“Aquele que combate monstros deve se cuidar para que não acabe se tornando um monstro”
Friedrich Nietzche, filósofo alemão (1844-1900)
Diante da enorme quantidade de filmes de horror que são produzidos todos os anos, de todos os estilos e para todos os públicos, é fato conhecido que poucos trazem situações originais em suas histórias ou que pelo menos não explorem exageradamente certos clichês que não despertam mais tanta atenção dos fãs. No caso de “Mortos de Fome” (Ravenous, 1999), dirigido pela cineasta inglesa Antonia Bird a partir de um roteiro de Ted Griffin, temos que reconhecer a atrativa criatividade de sua bizarra história de canibalismo, fugindo um pouco do trivial e acrescentando elementos interessantes, tendo como base do estranho argumento uma lenda indígena sobre os “Windigos”, homens que ao comerem a carne de outros homens, normalmente inimigos, assumem para si sua força, essência e espírito, tornando-se criaturas capazes de curarem suas doenças e eliminarem seus ferimentos mortais, demonstrando uma força e poder de regeneração fora do comum. O problema é que, assim como ocorre com o vampirismo em relação ao sangue, a fome de carne humana transforma-se num desejo insaciável e voraz, incitando a comer cada vez mais para se tornar ainda mais forte. Uma outra boa descrição para esse fenômeno sobrenatural está anunciada no interessante “tagline” do filme, “Você é quem você come”.
A história é ambientada num distante e isolado posto militar americano do século XIX, localizado na California e servindo de assistência para os viajantes que estão atravessando as selvagens Serras Nevadas Ocidentais. Chamado de Forte Spencer, a liderança do local é feita pelo Coronel Hart (Jeffrey Jones), tendo sob seu comando o Major Knox (Stephen Spinella), um bêbado que também é o responsável pelo socorro médico, os soldados Toffler (Jeremy Davies), que é um jovem religioso e uma espécie de capelão, o perigoso e irritado Reich (Neal McDonough), e o fumante Cleaves (David Arquette), um viciado em ervas alucinógenas. Fazem parte ainda da população do forte um casal de ajudantes, os irmãos indígenas George (Joseph Running Fox) e Martha (Sheila Tousey).
Enquanto isso, é apresentando o Capitão John Boyd (Guy Pearce), recentemente promovido politicamente por sua atuação duvidosa durante uma batalha na guerra civil entre os Estados Unidos e México em 1847. Mais próximo de uma conduta covarde do que heróica no campo de batalha, ele recebe também em represália uma transferência para o longínquo Forte Spencer.
Boyd junta-se então ao grupo do Cel. Hart e numa noite fria de muita neve, surge mais um homem, o estranho Colquhoun (Robert Carlyle), que após ser reanimado de uma hipotermia alega que é um sobrevivente de uma pequena expedição de pioneiros que ficou presa numa caverna por vários meses, por causa de uma tempestade de neve que fechou os caminhos e impossibilitou a continuidade da viagem. Colquhoun contou uma história macabra justificando que para não morrer de fome comeu literalmente seus companheiros.
O Cel. Hart decide então formar uma equipe de resgate para averiguar o misterioso relato, liderando um grupo formado ainda pelo guia índio George e os soldados Reich, Toffler e Cap. Boyd. Porém, eles não imaginavam que descobririam uma terrível revelação sobre Coquhoun e o Cel. Ives, um militar que guiava a expedição que se refugiou na caverna. A partir daí, os homens terão que lutar por suas vidas e para não serem devorados, destacando-se entre eles o Cap. Boyd, que passa a ter a ingrata missão de enfrentar seus piores conflitos internos por causa de um passado vergonhoso, e também de tentar controlar seus novos instintos assassinos.
“Mortos de Fome” é um filme diferente, que aborda o tema do canibalismo numa história interessante. Como comer carne humana é considerado um ato de extrema agressividade, essa prática normalmente desperta um sentimento de repulsa nas pessoas. E o filme também tenta apresentar alguns elementos ligeiros de humor negro que poderiam tranquilamente passar despercebidos, tornando-se irrelevantes e desnecessários enquanto prevalecem com muito mais ênfase e energia as cenas envolvendo violência e sangue.
O filme tem algumas cenas pesadas de violência e canibalismo, onde destaca-se uma longa sequência no confronto mortal e decisivo entre um perturbado Capitão Boyd e o Coronel Ives, que tem a intenção de formar uma sociedade secreta de canibais, com direito à várias cenas repletas de pancadaria, ferimentos com instrumentos de corte rasgando a carne, e sangue jorrando em profusão. Uma cena curiosa em particular, e igualmente inverossímil, é quando um acuado Cap. Boyd tenta fugir de seu agressor se jogando do alto de um precipício, esperando sobreviver na queda num choque contra várias árvores, lembrando uma sequência similar em “Rambo – Programado Para Matar” (First Blood, 1982), onde o veterano combatente da Guerra do Vietnã John Rambo (Sylvester Stallone) se atira de um penhasco para fugir de um atirador, se chocando violentamente contra as árvores abaixo e apenas tendo como prejuízo um corte num dos braços, devidamente costurado logo em seguida.
“Mortos de Fome” foi lançado em DVD no Brasil pela “Fox”, num disco trazendo bastante material extra, porém tudo em inglês sem legendas. Inclui um trailer de dois minutos, uma galeria de fotos com desenhos dos figurinos e dos cenários (especialmente o Forte Spencer), uma coletânea de doze minutos com cenas excluídas, e a exibição do filme com comentários da diretora Antonia Bird, do responsável pela trilha sonora Damon Albarn, do roteirista Ted Griffin e dos atores Robert Carlyle e Jeffrey Jones.
O título nacional do filme, “Mortos de Fome”, até que não é ruim, tendo relação com a história, mas num primeiro momento o nome acaba ficando associado a uma comédia de humor negro. E o ideal seria traduzir literalmente o original “Ravenous” para algo como “Voraz” (nome adotado na distribuição no México), ou “Insaciável” (nome em Portugal), “Devorador”, ou ainda “Faminto”.
O elenco é formado por um time competente de atores onde destacam-se Guy Pearce, Robert Carlyle, David Arquette e Jeffrey Jones. O primeiro nasceu na Inglaterra em 1967 e tem filmes importantes na carreira como “Los Angeles, Cidade Proibida” (97), “Amnésia” e “Regras do Jogo” (ambos de 2000), e “O Conde de Monte Cristo” e “A Máquina do Tempo” (ambos de 2002). O escocês Robert Carlyle nasceu em 1961 e sua filmografia conta com aproximadamente 30 trabalhos, sendo bem conhecido por sua atuação no cultuado “Trainspotting – Sem Limites” (96), além de “A Praia” (2000), ambos de Danny Boyle, e “Baladas, Rachas e Um Louco de Kilt” (2001), ao lado de Samuel L. Jackson. Já David Arquette é americano do Estado da Virginia, nascido em 1971 e conhecido especialmente como o policial Dewey na trilogia “Pânico”, criada por Wes Craven e iniciada em 1996, além do drama da Segunda Guerra Mundial “Cinzas da Guerra” (2001) e pela divertida paródia de horror “Malditas Aranhas! (2002). E completando a equipe de protagonistas principais, tem o veterano Jeffrey Jones, ator americano nascido em 1947 e que teve participações em filmes como “Os Fantasmas Se Divertem” (88), “Ed Wood” (94) e “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” (99), todos de Tim Burton.
Curiosamente, “Mortos de Fome” seria no início dirigido pelo cineasta nascido na Macedônia Milcho Manchevski, que foi logo substituído por Antonia Bird, a pedido do ator Robert Carlyle, que já havia trabalhado várias vezes com a diretora.
“Coma para viver. Não viva para comer” – Ben Franklin, estadista e filósofo americano (1706-1790)
“Mortos de Fome” (Ravenous, 1999) # 217 – data: 21/01/04 – avaliação: 8 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 25/01/06)
Mortos de Fome (Ravenous, Estados Unidos / Inglaterra / México / República Tcheca / Eslováquia, 1999). 20th Century Fox. Duração: 98 minutos. Direção de Antonia Bird. Roteiro de Ted Griffin. Produção de Adam Fields e David Heyman. Produção Executiva de Tim Van Rellin. Música de Damon Albarn e Michael Nyman. Fotografia de Anthony B. Richmond. Edição de Neil Farrell e Geraint Huw Reynolds. Desenho de Produção de Bryce Perrin. Direção de Arte de Adam O’Neil e Karel Vacek. Efeitos Especiais de Terry Glass. Maquiagem de Fae Hammond. Elenco: Guy Pearce (Capitão John Boyd), Robert Carlyle (Coronel Ives / F. W. Colquhoun), David Arquette (Soldado Cleaves), Jeremy Davies (Soldado Toffler), Jeffrey Jones (Coronel Hart), John Spencer (General Slauson), Stephen Spinella (Major Knox), Neal McDonough (Soldado Reich), Joseph Running Fox (George), Sheila Tousey (Martha).
Friedrich Nietzche, filósofo alemão (1844-1900)
Diante da enorme quantidade de filmes de horror que são produzidos todos os anos, de todos os estilos e para todos os públicos, é fato conhecido que poucos trazem situações originais em suas histórias ou que pelo menos não explorem exageradamente certos clichês que não despertam mais tanta atenção dos fãs. No caso de “Mortos de Fome” (Ravenous, 1999), dirigido pela cineasta inglesa Antonia Bird a partir de um roteiro de Ted Griffin, temos que reconhecer a atrativa criatividade de sua bizarra história de canibalismo, fugindo um pouco do trivial e acrescentando elementos interessantes, tendo como base do estranho argumento uma lenda indígena sobre os “Windigos”, homens que ao comerem a carne de outros homens, normalmente inimigos, assumem para si sua força, essência e espírito, tornando-se criaturas capazes de curarem suas doenças e eliminarem seus ferimentos mortais, demonstrando uma força e poder de regeneração fora do comum. O problema é que, assim como ocorre com o vampirismo em relação ao sangue, a fome de carne humana transforma-se num desejo insaciável e voraz, incitando a comer cada vez mais para se tornar ainda mais forte. Uma outra boa descrição para esse fenômeno sobrenatural está anunciada no interessante “tagline” do filme, “Você é quem você come”.
A história é ambientada num distante e isolado posto militar americano do século XIX, localizado na California e servindo de assistência para os viajantes que estão atravessando as selvagens Serras Nevadas Ocidentais. Chamado de Forte Spencer, a liderança do local é feita pelo Coronel Hart (Jeffrey Jones), tendo sob seu comando o Major Knox (Stephen Spinella), um bêbado que também é o responsável pelo socorro médico, os soldados Toffler (Jeremy Davies), que é um jovem religioso e uma espécie de capelão, o perigoso e irritado Reich (Neal McDonough), e o fumante Cleaves (David Arquette), um viciado em ervas alucinógenas. Fazem parte ainda da população do forte um casal de ajudantes, os irmãos indígenas George (Joseph Running Fox) e Martha (Sheila Tousey).
Enquanto isso, é apresentando o Capitão John Boyd (Guy Pearce), recentemente promovido politicamente por sua atuação duvidosa durante uma batalha na guerra civil entre os Estados Unidos e México em 1847. Mais próximo de uma conduta covarde do que heróica no campo de batalha, ele recebe também em represália uma transferência para o longínquo Forte Spencer.
Boyd junta-se então ao grupo do Cel. Hart e numa noite fria de muita neve, surge mais um homem, o estranho Colquhoun (Robert Carlyle), que após ser reanimado de uma hipotermia alega que é um sobrevivente de uma pequena expedição de pioneiros que ficou presa numa caverna por vários meses, por causa de uma tempestade de neve que fechou os caminhos e impossibilitou a continuidade da viagem. Colquhoun contou uma história macabra justificando que para não morrer de fome comeu literalmente seus companheiros.
O Cel. Hart decide então formar uma equipe de resgate para averiguar o misterioso relato, liderando um grupo formado ainda pelo guia índio George e os soldados Reich, Toffler e Cap. Boyd. Porém, eles não imaginavam que descobririam uma terrível revelação sobre Coquhoun e o Cel. Ives, um militar que guiava a expedição que se refugiou na caverna. A partir daí, os homens terão que lutar por suas vidas e para não serem devorados, destacando-se entre eles o Cap. Boyd, que passa a ter a ingrata missão de enfrentar seus piores conflitos internos por causa de um passado vergonhoso, e também de tentar controlar seus novos instintos assassinos.
“Mortos de Fome” é um filme diferente, que aborda o tema do canibalismo numa história interessante. Como comer carne humana é considerado um ato de extrema agressividade, essa prática normalmente desperta um sentimento de repulsa nas pessoas. E o filme também tenta apresentar alguns elementos ligeiros de humor negro que poderiam tranquilamente passar despercebidos, tornando-se irrelevantes e desnecessários enquanto prevalecem com muito mais ênfase e energia as cenas envolvendo violência e sangue.
O filme tem algumas cenas pesadas de violência e canibalismo, onde destaca-se uma longa sequência no confronto mortal e decisivo entre um perturbado Capitão Boyd e o Coronel Ives, que tem a intenção de formar uma sociedade secreta de canibais, com direito à várias cenas repletas de pancadaria, ferimentos com instrumentos de corte rasgando a carne, e sangue jorrando em profusão. Uma cena curiosa em particular, e igualmente inverossímil, é quando um acuado Cap. Boyd tenta fugir de seu agressor se jogando do alto de um precipício, esperando sobreviver na queda num choque contra várias árvores, lembrando uma sequência similar em “Rambo – Programado Para Matar” (First Blood, 1982), onde o veterano combatente da Guerra do Vietnã John Rambo (Sylvester Stallone) se atira de um penhasco para fugir de um atirador, se chocando violentamente contra as árvores abaixo e apenas tendo como prejuízo um corte num dos braços, devidamente costurado logo em seguida.
“Mortos de Fome” foi lançado em DVD no Brasil pela “Fox”, num disco trazendo bastante material extra, porém tudo em inglês sem legendas. Inclui um trailer de dois minutos, uma galeria de fotos com desenhos dos figurinos e dos cenários (especialmente o Forte Spencer), uma coletânea de doze minutos com cenas excluídas, e a exibição do filme com comentários da diretora Antonia Bird, do responsável pela trilha sonora Damon Albarn, do roteirista Ted Griffin e dos atores Robert Carlyle e Jeffrey Jones.
O título nacional do filme, “Mortos de Fome”, até que não é ruim, tendo relação com a história, mas num primeiro momento o nome acaba ficando associado a uma comédia de humor negro. E o ideal seria traduzir literalmente o original “Ravenous” para algo como “Voraz” (nome adotado na distribuição no México), ou “Insaciável” (nome em Portugal), “Devorador”, ou ainda “Faminto”.
O elenco é formado por um time competente de atores onde destacam-se Guy Pearce, Robert Carlyle, David Arquette e Jeffrey Jones. O primeiro nasceu na Inglaterra em 1967 e tem filmes importantes na carreira como “Los Angeles, Cidade Proibida” (97), “Amnésia” e “Regras do Jogo” (ambos de 2000), e “O Conde de Monte Cristo” e “A Máquina do Tempo” (ambos de 2002). O escocês Robert Carlyle nasceu em 1961 e sua filmografia conta com aproximadamente 30 trabalhos, sendo bem conhecido por sua atuação no cultuado “Trainspotting – Sem Limites” (96), além de “A Praia” (2000), ambos de Danny Boyle, e “Baladas, Rachas e Um Louco de Kilt” (2001), ao lado de Samuel L. Jackson. Já David Arquette é americano do Estado da Virginia, nascido em 1971 e conhecido especialmente como o policial Dewey na trilogia “Pânico”, criada por Wes Craven e iniciada em 1996, além do drama da Segunda Guerra Mundial “Cinzas da Guerra” (2001) e pela divertida paródia de horror “Malditas Aranhas! (2002). E completando a equipe de protagonistas principais, tem o veterano Jeffrey Jones, ator americano nascido em 1947 e que teve participações em filmes como “Os Fantasmas Se Divertem” (88), “Ed Wood” (94) e “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” (99), todos de Tim Burton.
Curiosamente, “Mortos de Fome” seria no início dirigido pelo cineasta nascido na Macedônia Milcho Manchevski, que foi logo substituído por Antonia Bird, a pedido do ator Robert Carlyle, que já havia trabalhado várias vezes com a diretora.
“Coma para viver. Não viva para comer” – Ben Franklin, estadista e filósofo americano (1706-1790)
“Mortos de Fome” (Ravenous, 1999) # 217 – data: 21/01/04 – avaliação: 8 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 25/01/06)
Mortos de Fome (Ravenous, Estados Unidos / Inglaterra / México / República Tcheca / Eslováquia, 1999). 20th Century Fox. Duração: 98 minutos. Direção de Antonia Bird. Roteiro de Ted Griffin. Produção de Adam Fields e David Heyman. Produção Executiva de Tim Van Rellin. Música de Damon Albarn e Michael Nyman. Fotografia de Anthony B. Richmond. Edição de Neil Farrell e Geraint Huw Reynolds. Desenho de Produção de Bryce Perrin. Direção de Arte de Adam O’Neil e Karel Vacek. Efeitos Especiais de Terry Glass. Maquiagem de Fae Hammond. Elenco: Guy Pearce (Capitão John Boyd), Robert Carlyle (Coronel Ives / F. W. Colquhoun), David Arquette (Soldado Cleaves), Jeremy Davies (Soldado Toffler), Jeffrey Jones (Coronel Hart), John Spencer (General Slauson), Stephen Spinella (Major Knox), Neal McDonough (Soldado Reich), Joseph Running Fox (George), Sheila Tousey (Martha).