“O reino de Deus está dentro de você e ao seu redor, não em prédios de madeira e pedra. Corte um pedaço de madeira e lá estarei, levante uma pedra e me encontrarás.” – trecho de um Evangelho proibido pela Igreja Católica
Filmes que exploram em seus argumentos questões religiosas são geralmente bastante intrigantes. O exemplo máximo é o clássico “O Exorcista” (73), sobre a possessão demoníaca de uma garota adolescente. Entre 1999 e 2000, período lembrado pela virada para o século XXI, curiosamente foram produzidos nos Estados Unidos vários filmes de horror abordando temas similares como “Fim dos Dias” (End of Days), com Arnold Schwarzenegger, e “Stigmata” (ambos de 1999), e “A Filha da Luz” (Bless the Child), com Kim Basinger, e “Dominação” (Lost Souls), com Winona Ryder (estes de 2000). Dentre todos esses filmes, o destaque fica para o thriller “Stigmata”, uma produção muito bem desenvolvida levantando misteriosas suspeitas sobre a história do catolicismo ao enfocar idéias contrárias à autoridade da Igreja moderna, com seus ricos e imponentes prédios espalhados pelo mundo, colocando em dúvida questões como a necessidade de toda essa ostentação e poder.
O filme analisa o conteúdo revolucionário para o destino da poderosa Igreja através de um Evangelho não oficial e reconhecido como heresia, escrito em aramaico (um dialeto utilizado pelo próprio Jesus Cristo e seus discípulos na Galiléia, e esquecido há mais de 1900 anos), onde supostamente reproduziria as reais palavras de Cristo e deixando claro que não são necessários a existência de padres e igrejas, ou seja, não precisa existir nenhuma instituição como intermédio entre Deus e o Homem.
A história de “Stigmata” inicia apresentando o padre e cientista Andrew Kiernan (Gabriel Byrne, que foi um demônio em “Fim dos Dias” e um caçador de tesouros em “Navio Fantasma”). Ele é um investigador a serviço da “Congregação Para as Causas dos Santos”, uma divisão da Igreja Católica e do Vaticano. Seu trabalho é viajar ao redor do mundo para averiguar a ocorrência de supostos milagres, e estudá-los verificando se suas origens são explicadas cientificamente, como foi o caso de um fenômeno que apareceu na nossa São Paulo, um efeito num vitral que reproduzia a imagem de um santo. Uma vez encontrada a explicação lógica para o fato, ele se dirige por conta própria para a pequena cidade fictícia de Belo Quinto, no sudeste do Brasil, onde numa igreja a estátua de uma santa estava chorando lágrimas de sangue. Ao chegar lá, descobre que o padre local, Almeida (Jack Donner), havia morrido e guardado um segredo misterioso com ele. Ao retornar para o Vaticano, Kiernan estranhamente recebe ordens de seu superior, o cardeal Daniel Houseman (Jonathan Pryce, de “Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra”), para não continuar a investigação de Belo Quinto e arquivar o caso, mesmo parecendo tratar-se de um milagre inexplicável.
Enquanto isso, a ação se volta para os Estados Unidos na cidade de New York, onde uma jovem cabeleireira atéia chamada Frankie Paige (Patricia Arquette, de “Ed Wood” e “Vivendo no Limite”), recebe pelo correio um presente de sua mãe que está de passeio pelo Brasil. É um crucifixo que pertenceu ao padre Almeida e que teria ligações com a ocorrência de um incrível fenômeno no corpo de Frankie, reproduzindo a mesma manifestação das chagas que Jesus Cristo sofreu em seu doloroso processo de crucificação. Conhecidos também como estigmas, são ferimentos nos pulsos e pés simulando uma perfuração através de pregos, açoitadas violentas nas costas, marcas de arranhões na cabeça provocadas pela ação da coroa de espinhos, e finalmente o efeito devastador de uma lança atravessando o corpo. Geralmente, as pessoas estigmatizadas são muito religiosas tendo uma crença fervorosa em Deus, porém no caso da jovem cabeleireira a ocorrência do fenômeno tornou-se ainda mais misteriosa justamente por ela não acreditar numa força superior criadora do Universo.
O padre Kiernan é então encarregado de investigar a ocorrência dos estigmas em Frankie, que além dos ferimentos no corpo demonstra também um comportamento estranho, escrevendo sob transe na parede de seu quarto uma série de frases misteriosas em aramaico, parecendo estar possuída por um espírito intruso, ou um “mensageiro”. Uma vez descobrindo a existência de uma conspiração religiosa envolvendo a morte do padre Almeida e autoridades do Vaticano, com a revelação de um Evangelho proibido que estava sendo traduzido e cujo conteúdo significaria a ruína da Igreja, o padre Kiernan procura de todas as formas proteger Frankie para evitar sua morte através dos estigmas e para ela não ser silenciada à força por interesses obscuros religiosos, ao mesmo tempo em que ele trava também uma batalha interna entre o seu lado racional e científico e o lado de sua fé espiritual.
“Stigmata” é um filme diferente e ousado por mostrar em seu roteiro uma história de conspiração envolvendo uma das mais ricas e poderosas instituições do mundo, a Igreja Católica e o centro de seu comando, o imponente Vaticano, localizado na Itália. A idéia de que Deus não está em prédios e sim dentro de cada pessoa é coerente e incita-nos invariavelmente à reflexão. Independente disso e como exclusivamente cinema, o filme também é um interessante thriller com alguns elementos de horror (as cenas dos estigmas ferindo o corpo da protagonista, além de situações sobrenaturais envolvendo possessão, levitação e outros fenômenos), prendendo a atenção do espectador ao longo da cuidadosa investigação do padre Kiernan, descobrindo relações entre os ferimentos espontâneos em Frankie, um Evangelho considerado como heresia pela Igreja Católica, e uma conspiração misteriosa envolvendo o Vaticano, confirmando a mensagem ameaçadora da “tagline” promocional do filme, “O mensageiro precisa ser silenciado”.
Como curiosidade, a história de Tom Lazarus que serviu de base para o roteiro de “Stigmata”, escolheu o Brasil para abrigar uma pequena cidade fictícia onde estava escondido o padre Almeida, um dos tradutores do pergaminho secreto que poderia levar o caos à Igreja. Dando o nome de Belo Quinto, eles erraram grotescamente ao mostrar os habitantes do vilarejo falando num sotaque espanhol, além do lugar mais parecer pertencente a algum dos nossos países vizinhos, demonstrando a falta de uma pesquisa de produção mais detalhada. Aliás, um caso similar ocorreu também no filme “Sinais” (2002), de M. Night Shyamalan, onde um alienígena teria sido visto na cidade de Passo Fundo (RS), e as testemunhas falavam com sotaque do português de Portugal.
“Em 1945, um pergaminho foi encontrado em Nag Hamadi, que é descrito como ‘As Máximas Secretas de Jesus Vivente’. Esse pergaminho, ‘O Evangelho de São Tomás’, foi reclamado por estudiosos de todo o mundo por ser o registro mais próximo que temos das palavras de Jesus histórico. O Vaticano se recusa a reconhecer esse Evangelho e o tem descrito como heresia.”
“Stigmata” (Stigmata, 1999) # 219 – data: 28/01/04 – avaliação: 8 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 26/01/06)
Stigmata (Stigmata, Estados Unidos, 1999). Duração: 103 minutos. Metro Goldwyn Mayer. Direção de Rupert Wainwright. Roteiro de Tom Lazarus e Rick Ramage, a partir de história de Tom Lazarus. Produção de Frank Mancuso Jr.. Música de Elia Cmiral e Billy Corgan. Fotografia de Jeffrey L. Kimball. Edição de Michael J. Duthie e Michael R. Miller. Desenho de Produção de Waldemar Kalinowski. Direção de Arte de Anthony R. Stabley. Efeitos Especiais de Al Broussard, Mark Hawker e Kenneth Van Order. Elenco: Patricia Arquette (Frankie Paige), Gabriel Byrne (Padre Andrew Kiernan), Jonathan Pryce (Cardeal Daniel Houseman), Nia Long (Donna Chadway), Thomas Kopache (Padre Durning), Jack Donner (Padre Almeida), Rade Serbedzija, Enrico Colantoni, Dick Latessa, Portia de Rossi, Patrick Muldoon, Ann Cusack, Shaun Toub, Tom Hodges, Lydia Hazan, Duke Moosekian.
Filmes que exploram em seus argumentos questões religiosas são geralmente bastante intrigantes. O exemplo máximo é o clássico “O Exorcista” (73), sobre a possessão demoníaca de uma garota adolescente. Entre 1999 e 2000, período lembrado pela virada para o século XXI, curiosamente foram produzidos nos Estados Unidos vários filmes de horror abordando temas similares como “Fim dos Dias” (End of Days), com Arnold Schwarzenegger, e “Stigmata” (ambos de 1999), e “A Filha da Luz” (Bless the Child), com Kim Basinger, e “Dominação” (Lost Souls), com Winona Ryder (estes de 2000). Dentre todos esses filmes, o destaque fica para o thriller “Stigmata”, uma produção muito bem desenvolvida levantando misteriosas suspeitas sobre a história do catolicismo ao enfocar idéias contrárias à autoridade da Igreja moderna, com seus ricos e imponentes prédios espalhados pelo mundo, colocando em dúvida questões como a necessidade de toda essa ostentação e poder.
O filme analisa o conteúdo revolucionário para o destino da poderosa Igreja através de um Evangelho não oficial e reconhecido como heresia, escrito em aramaico (um dialeto utilizado pelo próprio Jesus Cristo e seus discípulos na Galiléia, e esquecido há mais de 1900 anos), onde supostamente reproduziria as reais palavras de Cristo e deixando claro que não são necessários a existência de padres e igrejas, ou seja, não precisa existir nenhuma instituição como intermédio entre Deus e o Homem.
A história de “Stigmata” inicia apresentando o padre e cientista Andrew Kiernan (Gabriel Byrne, que foi um demônio em “Fim dos Dias” e um caçador de tesouros em “Navio Fantasma”). Ele é um investigador a serviço da “Congregação Para as Causas dos Santos”, uma divisão da Igreja Católica e do Vaticano. Seu trabalho é viajar ao redor do mundo para averiguar a ocorrência de supostos milagres, e estudá-los verificando se suas origens são explicadas cientificamente, como foi o caso de um fenômeno que apareceu na nossa São Paulo, um efeito num vitral que reproduzia a imagem de um santo. Uma vez encontrada a explicação lógica para o fato, ele se dirige por conta própria para a pequena cidade fictícia de Belo Quinto, no sudeste do Brasil, onde numa igreja a estátua de uma santa estava chorando lágrimas de sangue. Ao chegar lá, descobre que o padre local, Almeida (Jack Donner), havia morrido e guardado um segredo misterioso com ele. Ao retornar para o Vaticano, Kiernan estranhamente recebe ordens de seu superior, o cardeal Daniel Houseman (Jonathan Pryce, de “Piratas do Caribe: A Maldição do Pérola Negra”), para não continuar a investigação de Belo Quinto e arquivar o caso, mesmo parecendo tratar-se de um milagre inexplicável.
Enquanto isso, a ação se volta para os Estados Unidos na cidade de New York, onde uma jovem cabeleireira atéia chamada Frankie Paige (Patricia Arquette, de “Ed Wood” e “Vivendo no Limite”), recebe pelo correio um presente de sua mãe que está de passeio pelo Brasil. É um crucifixo que pertenceu ao padre Almeida e que teria ligações com a ocorrência de um incrível fenômeno no corpo de Frankie, reproduzindo a mesma manifestação das chagas que Jesus Cristo sofreu em seu doloroso processo de crucificação. Conhecidos também como estigmas, são ferimentos nos pulsos e pés simulando uma perfuração através de pregos, açoitadas violentas nas costas, marcas de arranhões na cabeça provocadas pela ação da coroa de espinhos, e finalmente o efeito devastador de uma lança atravessando o corpo. Geralmente, as pessoas estigmatizadas são muito religiosas tendo uma crença fervorosa em Deus, porém no caso da jovem cabeleireira a ocorrência do fenômeno tornou-se ainda mais misteriosa justamente por ela não acreditar numa força superior criadora do Universo.
O padre Kiernan é então encarregado de investigar a ocorrência dos estigmas em Frankie, que além dos ferimentos no corpo demonstra também um comportamento estranho, escrevendo sob transe na parede de seu quarto uma série de frases misteriosas em aramaico, parecendo estar possuída por um espírito intruso, ou um “mensageiro”. Uma vez descobrindo a existência de uma conspiração religiosa envolvendo a morte do padre Almeida e autoridades do Vaticano, com a revelação de um Evangelho proibido que estava sendo traduzido e cujo conteúdo significaria a ruína da Igreja, o padre Kiernan procura de todas as formas proteger Frankie para evitar sua morte através dos estigmas e para ela não ser silenciada à força por interesses obscuros religiosos, ao mesmo tempo em que ele trava também uma batalha interna entre o seu lado racional e científico e o lado de sua fé espiritual.
“Stigmata” é um filme diferente e ousado por mostrar em seu roteiro uma história de conspiração envolvendo uma das mais ricas e poderosas instituições do mundo, a Igreja Católica e o centro de seu comando, o imponente Vaticano, localizado na Itália. A idéia de que Deus não está em prédios e sim dentro de cada pessoa é coerente e incita-nos invariavelmente à reflexão. Independente disso e como exclusivamente cinema, o filme também é um interessante thriller com alguns elementos de horror (as cenas dos estigmas ferindo o corpo da protagonista, além de situações sobrenaturais envolvendo possessão, levitação e outros fenômenos), prendendo a atenção do espectador ao longo da cuidadosa investigação do padre Kiernan, descobrindo relações entre os ferimentos espontâneos em Frankie, um Evangelho considerado como heresia pela Igreja Católica, e uma conspiração misteriosa envolvendo o Vaticano, confirmando a mensagem ameaçadora da “tagline” promocional do filme, “O mensageiro precisa ser silenciado”.
Como curiosidade, a história de Tom Lazarus que serviu de base para o roteiro de “Stigmata”, escolheu o Brasil para abrigar uma pequena cidade fictícia onde estava escondido o padre Almeida, um dos tradutores do pergaminho secreto que poderia levar o caos à Igreja. Dando o nome de Belo Quinto, eles erraram grotescamente ao mostrar os habitantes do vilarejo falando num sotaque espanhol, além do lugar mais parecer pertencente a algum dos nossos países vizinhos, demonstrando a falta de uma pesquisa de produção mais detalhada. Aliás, um caso similar ocorreu também no filme “Sinais” (2002), de M. Night Shyamalan, onde um alienígena teria sido visto na cidade de Passo Fundo (RS), e as testemunhas falavam com sotaque do português de Portugal.
“Em 1945, um pergaminho foi encontrado em Nag Hamadi, que é descrito como ‘As Máximas Secretas de Jesus Vivente’. Esse pergaminho, ‘O Evangelho de São Tomás’, foi reclamado por estudiosos de todo o mundo por ser o registro mais próximo que temos das palavras de Jesus histórico. O Vaticano se recusa a reconhecer esse Evangelho e o tem descrito como heresia.”
“Stigmata” (Stigmata, 1999) # 219 – data: 28/01/04 – avaliação: 8 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 26/01/06)
Stigmata (Stigmata, Estados Unidos, 1999). Duração: 103 minutos. Metro Goldwyn Mayer. Direção de Rupert Wainwright. Roteiro de Tom Lazarus e Rick Ramage, a partir de história de Tom Lazarus. Produção de Frank Mancuso Jr.. Música de Elia Cmiral e Billy Corgan. Fotografia de Jeffrey L. Kimball. Edição de Michael J. Duthie e Michael R. Miller. Desenho de Produção de Waldemar Kalinowski. Direção de Arte de Anthony R. Stabley. Efeitos Especiais de Al Broussard, Mark Hawker e Kenneth Van Order. Elenco: Patricia Arquette (Frankie Paige), Gabriel Byrne (Padre Andrew Kiernan), Jonathan Pryce (Cardeal Daniel Houseman), Nia Long (Donna Chadway), Thomas Kopache (Padre Durning), Jack Donner (Padre Almeida), Rade Serbedzija, Enrico Colantoni, Dick Latessa, Portia de Rossi, Patrick Muldoon, Ann Cusack, Shaun Toub, Tom Hodges, Lydia Hazan, Duke Moosekian.