Contos do Além (Tales From the Crypt, Inglaterra, 1972)

 


"Baseado nas histórias escritas por Al Feldstein, Johnny Craig e Bill Gaines, originalmente publicadas nas revistas em quadrinhos Tales From the Crypt e The Vault of Horror, de Bill Gaines.”

 

Essa é a introdução de “Contos do Além” (Tales From the Crypt, 1972), antologia de contos inspirados nos quadrinhos americanos da “EC Comics” dos anos 1950. A direção é de Freddie Francis e a produção é do estúdio inglês “Amicus”, de Max Rosenberg e Milton Subotsky, considerado um rival qualificado da mais conhecida e badalada “Hammer” e seus filmes góticos.

São cinco histórias independentes de horror, conectadas pelos personagens principais, que estão todos presos numa cripta tentando entender a razão de estarem nesse misterioso local, que poderia ser literalmente a porta do inferno.

A “Amicus” foi uma produtora importante com uma infinidade de filmes divertidos e que ficaram registrados na história do cinema de gênero, principalmente pelas várias antologia de contos como “As Profecias do Dr. Terror” (1965), “As Torturas do Dr. Diabolo” (1967), “A Casa Que Pingava Sangue” (1971), “O Asilo do Terror / Asilo Sinistro” (1972), “A Cripta dos Sonhos” (The Vault of Horror, 1973, também inspirado nos quadrinhos), e “Vozes do Além” (1974).

 

Um grupo de pessoas faz um passeio orientado por um guia (Geoffrey Bayldon) através de um conjunto de catacumbas sinistras. Parte desse grupo, mais precisamente cinco pessoas, se perde nos corredores da cripta. Eles ficam presos numa câmara oculta junto com um misterioso guardião (Ralph Richardson), que faz com que cada um deles mergulhe mentalmente numa história macabra onde eles são os protagonistas.

O primeiro conto é “And All Through the House”. Joanne Clayton (Joan Collins) é uma mulher que mata violentamente seu marido (Martin Boddey) na noite de natal, planejando se apossar do dinheiro do seguro de vida. Porém, o sucesso do maquiavélico plano fica ameaçado quando um maníaco (Oliver MacGreevy) foge de um hospital psiquiátrico, veste-se com uma roupa roubada de Papai Noel, e ronda a sua casa.

Em seguida temos “Reflection of Death”, onde um pai de família, Carl Maitland (Ian Hendry), abandona a esposa (Susan Denny) e filhos pequenos, fugindo para uma nova vida com a amante Susan Blake (Angie Grant). Porém, eles sofrem um trágico acidente noturno de carro numa estrada e uma reviravolta sobrenatural poderá servir de punição.

A terceira história chama-se “Poetic Justice”, com um faxineiro idoso e bondoso, Arthur Edward Grimsdyke (Peter Cushing), que é viúvo, mora sozinho, gosta de fazer brinquedos para as crianças e cuidar de seus cachorros, mas que desperta uma raiva sem sentido no jovem vizinho James Elliot (Robin Phillips). Ele faz de tudo para que o Sr. Grimsdyke venda sua casa, utilizando-se de sabotagens e calúnias que instigaram o idoso ao suicídio. Porém, após um ano de sua morte, ele retorna putrefato da tumba para sua vingança. "Você era mal e cruel, em cada gesto ou ação. E você realmente não tinha... coração.”

O próximo segmento é “Wish You Were Here”. O rico e inescrupuloso empresário Ralf Jason (Richard Greene) perde sua fortuna num investimento mal sucedido. Ele reluta em vender seus bens, a única saída sugerida pelo advogado Charles Gregory (Roy Dotrice). Então, Ralph e a esposa Enid (Barbara Murray) decidem pedir três desejos para uma misteriosa estátua chinesa, não imaginando as consequências trágicas e irreversíveis que estariam por vir.

No último episódio, “Blind Alleys”, o austero Major William Rogers (Nigel Patrick) assume a direção de um asilo para cegos, sempre acompanhado de seu feroz cachorro pastor alemão Shane. Agindo de forma autoritária e tirana, ele reduz os custos essenciais causando grande desconforto para os internos, como corte do aquecimento noturno e redução de comida. Os pacientes cegos decidem reagir, e liderados por George Carter (Patrick Magee), eles planejam uma vingança sangrenta. “Em terra de cego, quem tem um olho é rei”.        

 

“Contos do Além” traz cinco histórias curtas e divertidas, com os elementos clássicos do horror, com roteiros simples e bizarros, típicos das histórias em quadrinhos. Todos mantém um bom nível de interesse, principalmente pela rapidez e dinâmica dos contos, assim como a história base que os une dentro do mesmo contexto, através do sinistro guardião da cripta.

Mas, existem os destaques, e na minha opinião a melhor história é aquela com o lendário Peter Cushing fazendo o papel do idoso deprimido suicida que retorna dos mortos para uma vingança sangrenta. Curiosamente, Cushing tinha ficado viúvo na vida real pouco tempo antes da produção do filme, numa coincidência com o personagem que também tem que lidar com a solidão e perda da esposa, e sua atuação é memorável como sempre.

O conto sobre os desejos solicitados para a enigmática estátua chinesa também é muito bom e reserva os momentos mais carregados de violência, com direito a esquartejamento com espada e vísceras expostas, além do desfecho perturbador.

A última história fecha com chave de ouro, também com um plano bem sucedido de vingança, numa atuação muito convincente de Patrick Magee como o paciente cego que lidera seus companheiros contra a tirania do novo diretor da casa de repouso.

Entre as várias derivações desse universo ficcional, teve uma série americana com muitas temporadas, que recebeu por aqui o nome “Contos da Cripta” (Tales From the Crypt, 1989 / 1996).

 

(RR – 18/04/22)






Voando Para Marte (Flight to Mars, EUA, 1951)

 


"A Terra é tão grande quando estamos nela. E agora ela parece tão pequena, tão insignificante. É como fechar os olhos no escuro e tentar ver onde você está apenas com a sua alma.” – Steve Abbott

 

Voando Para Marte” (Flight to Mars, 1951) é mais um daqueles divertidos filmes bagaceiros de Ficção Científica dos anos 50 do século passado, com história ingênua e efeitos toscos abordando o tema de viagens espaciais e invasões alienígenas. Lembra aqueles filmes preciosos que eram exibidos na antiga “Sessão da Tarde” da TV Globo. Com direção de Lesley Selander, a fotografia é colorida, algo raro para o cinema de gênero da época, principalmente os filmes de pequenos orçamentos. A produção é da “Monogram”, conhecida por trabalhar com pouco dinheiro, e que viria a mudar de nome logo depois para “Allied Artists”   

 

Na história simples e carregada dos mesmos clichês dos filmes similares americanos, uma expedição exploratória de cinco pessoas viaja para Marte num foguete. O grupo é formado por quatro homens e uma mulher, sendo o líder cientista Dr. Jim Barker (Arthur Franz) e seus colegas mais velhos Dr. Lane (John Litel) e Prof. Jackson (Richard Gaines). Completam o time o jovem jornalista Steve Abbott (Cameron Mitchell) e a bela cientista Carol Stafford (Virginia Huston).

No percurso eles enfrentam algumas dificuldades como uma chuva de meteoros e a nave fica avariada resultando num pouso conturbado no planeta vermelho, com o foguete se chocando contra uma montanha. Ao desembarcarem, eles encontram uma civilização de marcianos humanoides, liderados por Ikrom (Morris Ankrum), o Presidente do Conselho Governante, que demonstra inicialmente boas intenções e cortesia, e depois revela sinais de tirania, e que como em todo sistema político, tem como oponente o Conselheiro Senior Tillamar (Robert H. Barratt), mais pacifista.

Os humanos recebem ajuda dos marcianos para consertar o foguete avariado no pouso, para poderem retornar à Terra, mas descobrem depois que a real intenção dos anfitriões é utilizar o foguete para engenharia reversa e produção de uma frota de invasão. Pois Marte está morrendo pela falta de um minério chamado Corium, responsável pelo oxigênio e hidrogênio que mantém as condições de vida no planeta gerando calor, luz e energia, obrigando seus habitantes a migrar para outros mundos como a vizinha Terra, em busca de sobrevivência.

Porém, os terráqueos recebem o apoio de Tillamar e de outro cientista, Justin (Edward Earle), para tentarem uma estratégia de fuga, enquanto o Dr. Barker conhece e se apaixona pela bela filha do cientista marciano, Alita (Marguerite Chapman).      

 

“Voando Para Marte” tem apenas 72 minutos de duração e é uma diversão escapista com sua história carregada de clichês e elementos patéticos como os desnecessários conflitos de relacionamentos amorosos entre o Dr. Barker e a assistente Carol e o triângulo formado ainda pelo jornalista Steve, além da paixão instantânea entre o mesmo Dr. Barker e a marciana Alita. O roteiro é tão simplório e óbvio que não desperta grande interesse, preferindo perder tempo com bobagens em vez de desenvolver boas ideias com o primeiro contato entre humanos e marcianos. A diversão fica por conta dos efeitos especiais toscos e os cenários externos de Marte, assim como suas cidades subterrâneas com tecnologia avançada, mas ainda incapaz de construir com sucesso uma nave capaz de viajar pelo espaço.

É uma produção de baixo orçamento, filmada em alguns dias e concluída para exibição em somente seis semanas, mas que ainda assim se destaca pelo uso da fotografia em cores, ao contrário da grande maioria dos filmes similares da época, que optavam pelo preto e branco, reduzindo os custos de produção. A despeito do roteiro banal, a diversão dos apreciadores do cinema de gênero mais antigo é garantida com materiais reutilizados de outros filmes, nas cenas com o foguete tosco soltando fumaça, desde a decolagem na Terra, a viagem pelo espaço e o pouso em Marte, além da posterior fuga apressada. Tem também o bizarro vestuário alienígena, que vai desde os trajes exageradamente coloridos usados na superfície, quanto as roupas femininas de tamanhos reduzidos de forma proposital das belas marcianas em suas cidades subterrâneas. Além do ambiente externo com estruturas artificiais que abrigam enormes poços de ventilação e elevadores de acesso às camadas inferiores do planeta. E o sempre esperado uso da técnica “matte painting” para representar os cenários grandiosos pintados, associados com movimentos integrados simulando o cotidiano das cidades abaixo da superfície.

As situações são todas preparadas para facilitar o trabalho do roteiro e os momentos na Terra que antecedem a viagem espacial são tediosos e arrastados. O que interessa mesmo, compensando as bobagens do roteiro, começa após a decolagem do foguete e nas ações em Marte, apesar que também no planeta vermelho tudo é simplificado demais. As interpretações parecem teatrais, com vários núcleos de sequências isoladas que acabam se conectando sem muita preocupação com coerência ou realismo. Os marcianos inicialmente tratam bem os hóspedes humanos, depois é revelada a intenção hostil de invasão (clichê largamente explorado), e ocorre a reviravolta previsível com a fuga de volta à Terra.

Curiosamente, a atriz Marguerite Chapman, que tinha um significativo prestígio na época, com uma carreira bem sucedida, foi o principal nome no elenco, com destaque nos cartazes de divulgação, apesar de entrar em cena somente a partir da metade do filme, como a marciana Alita. Já o ator Cameron Mitchell, dono de extenso currículo, é um rosto conhecido na televisão, como na série de western “Chaparral” (1967 / 1971).

 

(RR – 16/04/22)





O Rastro do Vampiro (Blood Bath, EUA / Iugoslávia, 1966, PB)

 


"Estejam avisados, senão acontecerá novamente. Em outra época, quando o mundo era jovem, um fato curioso e vil aconteceu. Erno Sordi, um pintor, foi queimado na fogueira por lançar um feitiço em sua amada, a bela Melizza. Abaixo de sua morada, enterraram suas cinzas. O tempo passou e tudo foi esquecido. Então a cidade foi sitiada por um vampiro cujas façanhas desagradáveis enchiam o povo de medo e repulsa. Era o mesmo Sordi, retornando dos mortos, querendo vingança. Todas as noites, durante muitas semanas, ele banqueteou-se com o sangue de uma empregada, mas ainda assim o artista vivia na criatura. Quando ele tinha sangue suficiente para se satisfazer, então ele levava as formas insensatas de suas vítimas para o campanário da casa onde ele habitava, e lá ele as pintava na agonia final da morte. Mas, veio uma noite quando a lua estava cheia e os homens da cidade encontraram a trilha do vampiro seguindo-o até seu covil, no alto da torre. Lá, com grande pressa, eles o derrubaram, conduzindo uma estaca ao seu coração. Após isso, ele faleceu e desfez-se em pó.”

 

Essa é a descrição de uma antiga lenda sobre um pintor atormentado pela maldição do vampirismo. “O Rastro do Vampiro” (Blood Bath, 1966) tem fotografia em preto e branco e produção executiva não creditada do mestre dos filmes de orçamentos reduzidos Roger Corman. A direção e roteiro são de autoria da dupla formada por Jack Hill e Stephanie Rothman.

 

Antonio Sordi (William Campbell) é um pintor misterioso cujos quadros são gravuras sangrentas perturbadoras retratando mulheres nuas mortas. Atormentado por uma maldição familiar, ele acredita ser um vampiro que mata mulheres e as utiliza como modelos para suas obras de arte grotescas, mergulhando seus corpos num tanque com cera quente criando bonecos disformes.

Ele coleciona vítimas como a jovem estudante de arte e modelo Daisy Allen (Marissa Mathes), cujo desaparecimento obriga sua irmã Donna (Sandra Knight) a procurá-la e iniciar uma investigação por conta própria sobre as ações suspeitas do sinistro pintor, mesmo sem conseguir a ajuda de outro pintor amigo de Daisy, o beatnik Max (Carl Schanzer), rival de Sordi.

Depois que a colega de quarto de Daisy, a jovem bailarina Dorean (Lori Saunders), se apaixona por Sordi, deixando-o confuso com sua paranoia de vampiro assassino de mulheres, ela deverá enfrentar a verdade sobre o namorado para não se tornar mais uma vítima.

 

“O Rastro do Vampiro” é meio confuso, pois Roger Corman decidiu editá-lo a partir de outro filme iugoslavo, um thriller de espionagem com elementos de investigação policial chamado “Operation Titian” (1963). E também ele acabou servindo de base para outros dois filmes: a versão para a televisão “Track of the Vampire” (de onde saiu o título nacional), com o acréscimo de cenas e personagens novos, para aumentar a curta duração original de apenas 62 minutos, e “Portrait in Terror” (1968). Ou seja, existem quatro versões no mesmo universo ficcional, algo que Roger Corman gostava de fazer para aproveitar materiais e recursos, e gerando com isso confusão para os fãs e dificuldades para um trabalho de pesquisa e catalogação.  

A história se perde em momentos tediosos com um grupo de artistas beatnik (Jonathan Haze, Sid Haig e Fred Thompson), que ficam discutindo ideias extravagantes sobre pintura e que não agregam para a esperada atmosfera de horror bagaceiro. Os destaques acabam sendo apenas os momentos com os ataques do vampiro, como na sequência inicial numa perseguição por becos escuros, ou na piscina durante uma festa, ou ainda num carrossel, todas culminando com assassinatos de mulheres. Ainda tem as cenas no estúdio decrépito do pintor assassino, repleto de quadros repulsivos e figuras de cera bizarras, além do desfecho previsível, mas com um esperado clima mórbido.

Como uma marca registrada nos filmes com envolvimento de Roger Corman, o cartaz é bem expressivo e exagerado nas cores e taglines para chamar a atenção do público e despertar curiosidade em conhecer o filme.

 

(RR – 15/04/22)





O Segredo do Monstro (The Undying Monster, EUA, 1942, PB)

 


"Hammond Hall, na virada do século, quando o antigo mistério do monstro de Hammond enfim foi revelado para toda a Inglaterra. Esse mistério, apesar de ter virado uma lenda em 1900, foi de fato, uma verdadeira tragédia, e uma constante ameaça para as vidas dos amaldiçoados membros da Casa de Hammond.”

 

Depois da produtora americana “Universal” lançar em 1941 o clássico “O Lobisomem” (The Wolfman) com Lon Chaney Jr., no ano seguinte a “20th Century Fox” deu sua resposta com o bem menos badalado “O Segredo do Monstro” (The Undying Monster), dirigido pelo alemão John Brahm e com roteiro de Lillie Hayward e Michel Jacoby, baseados em livro homônimo de Jessie Douglas Kerruish.

 

Uma aristocrática família inglesa é atormentada pela lenda de um monstro assassino que age nas noites geladas, um membro ancestral que teria vendido sua alma ao diabo e que precisaria de sacrifícios humanos para prolongar sua vida, mantendo-se escondido num quarto secreto da mansão.

Nesse cenário lúgubre e depressivo, um casal de irmãos formado por Oliver Hammond (John Howard) e Helga (Heather Angel), precisa lidar com a ameaça mortal de uma criatura sobrenatural que ronda seu casarão localizado no alto de um penhasco à beira do mar.

Após mais um ataque misterioso da fera, que deixou Oliver ferido, uma dupla de detetives da polícia é acionada para investigar o caso, formada por Robert Curtis (James Ellison) e Cornelia Christopher, ou “Christy” (Heather Thatcher).

No desenrolar da investigação, com o surgimento de pistas e evidências, análises de exames laboratoriais, revelações de informações históricas e diversas suposições sobre o mistério dos ataques violentos, surgem suspeitos como o médico da família Dr. Jeff Colbert (Bramwell Fletcher) e o sinistro mordomo Walton (Halliwell Hobbie), e segredos antigos são revelados.  

 

“O Segredo do Monstro” é um filme bem curto (só 63 minutos) lançado numa década menos expressiva para o cinema de horror, pois os anos 40 do século passado foram menos produtivos num momento de relativa decadência do gênero, que se reergueria a partir das décadas seguintes. Ele está situado no tema de licantropia, e além de explorar uma história com um dos monstros populares do horror, também apresenta investigação policial no estilo “noir”, com elementos tradicionais como a maldição familiar, a mansão gótica sinistra, os ambientes externos envoltos em névoa e a especulação de uma criatura sobrenatural espreitando nas sombras.

A investigação é interessante, apesar de previsível, e certamente os destaques são os elementos góticos e a atmosfera sombria. O ponto baixo é a personagem da policial Christy, que é a responsável pelos desnecessários alívios cômicos nos momentos de tensão, e que infelizmente não funcionam nem deveriam existir.  

Na Inglaterra o filme recebeu o título original alternativo “The Hammond Mystery”. E foi lançado em DVD no Brasil como material extra pela “Versátil” na coleção “Lobisomens no Cinema”, que tem mais outros quatro filmes no tema.

 

"Quando as estrelas estão brilhantes em uma noite de neve, cuidado com a maldição na estrada de pedra.”

 

(RR – 13/04/22)





O Moinho das Mulheres de Pedra (Mill of the Stone Women, Itália / França, 1960)

 


 

"Elfie agora está morta. Elfie está sepultada no cemitério de Veeze. Que descanse em paz em sua tumba. Em sua tumba.”

 

Os anos 60 do século passado foram o ápice para o cinema de horror gótico, principalmente com os filmes europeus, desde os ingleses da Hammer aos italianos de Mario Bava. “O Moinho das Mulheres de Pedra” (Mill of the Stone Women, 1960), de Giorgio Ferroni, é um dos bons exemplos desse fascinante sub-gênero do Horror, com sua atmosfera sombria e elementos de mistério e insanidade.  

 

A história se passa na pequena cidade de Veeze, na Holanda do final do século 19. O jornalista Hans von Arnim (Pierre Brice) está trabalhando numa matéria pesquisando o centenário de um famoso carrossel macabro que funciona como uma atração turística num moinho (do título), de propriedade do escultor e professor de belas artes Gregorius Vahl (Herbert Boehme). O carrossel é formado por bonecos grotescos de cera representando mulheres assassinadas ou torturadas e que podem ter sua origem em cadáveres reais. Ele tem uma filha doente, Elfie (Scilla Gabel), que vive reclusa no moinho, sem contato com o mundo externo, e que precisa de constantes transfusões de sangue para sobreviver, através de mulheres raptadas no vilarejo, enquanto o inescrupuloso médico Dr. Loren Bohlem (Wolfgang Preiss), que também vive no moinho e teve sua licença cassada pelo Conselho de Medicina, tenta encontrar uma cura para a rara doença do sangue de Elfie.

Depois que o jovem Hans entra em contato com a bela e misteriosa jovem, surge uma inevitável atração mútua, apesar dele estar apaixonado pela amiga de infância Liselotte Kornheim (Dany Carrel). Porém, após seu desaparecimento suspeito, Hans e o amigo Ralf (Marco Guglielmi), precisam agir antes dela se tornar outra vítima dos experimentos nefastos do Prof. Vahl e do Dr. Bohlem.

 

“O Moinho das Mulheres de Pedra” tem uma narrativa mais lenta e possui a tradicional atmosfera gótica com elementos macabros envolvendo doença, insanidade, mistério, assassinato, alucinação, pesadelo, experiências científicas bizarras, ambientes sombrios, um moinho sinistro (no lugar do costumeiro castelo gótico), um pequeno vilarejo enevoado e o desaparecimento de mulheres. Sua história inevitavelmente lembra filmes anteriores como “Museu de Cera” (1953) e “Olhos Sem Rosto” (1959), pelas similaridades das estátuas bizarras e do pai que não mede esforços, incluindo cometer crimes, para manter a filha viva.

Herbert Boehme está muito bem e convincente no papel desse pai sem escrúpulos que vai perdendo a sanidade e que junto com o “cientista louco” Dr. Bohlem faz as transfusões de sangue para manter a filha doente viva, em troca da vida de outras mulheres inocentes. Outros detalhes interessantes são o laboratório científico com seus instrumentos médicos bizarros, além da maquete do moinho em chamas.  

O título original italiano é “Il mulino delle donne di pietra” e foi lançado em DVD no Brasil pela “Versátil” na coleção “Obras-Primas do Terror – Gótico Italiano”.

 

(RR – 10/04/22)





Octaman (EUA / México, 1971)

 


"Desde o começo dos tempos o Homem tem explorado a Terra, desafiando os elementos em busca de aventura. Hoje temos uma nova espécie de aventureiros, os cientistas. Estes exploram as regiões desconhecidas, não em busca de riquezas ou aventura. Buscam respostas para problemas humanos como a contaminação e as enfermidades. Uma destas pessoas, numa destas investigações, está no comando de uma expedição ecológica numa primitiva comunidade pesqueira latino-americana. Onde descobriram o horrível efeito da radioatividade, na forma de uma velha lenda, incrivelmente aterrorizante, cuja trajetória foi escrita com sangue.”

 

Nada é mais divertido do que um filme bagaceiro de horror e ficção científica antigo, com efeitos práticos e monstros de borracha. “Octaman” (1971), dirigido e escrito por Harry Essex, é outra pérola do cinema de gênero de produção paupérrima e entretenimento garantido para os apreciadores de tranqueiras, com história bizarra de revolta da natureza através da vingança de uma criatura mutante gerada por poluição radioativa.

 

A história é tão simples que pode ser resumida em poucas linhas. Uma expedição científica está no México, liderada pelo Dr. Rick Torres (Kerwin Mathews) e sua namorada Susan Lowry (Pier Angeli). Eles analisam os lagos da região e a relação com os efeitos da radioatividade de testes atômicos, e depois de capturarem pequenos polvos de aparência estranha, são atacados brutalmente e perseguidos por uma criatura mutante mista de homem e polvo, que espalha o horror e deixa um rastro de sangue de suas vítimas.  

 

 “Octaman” é a típica combinação de bizarrice de uma história clichê exagerada no escapismo com um monstro gerado por deformação da natureza com poluição radioativa em efeitos toscos com um ator (Read Morgan) vestindo uma roupa verde de borracha e cheia de tentáculos falsos perseguindo os invasores de seu território. Aqui não temos nada de artificialidade de computação gráfica dos filmes mais modernos, com monstros gerados em CGI. Nada supera um monstro bagaceiro com efeitos práticos, sendo aqui o primeiro trabalho de Rick Baker, que fez parte da equipe de técnicos que criaram a concepção da fera mutante. Ele que seria mais tarde reconhecido como um dos grandes nomes dos efeitos especiais, responsável entre outros, pelo literalmente “Incrível Homem Que Derreteu” (1977) e pela transformação do lobisomem no clássico oitentista “Um Lobisomem Americano em Londres” (1981), além dos símios em “Planeta dos Macacos” (2001), de Tim Burton.

O monstro de “Octaman”, misto de homem e polvo, tem semelhanças com o réptil humanoide de “O Monstro da Lagoa Negra” (1954), clássico do cinema de gênero que também teve o roteiro assinado por Harry Essex, além de várias outras similaridades entre ambos os filmes.

Mesmo sendo uma produção de baixo orçamento, “Octaman” é basicamente todo centrado na figura da criatura mutante, que aparece bastante em cena desde o início, tanto em momentos de ataques de dia quanto de noite (e às vezes em ambos na mesma sequência de cenas, em erros de gravação comuns nesses filmes tranqueiras).

Por ser um filme de monstro, ele rouba todas as cenas e é mostrado claramente o máximo possível. Ao contrário da maioria dos outros filmes de monstros toscos, que por dificuldades de seus orçamentos reduzidos e falta de investimentos nos efeitos especiais, são pouco mostrados e geralmente apenas no ato final, com muita enrolação na história para cumprir a metragem mínima necessária.

Em “Octaman”, a criatura deformada pelo lixo nuclear, que tem sempre a boca aberta estática e só os olhos se movem discretamente, ataca suas vítimas tanto em terra quanto na água, e o ator dentro da roupa de borracha tem seu trabalho bastante dificultado pela redução de visão através do traje e falta de flexibilidade de movimentos.

O filme tem um roteiro simples com cientistas estudando a poluição com radiação na natureza, enfrentando a ira de um polvo mutante assassino. Divertido para os apreciadores de tranqueiras com monstros e história bizarra, com o espectador desligando o cérebro para escapar da realidade.

Vale registrar alguns momentos risíveis com os efeitos toscos, como o filhote de polvo andando na terra, sendo um bicho de borracha estático puxado por fios “invisíveis”, e também o polvo mutante arremessando o corpo de uma vítima do alto de uma colina, sendo um boneco patético rolando morro abaixo. Tem também a cena clássica do monstro aquático carregando a mocinha em seus braços, um clichê quase que obrigatório nesses filmes bagaceiros.  

Curiosamente, a atriz italiana Pier Angeli morreu prematuramente, apenas com 39 anos, logo após as filmagens de “Octaman”, vítima de uma overdose de barbitúricos. O ator David Essex, com apenas dois filmes na curta carreira, é filho do diretor e roteirista Harry Essex, fazendo aqui o papel do índio mexicano Davido, integrante da expedição científica. E alguns segundos de cenas de “Octaman” aparecem num programa de TV em “A Hora do Espanto” (Fright Night, 1985), como se fosse um filme de alienígenas.

 

(RR – 03/04/22)