O Décimo Oitavo Anjo (The Eighteenth Angel, 1998)


Perto do final de um milênio, Satã retornará e andará entre nós. Não como uma besta, mas como uma coisa bela.
Livro dos mortos etrusco

Dentre as várias temáticas pertencentes ao cinema de horror, uma ideia que sempre foi muito explorada são as histórias envolvendo conspirações demoníacas com o objetivo de invocar Satã e preparar sua vinda à Terra entre os seres humanos. Um dos principais filmes abordando esse tema da tomada de poder pelo Anticristo é o clássico “A Profecia” (The Omen, 1976), dirigido por Richard Donner e baseado em livro de David Seltzer, fazendo parte na verdade de uma franquia com outros filmes, "Damien – A Profecia II" (Damien – Omen II, 1978) e "Conflito Final – A Última Profecia" (The Final Conflict, 1981), além ainda de um outro filme produzido diretamente para a televisão em 1991, mas com outros personagens, nitidamente feito com intenções comerciais.
E é novamente o escritor David Seltzer que retorna com uma história sobre conspiração satânica, fazendo parte da produção executiva e escrevendo o roteiro de “O Décimo Oitavo Anjo” (The Eighteenth Angel, 1998), filme que vez ou outra é exibido na televisão aberta pela Rede Globo. Com direção do desconhecido William Bindley, e estrelado pela bela Rachel Leigh Cook como uma jovem cobiçada para representar Lucifer entre os homens, e pelo veterano e experiente Maximilian Schell como um padre satanista encarregado de preparar a vinda do demônio na Terra, o filme é uma grata surpresa dentro de um tema já muito desgastado, principalmente pela história interessante e pela ousadia de um desfecho fora do convencional.

Livro de Isaías, Capítulo XIV – E disse Deus à Lucifer, o anjo pecador: “Lucifer, o filho das trevas, será lançado à Terra, banido de meu reino”. Ao que Lucifer respondeu: “Um dia eu subirei ao céu, um dia levantarei meu trono acima das estrelas de Deus, e um dia serei semelhante ao Altíssimo.

Assim começa “O Décimo Oitavo Anjo”, com um discurso do padre Simeon (Maximilian Schell), dando início à apresentação de uma profecia demoníaca sobre um relógio astronômico construído há cinco séculos atrás em Roma, na Itália, que está em contagem regressiva para anunciar o retorno de Lucifer. Segundo escrituras da misteriosa cultura etrusca, alguns sinais na humanidade indicariam a proximidade da materialização de Satã entre os homens. Um desses sinais seria a ocorrência de experiências científicas de genética para a criação de seres humanos, através da obscura pesquisa de um geneticista, Dr. Bernadetti (Ted Rusoff), banido da comunidade científica por causa de seu trabalho com ratos mutantes, e recebido por uma igreja na Itália, liderada pelo padre Simeon, para continuar sua pesquisa. Pela profecia, como Deus criou o Homem à sua imagem, Satã não poderia nascer do Homem, precisando da ciência para a criação de seres humanos perfeitos permitindo o seu retorno à Terra. E após os satanistas selecionarem dezoito anjos (ou seja, belas crianças e adolescentes escolhidos por sua incrível beleza facial), um deles será definido para fazer o trabalho de Lucifer na humanidade, sendo possuído por ele.
Paralelamente, uma jornalista estudiosa da civilização etrusca, Norah Stanton (Wendy Crewson), entra em contato com o padre Simeon em Boston, EUA, para fazer uma entrevista. Nesse momento, o misterioso padre conhece também a bela filha de sua entrevistadora, Lucy (Rachel Leigh Cook, de “Ameaça Virtual”), que possui um rosto angelical e sonha em ser modelo fotográfico, mesmo contra a vontade da mãe e do pai, Hugh (Christopher McDonald). A beleza impressionante de Lucy desperta a atenção do padre Simeon e logo ele aciona uma conspiração para utilizá-la em seus propósitos obscuros.
Tudo começa com a morte misteriosa da mãe da garota, ao se jogar do alto de um prédio e encontrar a morte no teto de um trator. A partir daí, Lucy e seu pai tentam conviver com a ausência de Norah, e recebem um convite bem oportunista para viajarem à Itália, ela para participar de um curso de modelo fotográfico, e ele para fazer um trabalho de catalogação de documentos raros e antigos de uma igreja. Eles aceitam a oferta e se hospedam numa pousada no interior da Itália, um local rodeado de florestas e por uma misteriosa igreja no alto de uma colina, de aspecto sombrio e que fora pertencente aos etruscos, conhecida como “Igreja dos Dezoito Anjos”.
Enquanto isso, o relógio astronômico da profecia demoníaca apenas vai girando seus ponteiros pelos números que totalizam dezoito, reforçando ainda mais o alerta da tagline do filme: “O corvo voa. O relógio bate as horas. E o Diabo é esperado”
O Prof. Stanton e sua filha Lucy passam a entrar em contato com uma série de eventos estranhos, estando sozinhos no meio de uma conspiração satânica, tendo apenas ao seu favor a tentativa de ajuda do padrinho de Lucy nos Estados Unidos, Todd (Stanley Tucci, de “O Núcleo – Missão ao Centro da Terra”), um médico que também está sendo vigiado pelos conspiradores. E após a bela jovem sofrer um providencial acidente com cavalos, ela é levada ao mosteiro do padre Simeon para ser o décimo oitavo anjo e completar a profecia, com seu pai em seu encalço na busca desesperada de tentar salvá-la.

“O Décimo Oitavo Anjo” é mais um filme a aproveitar uma época marcada pela chegada de um novo milênio (o filme foi produzido em 1998), para explorar a especulação em torno de um tema apocalíptico, ou seja, a vinda de Satã para a Terra. Alguns outros filmes lançados em nossos cinemas e que também embarcaram em histórias similares foram “Fim dos Dias” (End of Days, 1999), com Arnold Schwarzenegger, “A Filha da Luz” (Bless the Child, 2000), com Kim Basinger, e “Dominação” (Lost Souls, 2000), com Winona Ryder.
Além de “A Profecia”, um dos ápices do cinema de horror abordando conspirações satânicas, outro filme igualmente importante e sempre lembrado pelos fãs é o clássico “O Bebê de Rosemary” (Rosemary’s Baby, 1968), dirigido por Roman Polanski, e que também teve a ousadia de mostrar um final fora daqueles padrões previsíveis.
Uma cena de destaque em “O Décimo Oitavo Anjo” certamente é aquela em que uma mulher, Maria Elena (Enrica Maria Modugno), cujo filho pequeno também foi raptado como um dos dezoito anjos escolhidos, é atacada violentamente por uma legião de ferozes gatos pretos. Outro detalhe interessante é a igreja etrusca no alto da colina, a qual lembra aquelas obscuras construções de pedra em estilo gótico, que escondem em seu interior uma história macabra de profanação e mistério.
Curiosamente, numa homenagem muito bem vinda, o Prof. Stanton mostra uma pequena balada aos seus alunos, ao tocar num piano rapidamente a memorável música tema da nostálgica série de TV “Além da Imaginação” (The Twilight Zone, 1959/1964), criada por Rod Serling. O elenco tem a presença marcante de Maximilian Schell como um líder satânico. Austríaco nascido em Viena em 1930, seu currículo tem mais de 100 filmes, e entre eles, dentro do gênero fantástico, destacam-se “O Buraco Negro” (1979), “O Fantasma da Ópera” (1983) e “Vampiros” (1998), de John Carpenter. O nome do filme é “O Décimo Oitavo Anjo” e o número dezoito não foi escolhido aleatoriamente, basta reparar que ele é obtido da somatória de (6 + 6 + 6), que numa combinação chegamos ao apocalíptico número da besta “666”. O povo etrusco, citado no filme, é um dos mais antigos da história da humanidade, ocupando a região da Itália durante muitos séculos, até desaparecer por causa de guerras e com a ascensão do Império Romano. Porém, muitos de seus segredos ainda são um grande mistério, que aos poucos vão sendo revelados através de escavações arqueológicas.

Irmãos, há milhares de anos que esperamos este momento e agora, segundo o calendário etrusco, o dia chegou. O dia dos dezoito anjos. Desde o início, Lucifer, o anjo expulso, queria um mundo perfeito, mas Deus criou um mundo imperfeito, um mundo cheio de ódio, guerras, sangue. Nunca houve uma época mais sangrenta da história do Cristianismo. É por isso que escolhemos Lucifer, o iluminado, como nosso Deus. A ciência do Homem criou possibilidades humanas para tornar este mundo melhor. Tudo o que precisamos é de beleza e inocência. E achamos ambas.” – padre Simeon

“O Décimo Oitavo Anjo” (The Eighteenth Angel, 1998) # 248 – data: 03/05/04 – avaliação: 8 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 19/01/06)

“O Décimo Oitavo Anjo” (The Eighteenth Angel, Estados Unidos, 1998). Duração: 95 minutos. Direção de William Bindley. Roteiro de David Seltzer. Produção de Douglas Curtis e William Hart. Produção Executiva de Jim Burke e David Seltzer. Fotografia de Thomas E. Ackerman. Música de Jeff Eden Fair e Starr Parodi. Edição de William Hoy. Direção de Arte de Alessandro Alberti. Desenho de Produção de Stefano Maria Ortolani. Cenários de Bruno Cesari. Elenco: Christopher McDonald (Hugh Stanton), Rachel Leigh Cook (Lucy Stanton), Stanley Tucci (Todd Stanton), Wendy Crewson (Norah Stanton), Maximilian Schell (Padre Simeon), Ted Rusoff (Dr. Bernadetti), Enrica Maria Modugno (Maria Elena), Cosimo Fusco, Venantino Venantini, Federico Pacifici, John Crowther, Vanessa Crane, Linda Cerabolini, Orso Maria Guerrini, Linda Gucciardo, Fabrizio Vitale, Rossano Rubicondi, Barbara Berardi, Francesca De Sapio, Branislaw Tesanovic, Ennio Coltorti, Stefano Viali, Urbano Barberini, Leonardo Treviglio, Jim McMullan, Chris Myers.