“Rejoice, O young man, in thy youth...” – “Regozija-te, oh jovem, em tua juventude...” – Ecclesiastes
Com estas palavras sábias, referindo-se aos homens que perderam suas vidas muito jovens na guerra, inicia-se um dos principais filmes retratando o ambiente hostil da Guerra do Vietnã, “Platoon” (Platoon). Exibido nos cinemas em 1986, o filme foi dirigido e escrito por Oliver Stone e estrelado, entre outros, por Tom Berenger, Willem Dafoe, Charlie Sheen, Forest Whitaker, Francesco Quinn, Kevin Dillon, Keith David e Johnny Depp. A produção foi filmada nas selvas das Filipinas e seu maior sucesso está na forma cruel e mais verdadeira possível com que mostrou os horrores de uma guerra absurda e sem vencedores, triunfando somente a Morte, implacável e fatal. Indicado em oito categorias do cobiçado Prêmio “Oscar”, ganhou com méritos as estatuetas de melhor filme, direção, edição e som.
Com um orçamento reduzido de apenas seis milhões de dólares (quando um filme médio na época superava a casa dos US$ 15 milhões), a história de “Platoon” é baseada em fatos reais de experiências vividas pelo diretor Oliver Stone que participou dessa guerra e foi condecorado com uma “Estrela de Bronze”. Ele foi enviado com apenas 19 anos de idade em setembro de 1967 para o sudeste asiático, numa região próxima à fronteira do Camboja, com o objetivo de combater o comunismo dos chamados “vietcongues”, com os Estados Unidos novamente impondo sua ideologia política.
No filme, ele é Chris Taylor (Charlie Sheen, filho de Martin Sheen que curiosamente foi também o protagonista de outro expoente máximo do cinema que explorou a Guerra do Vietnã, “Apocalypse Now”, 1979, de Francis Ford Coppola). Taylor e vários outros soldados jovens e inexperientes são enviados para o campo de batalha no meio das selvas para enfrentar um inimigo inferior em tecnologia militar mas conhecedor do ambiente das florestas fechadas e com uma vontade enorme de expulsar os invasores de seus territórios (no caso os Estados Unidos com seu tradicional imperialismo sobre nações economicamente mais pobres). Entre o grupo de soldados estão atores novatos como Kevin Dillon (Bunny), Forest Whitaker (Big Harold) e Johnny Depp (Lerner) que lançaram a partir daí suas carreiras de sucesso.
Porém, além da guerra brutal nas selvas, Taylor tem que enfrentar também um conflito interno dentro de seu próprio pelotão do exército, dividido entre o “mocinho” sargento Elias (Willem Dafoe), um oficial honesto e com senso de humanidade, e o “bandido” sargento Barnes (Tom Berenger), um oficial frio, arrogante, interesseiro e cruel. Ambos disputam a liderança de um regimento de infantaria em plena guerra e possuem visões opostas sobre o horror e motivações da batalha armada em que estão participando. E Taylor acaba pendendo para o lado de Elias, cujo grupo de soldados de seu pelotão costuma se drogar nos raros momentos livres para diversão, procurando fugir da insanidade da guerra sob o efeito alucinógeno da maconha.
Como um fato curioso, o diretor Oliver Stone aparece em uma pequena ponta não creditada interpretando um comandante sob fogo cruzado que solicita para seu comando um ataque de aviões para bombardear o campo inimigo.
Outras curiosidades incluem duas frases em especial. A primeira, numa conversa entre o sargento Elias e o recruta Taylor, o superior diz ao mais jovem, “Nós vamos perder essa guerra... Temos tirado vantagem dos outros há tanto tempo que agora eu acho que é a nossa vez”. Após três longos e sangrentos anos combatendo no Vietnã, o experiente sargento Elias pode observar toda a selvageria e irracionalidade daquela guerra e suas palavras refletem um raro momento de sanidade em meio ao caos. A outra frase curiosa foi proferida por um oficial americano de alta patente no meio de uma batalha violenta onde os vietcongues estavam dominando os inimigos. Numa última tentativa desesperada de reagir aos ataques, o oficial ordena um bombardeio final sobre suas próprias cabeças apostando na sorte de quem sobreviver, já que não havia mais saída. Ao terminar sua ordem pelo rádio ao piloto do avião bombardeiro, ele diz algo como “É uma beleza de guerra”, referindo-se à complexidade das estratégias de combate para se vencer ou perder uma batalha. Na verdade, a guerra não é bela, é apenas bestial e irracional. Após o final desse combate, o que restou foram pilhas de cadáveres sem nacionalidade, que tiveram que ser enterrados numa vala gigante.
(Atenção: o texto a seguir contém spoilers)
A trilha sonora de Georges Delerue se encaixou perfeitamente nas cenas de batalhas criando momentos de forte emoção ao se fundir com as imagens de violência da guerra. Em especial, numa sequência envolvendo o sargento Elias quando ele é abandonado na selva pelos companheiros e traído pelo rival sargento Barnes, que fogem de helicóptero de um cerco vietcongue. Elias corre por sua vida com dezenas de inimigos em seu encalço e ao chegar numa grande clareira na mata ele é mortalmente alvejado, porém ainda caminha mais um pouco e cai ferido no chão rastejando com dificuldades. Ele então lentamente ajoelha-se, recebe mais uma carga fatal de disparos pelas costas, depois ergue seus braços ao alto num momento antológico de pura indignação perante o horror brutal da guerra, e finalmente tomba na terra morto, com uma música de arrepiar ao fundo (aliás, essa cena magistral, uma das mais significativas de toda a história do cinema, é reproduzida no cartaz principal do filme).
O elenco é de grande qualidade e acabou revelando o talento de muitos jovens atores que ao longo dos mais de 15 anos desde a sua produção estão com suas carreiras reconhecidas principalmente no caso dos excelentes Willem Dafoe (visto como o vilão “Duende Verde” em “Homem-Aranha, de Sam Raimi, ou ainda como a criatura “Nosferatu” em “A Sombra do Vampiro”), Forest Whitaker (um dos assaltantes em “O Quarto do Pânico), Tom Berenger (de “D-Tox”) e Johnny Depp (de “Do Inferno”).
O prestigiado diretor Oliver Stone fez ainda mais dois filmes dramáticos sobre a Guerra do Vietnã após “Platoon”, numa espécie de trilogia sobre o tema, através de “Nascido em Quatro de Julho” (1989, com Tom Cruise) e “Entre o Céu e a Terra” (1993, com Tommy Lee Jones).
“Platoon” (Platoon, 1986) – avaliação: 9,5 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com.br / blog: www.juvenatrix.blogspot.com.br (postado em 12/01/06)
Platoon (Platoon, Estados Unidos, 1986). Duração: 120 minutos, disponível em VHS e DVD no mercado brasileiro de vídeo. Direção e roteiro de Oliver Stone. Produção de Arnold Kopelson e A. Kitman Ho. Música de Georges Delerue. Fotografia de Robert Richardson. Montagem de Claire Simpson. Efeitos Especiais de Yves De Bono e Gordon J. Smith. Elenco: Charlie Sheen (Chris Taylor), Willem Dafoe (Sargento Elias), Tom Berenger (Sargento Barnes), Keith David (King), Francesco Quinn (Rhah), Forest Whitaker (Big Harold), Kevin Dillon (Bunny), John C. McGinley (Sargento O´Neill), Reggie Johnson (Junior), Mark Moses (Tenente Wolfe), Corey Glover (Francis), Johnny Depp (Lerner), Chris Pedersen (Crawford), Bob Orwig (Gardner), Corkey Ford (Manny), David Neidorf (Tex), Richard Edson (Sal).