Contos da Meia-Noite (1997)


Nas profundezas da floresta, ninguém pode ouvir você gritar.

Um interessante subgênero do cinema de horror é aquele que explora várias histórias ou contos num único filme. Conhecidos como antologias, os filmes apresentam episódios que são narrados de forma independente ou relacionados entre si e amarrados por um tema central. Normalmente despertam grande curiosidade pois os contos são filmados numa curta duração e permitem que o espectador possa fazer uma avaliação do resultado independentemente, dando preferência a um segmento em relação ao outro.
Na história do cinema fantástico existe uma infinidade de filmes em forma de antologias, a maioria deles servindo até como piloto para séries de televisão, como “Retrato de Um Pesadelo” (Night Gallery, 1969), que transformou-se na série “Galeria do Terror” (1970/72), criada e narrada por Rod Serling, ou “Contos da Escuridão” (Tales From the Darkside – The Movie, 1990), que virou uma série homônima, apenas para citar alguns exemplos.
Entre meados dos anos 1960 até início da década de 1970, os estúdios ingleses se especializaram no lançamento de vários filmes de antologias de contos destacando-se “As Torturas do Dr. Diabolo” (Torture Garden, 1967), “A Casa que Pingava Sangue” (The House that Dripped Blood, 1970), “Contos do Além” (Tales From the Crypt, 1972), “Asilo Sinistro” (Asylum, 1972), “A Cripta dos Sonhos” (The Vault of Horror, 1973) e “Vozes do Além” (From Beyond the Grave, 1973), com a participação de astros como Peter Cushing, Christopher Lee, Donald Pleasence, Burgess Meredith, e outros.
Apenas como citação, vários filmes com a mesma temática também foram produzidos a partir dos anos 1980 como “Creepshow” (1982), “Pesadelos Diabólicos” (Nightmares, 1983), “Olho de Gato” (Cat’s Eye, 1984) e “Show de Horrores” (Creepshow 2, 1987), que tiveram o envolvimento de nomes consagrados do horror como George A. Romero, Stephen King, Tom Savini, e outros.
Escritores famosos de horror também tiveram suas histórias adaptadas em filmes de antologias como “Muralhas do Pavor” (Tales of Terror, 1962), dirigido por Roger Corman num roteiro de Richard Matheson e com Vincent Price, Peter Lorre e Basil Rathbone interpretando contos de Edgar Allan Poe, e “Necronomicon, o Livro Proibido dos Mortos” (Necronomicon, 1994), com Jeffrey Combs envolvido em contos macabros de H. P. Lovecraft.
No Brasil, um filme importante da carreira do cineasta José Mojica Marins, o popular “Zé do Caixão”, também foi produzido como antologia, apresentando três histórias de horror em meio a necrofilia e canibalismo. Trata-se de “O Estranho Mundo de Zé do Caixão” (1968), conhecido nos Estados Unidos como “The Strange World of Coffin Joe”, filme escrito por Rubens Francisco Luchetti e o próprio Mojica, e dividido nos episódios “O Fabricante de Bonecas”, “Tara” e “Ideologia”.
Utilizando a tradicional idéia da roda de amigos em volta de uma fogueira numa floresta para contar histórias de horror, foi produzido em 1997 o filme “Contos da Meia-Noite” (Campfire Tales). O filme é uma antologia com três histórias independentes, além de um prólogo e um tema central. O início, com um episódio curto chamado “The Hook” (O Gancho), explora uma tradicional lenda urbana, onde um casal de jovens namorados, Eddie (James Marsden) e Jenny (Amy Smart), estão num carro estacionado numa floresta à noite, e surge um assassino psicopata foragido de um sanatório para aterrorizá-los, carregando um gancho no lugar de uma das mãos. Depois a ação muda-se para um grupo formado por quatro adolescentes, Cliff (Jay R. Ferguson), sua namorada Lauren (Christine Taylor), o irmão mais novo da garota, Eric (Christopher Masterson, que demonstra um excelente gosto musical ao usar uma camisa da banda inglesa “Iron Maiden”), e a amiga Alex (Kim Murphy), que estão alcoolizados voltando de um show de rock, viajando de carro por uma estrada deserta beirando uma floresta. Eles sofrem um acidente e enquanto aguardam por ajuda decidem acender uma fogueira e contar histórias de horror para se distraírem. Esse tema central, intitulado “The Campfire” (A Fogueira), serve de apresentação para outros três contos sobrenaturais envolvendo monstros, psicopatas e fantasmas, culminando com uma trágica revelação para o destino dos jovens.
O primeiro episódio, “The Honeymoon” (A Lua de Mel), dirigido por Matt Cooper, é apenas regular, mostrando um jovem casal em lua de mel, Rick (Ron Livingstone) e Valerie (Jennifer MacDonald), que estão viajando à bordo de um moto home a caminho de Las Vegas e desviam da estrada principal para uma secundária que corta uma floresta e um lago. Com falta de gasolina, eles são obrigados a parar e encontram um homem misterioso, Cole (Hawthorne James), que está armado de um rifle e avisa para eles terem cuidado, pois perigosas criaturas costumam rondar pela floresta na escuridão da noite, e com a lua cheia saem para caçar. Uma vez não acreditando totalmente nas recomendações do estranho homem, o casal é surpreendido pela fúria de uma besta selvagem.
Apesar de um argumento clichê, esse episódio conseguiu de certa forma desenvolver um clima de mistério em torno de uma criatura da noite. Um fator favorável é a ambientação noturna de uma floresta fantasmagórica, que colabora significativamente na criação de um sentimento de medo, como se estivesse escondendo perigos ocultos em seu interior desconhecido. Os destaques são a beleza da atriz Jennifer MacDonald em trajes menores e a sábia decisão do diretor em não mostrar claramente o monstro, optando mais por situações sugeridas. E não faltou o óbvio e esperado desfecho “surpresa”, que na verdade revelou-se bem previsível.
A seguir veio a história “People Can Lick Too” (As Pessoas Podem Lamber Também), dirigida por Martin Kunert, disparada a mais fraca de todas e totalmente descartável. Uma garota de onze anos de idade, Amanda (Alex McKenna), faz amizade num chat pela internet (sinal dos tempos modernos) com uma desconhecida chamada “Jessica”, e revela que ficará sozinha em casa à noite, acompanhada de seu cachorro Odin, enquanto os pais sairiam para um compromisso. A identidade real da “amiga virtual” da internet é a de um perigoso psicopata pedófilo (Jonathan Fuller), que decide fazer uma visita indesejada à Amanda para conhecê-la mais de perto, e mostrando também o quanto é incompetente em seu ofício.
Esse episódio é muito ruim, explorando um tema completamente desgastado, não conseguindo manter nenhum clima de suspense ou tensão, e a violência é quase que inexistente, incomodando talvez apenas a “Sociedade Protetora dos Animais” pelo que aconteceu com o pobre cachorro da protagonista. O único elemento relativamente novo (devido principalmente ao ano da produção) é o uso da internet como meio de comunicação e sendo o motivo básico dos acontecimentos da trama. Como curiosidade, a bela irmã de Amanda, Katherine, é interpretada por Devon Odessa, atriz que participou numa ponta do filme “Pumpkinhead – A Vingança do Diabo” (1988). O ator Jonathan Fuller, que interpretou o psicopata, é um enorme desconhecido, mas ainda assim também curiosamente participou de dois filmes obscuros de horror dirigidos por Stuart Gordon, “O Poço e o Pêndulo” (The Pit and the Pundulum, 1990), baseado em conto de Edgar Allan Poe, e “O Castelo Maldito / Herança Maldita” (Castle Freak, 1995), inspirado nos “Mitos de Cthulhu” de H. P. Lovecraft, onde ele interpretou um homem com aparência monstruosa.
O terceiro e último episódio é “The Locket” (O Medalhão), dirigido por David Semel, e sem dúvida o melhor do filme, numa história macabra de fantasmas. Scott Anderson (Glenn Quinn) é um jovem aventureiro que está viajando de moto sem destino pelo interior dos Estados Unidos, quando a moto apresenta problemas mecânicos e ele é obrigado a parar numa estrada deserta, próximo a uma casa de campo. Com o início de uma chuva ele procura abrigo na fazenda e é recebido por uma bela jovem muda, Heather Wallace (Jacinda Barrett), que está usando um misterioso medalhão no pescoço. Porém, a noite de tempestade reservaria trágicos momentos de horror para o motoqueiro, quando surgem visões envolvendo o fantasma do pai da garota (interpretado por Denny Arnold) que constantemente retorna para aterrorizar a filha, em eventos relacionados à brutais assassinatos cometidos no passado.
Histórias de fantasmas são sempre um argumento interessante para um conto de horror, e ainda mais quando associadas a uma ambientação macabra de uma casa de campo afastada, numa noite de forte chuva, com a manifestação de um fantasma de um pai possessivo e violento, portando um machado e sedento de ódio para eliminar o “pecado” cometido por sua filha e o namorado. “The Locket” tem um bom clima de horror e um desfecho interessante. Como curiosidade, o desconhecido ator irlandês Glenn Quinn morreu aos 32 anos vítima de uma overdose de drogas. E a bela atriz australiana Jacinda Barrett fez uma ponta em “Lendas Urbanas 2” (2000).
Novamente os responsáveis por nomear os títulos nacionais dos filmes que chegam ao Brasil se equivocaram e o ideal seria manter a tradução do original “Campfire Tales” para algo como “Contos da Fogueira”, apesar que o nome escolhido “Contos da Meia-Noite” não ficou ruim e tem relações com o filme, fato que já é positivo quando comparamos com outros casos bem piores.
“Contos da Meia-Noite” é um divertimento rápido e passageiro, situando-se com um desempenho apenas intermediário como filme de horror, pois apresenta histórias com elementos sobrenaturais que alternam seus segmentos entre o razoável “The Honeymoon”, o medíocre “People Can Lick Too”, e o interessante, como “The Locket” e os contos da introdução, “The Hook”, e o tema central, “The Campfire”.

“Contos da Meia-Noite” (Campfire Tales, 1997) – avaliação geral: 7 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 18/01/06)

Contos da Meia-Noite (Campfire Tales, Estados Unidos, 1997). Duração: 88 minutos. Direção de Matt Cooper (episódio “The Honeymoon”), Martin Kunert (episódios “The Hook” e “People Can Lick Too”) e David Semel (episódios “The Campfire” e “The Locket”). Roteiro de Martin Kunert, Eric Manes e Matt Cooper. Produção de Eric Manes, Lori Miller e Larry Weinberg. Fotografia de John Peters. Música de Andrew Rose. Edição de Luis Colina, Rick Fields e Steve Nevius. Efeitos Especiais de G. Bruno Stempel. Elenco: Episódio “The Campfire” – Jay R. Ferguson (Cliff), Christine Taylor (Lauren), Christopher Masterson (Eric), Kim Murphy (Alex). Episódio “The Honeymoon” – Ron Livingstone (Rick), Jennifer MacDonald (Valerie), Hawthorne James (Cole). Episódio “People Can Lick Too” – Alex McKenna (Amanda), Devon Odessa (Katherine), Jonathan Fuller (psicopata). Episódio “The Locket” – Glenn Quinn (Scott Anderson), Jacinda Barrett (Heather Wallace), Denny Arnold (pai de Heather). Episódio “The Hook” – James Marsden (Eddie), Amy Smart (Jenny), Rick Lawrence (Rockin Rob).