandra Bullock no suspense policial “Cálculo Mortal” (2002). Elias Koteas nasceu no Canadá em 1961 e atuou em vários filmes de horror e FC como “Os Anjos Rebeldes” (95), “Crash – Estranhos Prazeres” (96), “Gattaca – A Experiência Genética” (97), “Os Possuídos” e “O Aprendiz” (ambos de 98). Já o experiente ator inglês John Hurt, nascido em 1940 e com mais de 100 trabalhos em sua carreira, participou de muitos filmes do cinema fantástico como “O Carniçal / O Ente Diabólico” (75), ao lado de Peter Cushing, o clássico moderno “Alien, O Oitavo Passageiro” (79), “O Homem Elefante” (80), “Frankenstein – O Terror das Trevas” (90), dirigido por Roger Corman, “Contato” (97), e está no elenco de “Hellboy” (com previsão de lançamento em 2004), mais uma produção do cinema adaptando um personagem famoso dos quadrinhos.

Eles tiveram os seus 2.000 anos. Agora é a nossa vez. A hora da transformação está próxima.

“Dominação” (Lost Souls, 2000) # 222 – data: 08/02/04 – avaliação: 7 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 20/01/06)

Dominação (Lost Souls, Estados Unidos, 2000). Castle Rock Entertainment / New Line. Duração: 97 minutos. Direção de Janusz Kaminski. Roteiro de Pierce Gardner, baseado em história de Pierce Gardner e Betsy Stahl. Produção de Meg Ryan e Nina R. Sadowsky. Música de Jan A. P. Kaczmarek. Fotografia de Mauro Fiore. Edição de Anne Goursaud e Andrew Mondshein. Desenho de Produção de Garreth Stover. Direção de Arte de Chris Cornwell. Elenco: Winona Ryder (Maya Larkin), Ben Chaplin (Peter Kelson), Sarah Wynter (Claire Van Owen), Philip Baker Hall (Padre James), Elias Koteas (Padre John Townsend), John Hurt (Padre Lareaux), Brian Reddy (Padre Frank Paige), John Beasley (Mike Smythe), John Diehl (Henry Birdson), Brad Greenquist (George Viznik), W. Earl Brown, Leslie Stefanson, Victor Slezak, Ashley Edner, Paul Kleiman, Bob Clendenin, Oliver Clark, Michael Mantell.