Pesadelos Diabólicos (1983)


Dentre os diversos filmes de antologias, ou seja, aqueles que apresentam vários episódios narrados de forma independente ou interligados entre si, um que se destaca no cinema fantástico é um típico exemplo da produção dos saudosos anos 1980. “Pesadelos Diabólicos” (Nightmares, 1983), com direção de Joseph Sargent, reúne quatro contos curtos de horror, com roteiros independentes, mostrando um psicopata assassino, um videogame com vida própria, um carro possuído pelo demônio, e uma ratazana gigante, num exercício de puro entretenimento.
O primeiro episódio é “Terror em Topanga” (Terror in Topanga), onde uma notícia de rádio informa que um maníaco assassino está foragido de um hospital psiquiátrico e foi visto na região de Topanga Canyon, em Los Angeles, atacando violentamente um guarda rodoviário. Ignorando o perigo, uma mulher, Lisa (Cristina Raines), desobedece a orientação do marido, Phil (Joe Lambie), para não sair à noite sozinha, e decide ir de carro até um mercado para comprar cigarros, pois não consegue controlar seu vício. Na volta, ao ser obrigada a parar num posto de gasolina para abastecer o carro com combustível, ela enfrenta um dos piores pesadelos de toda sua vida.
Uma história simples, sem grandes novidades, sendo a mais fraca do filme, apresentando mais um psicopata assassino à solta nas ruas. Porém, com um desfecho “surpresa” razoável, e pelo fato de ser bem curto, o episódio até agrada. Como curiosidade, numa cena o filho do casal está assistindo na televisão “Frankenstein” (1931), de James Whale e com Boris Karloff, numa acertada homenagem a esse grande clássico do cinema de horror.
A seguir vem o conto “O Bispo da Batalha” (The Bishop of Battle), uma interessante história de horror com elementos de ficção científica, trazendo o jovem J. J. Cooney (Emilio Estevez) como um fanático jogador de fliperama que está obcecado em derrotar um videogame que se auto intitula como o “Senhor de Todos os Desafios” e que possui 13 níveis com dificuldades progressivas. Com um fone de ouvido reproduzindo a agressividade de um rock pesado servindo de estímulo e motivação, o jovem jogador tenta de todas as formas vencer o jogo e sua obsessão é tão grande que ele invade a loja de um shopping center à noite, arrombando a porta para poder jogar no misterioso fliperama. Porém, ao conseguir atingir o maléfico nível 13, ele descobre que sua curiosidade foi longe demais e é obrigado a enfrentar uma entidade sobrenatural.
Apesar dos efeitos especiais nitidamente datados, que chegam a ser inexpressivos quando comparados com a tecnologia dos filmes atuais, esse episódio é ótimo e denuncia como um vício obsessivo pode se tornar literalmente mortal.
A terceira história é “A Benção” (The Benediction), trazendo um padre, MacLeod (Lance Henriksen), numa grave crise pessoal de fé devido ao assassinato de uma criança inocente num assalto. Ele decide abandonar a igreja, apesar dos conselhos do amigo Padre Luis Del Amo (Tony Plana) para ficar e insistir na crença em Deus, e viaja sem destino com seu carro pelas estradas do deserto. Lá, ele é surpreendido pela presença misteriosa de uma pick-up preta que passa a persegui-lo e tenta matá-lo. Uma vez lutando por sua vida, o ex-padre enfrenta a fúria de um carro possuído pelo mal e é obrigado a testar definitivamente sua fé.
Apesar de apresentar um elemento já bastante explorado, o carro possuído, o episódio é igualmente ótimo destacando-se a presença marcante de Lance Henriksen como o padre atormentado e autor de um discurso polêmico de desabafo para um bispo superior: “Eu só vejo a anarquia. Somente a inexplicável descrença da anarquia. E vejo pessoas serem soterradas pela máquina dessa anarquia. Gente angustiada. O meu... O meu maior medo é que isso não seja obra do Diabo, porque se não existe Deus, também não existe Diabo. E se houvesse um Deus, ele não permitiria tanto sofrimento. Eu cheguei à conclusão de que nós vivemos num grande vazio. Iminência, eu perdi a minha fé.” Outro momento de destaque é quando o carro satânico surge repentinamente debaixo da terra, numa cena muito bem produzida e de grande impacto.
Para finalizar com “chave de ouro”, o último episódio é o melhor do filme e se chama “A Noite do Rato” (Night of the Rat), mostrando uma família tradicional que é formada por um casal em crise de relacionamento, Steven Houston (Richard Masur), e sua esposa, Claire (Veronica Cartwright), além da filha pequena, Brooke (Bridgette Andersen), e que é atormentada pela presença de uma enorme ratazana sobrenatural, um demônio roedor descrito numa antiga lenda alemã. A criatura caminha pesadamente pelo sotão e porão destruindo progressivamente a fiação elétrica e o interior das paredes, e após seu filhote ser morto numa ratoeira, o monstro maligno parte para um confronto final com os moradores da casa.
Animais gigantes sempre povoaram o cinema fantástico numa infinidade de filmes super divertidos, e a presença de um rato com tamanho descomunal inevitavelmente causa um sentimento desconfortável de repulsa e medo, principalmente quando ele emite seus horríveis gritos agudos de raiva, os quais agridem violentamente os tímpanos da audição humana. Um destaque é quando o enorme rato estraçalha literalmente uma gata de estimação da família, contrariando a idéia de que os gatos é que perseguem os ratos. De negativo nesse episódio, fica o desfecho insatisfatório numa tentativa equivocada de “final feliz”.
O diretor americano Joseph Sargent nasceu em 1925 em New Jersey, e possui em seu currículo uma vasta filmografia com mais de 70 trabalhos. Ele é mais conhecido por suas atuações para a televisão, dirigindo episódios para inúmeras séries do passado como “Gunsmoke” (1955/75), “Bonanza” (1959/73), “O Fugitivo” (1963/67), “O Agente da U.N.C.L.E.” (1964/68), “Os Invasores” (1967/68), “Jornada nas Estrelas” (1966/69) e “Os Guerrilheiros” (1967/68), além de muitos filmes produzidos especialmente para a telinha, como a ficção científica “Colossus: The Forbin Project” (1970) e dezenas de outros trabalhos feitos principalmente a partir de meados da década de 1980.
Jeffrey Bloom e Christopher Crowe, que escreveram as interessantes histórias de “Pesadelos Diabólicos”, fizeram também parte da equipe de roteiristas da série de TV “Quarto Escuro” (1981/82), onde o veterano ator James Coburn apresentava histórias de horror e suspense no mesmo estilo de “Além da Imaginação” e “Galeria do Terror”, criadas por Rod Serling.
O elenco está repleto de desconhecidos, com exceção de um ainda jovem Emilio Estevez, que faria sucesso posteriormente, de Lance Henriksen, um eterno coadjuvante largamente visto numa infinidade de filmes seguintes, e da atriz inglesa Veronica Cartwright, que apareceu em filmes importantes de horror e ficção científica como “Os Pássaros”(1963), “Invasores de Corpos” (1978) e o clássico moderno “Alien, o Oitavo Passageiro” (1979). Emilio Estevez nasceu em 1962 em New York e participou de vários filmes de prestígio como o western “Jovens Demais Para Morrer” (1988), onde interpretou o lendário pistoleiro “Billy the Kid”, ao lado do veterano Jack Palance e de outros jovens com carreiras igualmente promissoras como Kiefer Sutherland e Charlie Sheen, além da ficção científica “Freejack” (1992), junto com o músico Mick Jagger e do experiente Anthony Hopkins. Ele participou também da “bomba” dirigida por Stephen King “Comboio do Terror”, em 1986. Já Lance Henriksen nasceu em 1940 também em New York e é bem conhecido por sua participação fixa no elenco da série de mistérios “Millennium” (1996/99), criada por Chris Carter. Sua carreira é extensa, com quase noventa filmes, muitos deles sendo interessantes produções de baixo orçamento de horror como “Quando Chega a Escuridão” (1987) e “Pumpkinhead – A Vingança do Diabo” (1988). Fazem parte também de sua filmografia atuações em “O Exterminador do Futuro” (1984) e nas duas primeiras sequências da franquia “Alien”, filmadas em 1986 e 1992.
Como na maioria das vezes, os responsáveis pela definição dos títulos nacionais dos filmes que chegam ao Brasil, novamente procuraram complicar uma tarefa fácil, e incluíram desnecessariamente um adjetivo em vez de simplesmente traduzirem de forma literal o nome original do filme “Nightmares” para “Pesadelos”, preferindo nomear como “Pesadelos Diabólicos”. Pelo menos, eles acertaram com os nomes dos quatro episódios, traduzindo literalmente dos originais.
Enfim, “Pesadelos Diabólicos” é um interessante filme dividido em quatro episódios de horror no melhor estilo de “Além da Imaginação”, com histórias explorando conflitos cotidianos e temáticas sobrenaturais, narradas de forma simples e despretensiosa, e que mesmo apresentando clichês e situações comuns, resultou num agradável momento de diversão e um destaque da filmografia desse estilo de filme na produtiva década de 1980.

“Pesadelos Diabólicos” (Nightmares, 1983) – avaliações: 6 (Terror em Topanga), 7 (O Bispo da Batalha), 7,5 (A Benção), 8 (A Noite do Rato) (de 0 a 10).
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 12/01/06)

Pesadelos Diabólicos (Nightmares, Estados Unidos, 1983). Duração: 99 minutos. Direção de Joseph Sargent. Roteiro de Jeffrey Bloom e Christopher Crowe. Produção de Christopher Crowe. Fotografia de Mario DiLeo e Gerald Perry Finnerman. Música de Craig Safan. Edição de Michael Brown e Rod Stephens. Elenco: Episódio 1 “Terror em Topanga” – Cristina Raines (Lisa), Joe Lambie (Phil), Anthony James, Clare Nono, Raleigh Bond, Robert Phelps, Dixie Lynn Royce, Lee Ving. Episódio 2 “O Bispo da Batalha” – Emilio Estevez (J.J. Cooney), Mariclare Costello (Adele Cooney), Louis Giambalvo (Jerry Cooney), Moon Unit Zappa (Pamela), Billy Jayne (Zock Maxwell), Joshua Grenrock (Willie), Gary Cervantes (Mazenza), C. Stewart Burnes (Root), André Díaz (Pedro), Rachel Goslins, Joel Holman, Christopher Bubetz, Rudy Negrete. Episódio 3 “A Benção” – Lance Henriksen (MacLeod), Tony Plana (Padre Luis Del Amo), Timothy Scott (Patrulheiro da rodovia), Robin Gammell (Bispo), Rose Mary Campos. Episódio 4 “A Noite do Rato” – Richard Masur (Steven Houston, Veronica Cartwright (Claire Houston), Bridgette Andersen (Brooke Houston), Albert Hague (Mel Keefer), Howard R. Flynn (Locutor da rádio).