Evil Dead II - Dead By Dawn (1987)


A lenda diz que o livro foi escrito pelos que estão na escuridão, Necronomicon Ex-Mortis, brutalmente traduzido, O Livro dos Mortos. O livro serviu como passagem para o mal do outro mundo. Foi escrito há muito tempo. Quando os mares encheram-se de sangue. E foi com esse sangue que o livro foi escrito. No ano 1300 A.C. este livro desapareceu.

Essa introdução narrada dá início ao filme intermediário da cultuada trilogia criada por Sam Raimi em 1982 com “The Evil Dead” (No Brasil recebendo o infeliz título de “A Morte do Demônio”) e concluída em 1992 com “Army of Darkness” (“Exército da Escuridão”). O primeiro filme é um dos maiores destaques do cinema de horror de todos os tempos, apresentando uma violência crua e direta com cenas grotescas de grande impacto visual, com direito a decapitações e esquartejamentos a machadadas num brutal banho de sangue, tornando-se um forte inspirador para diversas obras seguintes e um clássico moderno do gênero. O terceiro filme da franquia está mais voltado para o humor, mostrando as aventuras do herói Ashley na época medieval combatendo demônios alados e um exército da escuridão formado por mortos-vivos.
Evil Dead II” recebeu no Brasil o título de “Uma Noite Alucinante 2 – Mortos ao Amanhecer”. Foi produzido em 1987 pela mesma equipe principal de criação do filme original, sendo na verdade uma refilmagem de um mesmo argumento, em vez de uma sequência como poderia ser imaginado inicialmente. Uma das grandes diferenças entre ambos os filmes foi que o diretor Sam Raimi (de “Darkman” e “Homem-Aranha”) preferiu adotar uma linha mais humorística (com inspiração na antiga série de televisão “Os Três Patetas”, conforme informações dele próprio), apesar de não faltarem as cenas agressivas, acrescentando alguns elementos e personagens novos na história original, e adotando um final que possibilitasse uma continuação, como aconteceu de fato alguns anos depois com “Army of Darkness”, igualmente voltado para o humor negro. Uma outra diferença também é que dessa vez o diretor teve a sua disposição um orçamento bem maior para a produção, financiada pela poderosa empresa de Dino de Laurentiis, e ele pode contar com efeitos especiais mais avançados que os do primeiro filme.

A história traz um casal de jovens, Ashley (Bruce Campbell) e sua namorada Linda (Denise Bixler), que pára numa cabana isolada nas montanhas para descansarem. Lá eles encontram o “Livro dos Mortos”, um antigo e raro artefato manuscrito cujo perigoso conteúdo incluía uma série de ilustrações macabras e passagens cabalísticas que uma vez recitadas possibilitavam a ressurreição de ferozes demônios adormecidos. Junto ao livro havia um gravador e por curiosidade eles ouvem a narração de um arqueólogo, Professor Knowby (John Peaks), descobridor da obra maldita perdida em escavações.

Aqui é o Professor Raymond Knowby, do Departamento de História. Registro número 2. Eu acredito que tenha feito uma descoberta significativa no Castelo de Kandar, quando viajei para lá com minha esposa Henrietta, minha filha Annie e o professor adjunto Eddie Kate. Foi na parte dos fundos do castelo que encontramos algo extraordinário, Tatolo di Monto, o Livro dos Mortos. Minha esposa e eu trouxemos o livro para esta cabana para que eu pudesse estudá-lo com tranquilidade. Foi aqui que comecei a tradução. O livro fala de uma presença espiritual. Uma coisa do mal que vaga pela floresta e sobre as forças negras que dominam os homens. É pela declamação das passagens do livro que esses espíritos sem luz conseguem licença para possuir os vivos. Estão aqui registradas as palavras pronunciadas por aquelas passagens. Kandar Extrata Amantus. Aregreates. Kat. Nosferatus. Kandar Amantus Kandar.

Inadvertidamente, a reprodução dessas palavras de antigos rituais funerários possibilitou a possessão de Linda por um demônio kandariano, obrigando Ash a decapitar brutalmente sua namorada. O próprio Ash passou a enfrentar em seguida um demônio que vez ou outra se apossava de seu corpo e depois de forma definitiva em sua mão direita, obrigando-o a decepá-la com uma motoserra, que mais tarde foi implantada no lugar do membro amputado. Após uma série de confrontos hilariantes de Ash contra sua mão possuída, surgiram na cabana a filha do arqueólogo, Annie (Sarah Berry), e seu colega Ed (Richard Domeier), que estavam à procura do Prof. Knowby e sua esposa Henrietta (Lou Hancock), trazendo novidades sobre o “Livro dos Mortos”, através da descoberta de algumas páginas inéditas com passagens que poderiam devolver o mal ao seu universo de origem. No caminho eles encontraram numa estrada próxima à cabana um outro casal, Jake (Dan Hicks) e Bobby Joe (Kassie Wesley), que se juntou a eles. Uma vez todos reunidos na cabana, o jovem Ed é a próxima vítima dos demônios libertados, sendo possuído por um espírito maligno e sentindo o peso de um machado cortando-lhe a carne. Depois foi a vez de Bobby Joe ser violentamente espancada por árvores fantasmagóricas que estavam sob a influência das forças negras da floresta, tendo em seguida seu namorado Jake completamente trucidado por um demônio que possuiu o corpo de Henrietta, cuja criatura horrenda (interpretada por Theodore Raimi, irmão do diretor) estava enterrada no chão do porão da cabana, conforme informação da fita gravada pelo Prof. Knowby.

Faz apenas algumas horas que traduzi e falei em voz alta a primeira passagem da ressurreição do demônio do Livro dos Mortos. E agora receio que minha esposa tenha se tornado hospedeira de um demônio kandariano. Que Deus me perdoe pelo que eu tenha feito nesta terra... Na noite passada, Henrietta tentou me matar... Hoje é 1 de outubro, 16:30 horas e Henrietta está morta. Eu não consegui mutilar o seu corpo, mas o empurrei para baixo pela escada. E eu o enterrei. Eu a enterrei no porão. Deus, me ajude. Eu a enterrei no chão daquele porão.

Restando apenas o herói Ash e a mocinha Annie, a filha do arqueólogo, coube a eles a árdua missão de um confronto final com os demônios, expulsando o Mal através da citação de algumas palavras mágicas do “Livro dos Mortos”, conseguindo abrir uma fenda temporal no espaço e criando uma comunicação com uma época medieval onde demônios voadores habitavam o mundo e aterrorizavam os humanos.

O segundo filme da trilogia de Sam Raimi está repleto de cenas engraçadas como a dança do cadáver decapitado e possuído de Linda, a namorada de Ash, numa sequência filmada no tradicional “stop motion” (técnica utilizada com extrema habilidade por Ray Harryhausen em dezenas de filmes há mais de 50 anos atrás). Outro momento de refinado humor negro é quando a mão direita de Ash fica possuída por um demônio obrigando-o a decepá-la. Ele tenta matar a própria mão que faz gestos obscenos e emite ruídos esquisitos. Além da sequência impagável onde uma cabeça de alce pendurada na parede como troféu de caça e vários outros objetos inanimados da cabana começam a dar enormes e irritantes gargalhadas provocativas contra Ash, que estava imerso num verdadeiro universo de loucura. Aliás, o herói estava o tempo todo sendo atormentado por terríveis alucinações e manipulações de sua mente pelos demônios, confundindo constantemente realidade e fantasia.
Como curiosidade, num exercício de profundo bom humor, Raimi mostrou a capa de um livro em forma de antologia de diversos autores, intitulado “Uma Despedida aos Braços” (“A Farewell to Arms”), numa referência à nova condição da mão possuída de Ash, decapitada de seu braço original. Outro fato curioso e diferente foi o uso de sangue verde na sequência de mutilação do demônio que havia possuído o corpo de Ed.
São várias também as sequências em destaque, como os violentos golpes de Ash com uma motoserra contra a cabeça decepada de Linda; ou os vários banhos de sangue, em verdadeiras enxurradas de molhar até os espectadores; ou a cena onde Bobby Joe engole um horrendo olho da Henrietta possuída, com os nervos e tudo mais, ou ainda o ataque feroz das árvores possuídas da floresta contra as paredes da cabana, lembrando as fascinantes criaturas “ents” do universo ficcional de “O Senhor dos Anéis”, de autoria do escritor J. R. R. Tolkien.

“Evil Dead II” é um ótimo filme de horror com elementos de humor negro, amparado por um orçamento significativo e efeitos especiais mais desenvolvidos que seu antecessor, “The Evil Dead”, filmado cinco anos antes. Porém, o filme original, sem a inclusão de humor, é definitivamente insuperável, não sendo necessárias continuações ou a criação de uma franquia sobre o tema como aconteceu. Seria bem melhor se o diretor Sam Raimi tivesse filmado outras produções com a sua desejada linha humorística, utilizando o filme original de 1982 apenas como inspiração para a criação de um universo ficcional similar, com outro nome e personagens. “The Evil Dead” mostrou uma chocante história de horror sobre mortos malignos possuindo os vivos e terminou de forma fenomenal, longe do tradicional e trivial “final feliz”. Já “Evil Dead II” e “Army of Darkness”, também grandes filmes onde Raimi pode exercitar todo o seu humor negro, deveriam ser independentes da primeira criação do cineasta.
De qualquer forma, a cultuada trilogia “Evil Dead” é indispensável para os fãs do gênero, tendo seu lugar garantido entre os grandes destaques na história do cinema de horror.

Nós somos as coisas que eram e que serão novamente... Espíritos do livro... Nós queremos o que é nosso apenas... Mortos... ao amanhecer. Mortos ao amanhecer.

“Uma Noite Alucinante 2 – Mortos ao Amanhecer ” (Evil Dead II – Dead By Dawn, 1987) – avaliação: 8 (de 0 a 10)
blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 06/01/06)

Uma Noite Alucinante 2 – Mortos ao Amanhecer (Evil Dead II – Dead By Dawn, Estados Unidos, 1987). Duração: 82 minutos. Filmado em Wadesboro (North Carolina) e Detroit. Direção de Sam Raimi. Roteiro de Sam Raimi e Scott Spiegel. Produção de Robert G. Tapert, Bruce Campbell e Joseph C. Stillman. Produção Executiva de Irvin Shapiro e Alex DeBenedetti. Fotografia de Peter Deming. Fotografia Noturna de Eugene Shlugleit. Música de Joseph Lo Duca. Efeitos Especiais de Maquiagem de Mark Shostrom. Montagem de Kaye Davis. Direção de Arte de Philip Duffin e Randy Bennett. Animação de Tom Sullivan. Voz do demônio: William Preston Robertson. Elenco: Bruce Campbell (Ashley), Sarah Berry (Annie), Dan Hicks (Jake), Kassie Wesley (Bobby Joe), Richard Domeier (Ed), Theodore Raimi (Henrietta possuída), Denise Bixler (Linda), John Peaks (Prof. Knowby), Lou Hancock (Henrietta).