Colheita Maldita (1984)


E o diabo que os enganou foi lançado ao lago do fogo e enxofre. Onde estão a fera e o falso profeta, que serão atormentados dia e noite, para todo o sempre.

O escritor americano Stephen King é um dos mais cultuados autores da literatura de horror atual. Nascido em 1947 em Portland, Maine, ele é conhecido como “O Mestre do Horror Moderno”, devido ao seu notável talento em escrever livros e contar histórias repletas de elementos sobrenaturais. Sua obra literária alcançou um sucesso e reconhecimento tão grandes, que foi traduzida para dezenas de países e uma infinidade de suas histórias foram adaptadas para o cinema e televisão, tornando-se um dos autores mais filmados na história do cinema de horror, ao lado de outros mestres igualmente consagrados como Edgar Allan Poe, H. P. Lovecraft e Clive Barker.
Porém, a adaptação das obras de Stephen King para o cinema tem sido considerada muito irregular, alternando entre alguns momentos positivos e muitos filmes de qualidade duvidosa, sempre dividindo a opinião dos fãs quanto aos resultados finais. Mas é sempre importante lembrar a diferença natural existente entre um livro e um filme, além de todas as conhecidas dificuldades em se adaptar uma obra literária para o cinema ou televisão, onde muitas vezes o filme acaba tomando algumas liberdades necessárias em relação ao texto original.
Em 1984, quando Stephen King ainda tinha poucas histórias transformadas em filmes, foi produzido “Colheita Maldita” (Children of the Corn), com direção do desconhecido Fritz Kiersch e com a bela Linda Hamilton (a corajosa Sarah Connor de “O Exterminador do Futuro”), sendo um exemplo significativo para a filmografia do conceituado escritor de horror, figurando na galeria dos bons trabalhos do cinema baseados em sua obra literária, juntamente com os anteriores “Carrie, a Estranha” (76) e “O Iluminado” (80), além dos seguintes “O Cemitério Maldito” (89), “Louca Obsessão” (90) e “Um Sonho de Liberdade” (94), entre alguns outros mais.

A história de “Colheita Maldita” se inicia com um breve flashback de três anos no passado, onde numa cidade do Nebraska chamada Gatlin, um grupo de crianças assassinam brutalmente todos os adultos num ataque planejado e liderado pelo pastor mirim Isaac Chroner (John Franklin), e pelo violento Malachai (Courtney Gains). Eles fazem parte de uma seita pagã que venera uma entidade maléfica sobrenatural conhecida como “Aquele Que Caminha Por Trás da Plantação”, formada exclusivamente por crianças e mantida pelo sacrifício humano de adultos com seu sangue irrigando os enormes campos de milharais que cercam a cidade.
A ação volta-se ao tempo presente e mostra um casal de Seattle viajando de carro pelas estradas do interior dos Estados Unidos, formado por um jovem médico, Dr. Burton Stanton (Peter Horton) e sua namorada Vicky (Linda Hamilton). Num momento de distração, ao tentar se localizar num mapa, Burt atropela um garoto no meio da estrada, Joseph (Jonas Marlowe), que estava tentando fugir da seita demoníaca atravessando o milharal até a estrada. Ao averiguar o acidente, ele descobre que o garoto já estava mortalmente ferido com um golpe de faca no pescoço, antes do atropelamento.
Uma vez tentando denunciar o assassinato do garoto, o casal se dirige até a cidade mais próxima, a misteriosa Gatlin, que não se encontra nos mapas oficiais, mesmo após os conselhos de um velho proprietário de um posto de gasolina à beira da estrada, Diehl (R. G. Armstrong), para procurarem ajuda na cidade de Hemingford, bem mais distante, porém mais segura.
Chegando em Gatlin, o casal encontra uma cidade completamente abandonada pelo tempo, com ruas, casas, escola, banco e lojas sujas e desertas, cobertas com troncos e restos secos de pés de milho, num clima de total desolação. Mesmo estranhando o ambiente hostil eles procuram por ajuda e encontram uma garotinha, Sarah (Anne Marie McEvoy), brincando dentro de uma casa abandonada. A criança tem um poder de premonição e manifesta suas visões através de desenhos que faz em folhas de papel. Ela e seu irmão Job (Robby Kiger) não gostam de Isaac e Malachai e estão aprisionados na cidade aguardando apenas uma oportunidade de fugirem.
Os jovens da seita maligna são oferecidos em sacrifício ao deus do inferno sempre que completam 19 anos de idade, numa “passagem” para uma outra vida, como a próxima vítima Amos (John Philbin), um rapaz devidamente preparado num ritual religioso ministrado por Rachel (Julie Maddalena), uma espécie de sacerdotisa.
Enquanto isso, Vicky é capturada pelos adolescentes rebeldes e levada até uma clareira no campo do milharal para servir também de sacrifício, e sua salvação depende exclusivamente do marido Burt, cuja missão é deter as ações da seita combatendo Isaac e Malachai, e libertar as crianças da influência sombria da entidade demoníaca que controla os milharais da cidade.

“Colheita Maldita” é um filme significativo por explorar alguns aspectos do cinema de horror que normalmente despertam interesse como a ambientação numa cidade fantasma e abandonada pela ação devastadora do tempo, que sempre transmite um clima depressivo de um local misterioso e deserto, onde anteriormente havia a movimentação de carros nas ruas e pessoas caminhando para todos os lados. E também pela utilização de aparentes crianças inocentes como protagonistas de uma chacina sangrenta, matando seus pais e todos os adultos da cidade, numa ação motivada por uma seita religiosa maligna, utilizando para isso todo tipo de armas rurais cortantes como facões, foices, ganchos, machados, cutelos, garfos e correntes.
Algumas cenas de destaque são quando no ataque das crianças aos adultos, o dono de uma lanchonete é obrigado a mutilar a mão num cortador de frios. Outro momento interessante é a cena de atropelamento do garoto fugitivo Joseph, arremessado violentamente vários metros de distância pelo impacto brutal do veículo contra seu frágil corpo. A sequência é bem inferior quando comparada com cenas de atropelamento mais realistas de filmes atuais como “Encontro Marcado” (98), “Premonição” (2000) ou “Identidade” (2003), mas considerando a época da produção, em meados dos anos 1980, o atropelamento de “Colheita Maldita” é bem memorável também.
O conto de Stephen King que inspirou o filme faz parte da antologia de contos “Night Shift” (1976/77/78), que foi lançada no Brasil como “Sombras da Noite” e a respectiva história como “As Crianças do Milharal”. O conto é curto com aproximadamente 30 páginas, e para se transformar num filme de 90 minutos o roteirista foi obrigado a incluir alguns personagens como o velho Diehl, numa participação rápida mas coerente com a história, onde o combustível de seu posto de gasolina e óleo diesel serviam de grande utilidade para as crianças, e o casal de irmãos Sarah, com suas habilidades de premonição, e o esperto Job, que ajudou Burt a escapar da fúria dos adolescentes assassinos. Além de outras situações que não existiam na obra literária, como um relacionamento estável e apaixonado entre o casal Burt e Vicky (no livro, eles estão enfrentando uma grave crise conjugal e brigando o tempo todo), e um desfecho diferente com um destino menos trágico para Vicky. Assim como o filme também optou por várias mudanças leves como o fato de Burt ser um médico recém formado ao invés de um veterano da guerra do Vietnã, e desenvolver com bem mais detalhes as características de alguns dos protagonistas como o pastor mirim Isaac e seu agressivo e temido discípulo Malachai, os quais foram apenas levemente explorados no conto original.
No final da leitura da história de Stephen King e de assistir o filme de Fritz Kiersch, podemos listar várias diferenças notáveis entre o conto do escritor e a adaptação para o cinema, sendo que o filme acaba surpreendendo tornando-se até superior ao texto original, com uma maior liberdade para o desenvolvimento da história, e deixando uma abertura para a exploração de eventuais continuações, as quais realmente aconteceram, só que infelizmente de forma pouca planejada e com resultados insatisfatórios e descartáveis. “Colheita Maldita” é um dos bons filmes de horror da produtiva década de 1980, e que é lembrado com frequência pelos apreciadores do estilo e pelos fãs da literatura de King.

O diretor Fritz Kiersch fez sua estréia em “Colheita Maldita” e é bem desconhecido, sem trabalhos relevantes. E o roteirista George Goldsmith não deixa para menos e também não tem grande prestígio no ofício tendo apenas em seu currículo um outro trabalho que merece registro, o obscuro “Blue Monkey” (87), um filme onde um estranho inseto invade um laboratório e ingere um produto químico que o transforma numa enorme criatura de quase três metros de altura formada por vários outros insetos.
O elenco principal de “Colheita Maldita” é formado por Peter Horton, Linda Hamilton, John Franklin e Courtney Gains. E somente a bela Linda Hamilton conseguiu algum destaque posteriormente, vindo a ser muito conhecida por sua atuação na FC “O Exterminador do Futuro” (84) e na continuação de 1991, ambas estreladas também por Arnold Schwarzenegger. Americana nascida no Estado de Maryland em 1956, seu currículo conta com aproximadamente 40 trabalhos, onde destacam-se também a participação em “King Kong 2” (86) e “O Inferno de Dante” (97), além da série de TV “A Bela e a Fera” (87/89). Já os outros atores não conseguiram uma projeção maior em suas carreiras. Courtney Gains nasceu em 1965 e John Franklin dois anos depois, e ambos fizeram suas estréias profissionais em “Colheita Maldita” com ótimas atuações nos papéis respectivamente do rebelde Malachai e do maligno pastor adolescente Isaac. Porém, ambos não conseguiram nada muito significativo em suas carreiras após isso. John Franklin ainda tem em seu currículo a participação nos dois filmes de “A Família Addams”, produzidos em 1991 e 93, debaixo de grande maquiagem como o cabeludo primo Itt. O elenco coadjuvante ainda conta com uma participação rápida e ilustre do veterano ator americano R. G. Armstrong, nascido em 1917 no Alabama. Sua filmografia conta com aproximadamente 85 trabalhos, sendo um rosto bastante conhecido em vários filmes de western.

O filme recebeu o nome nacional “Filhos do Mal” quando foi lançado nos cinemas em 1985, e depois mudou o título brasileiro para o mais conhecido “Colheita Maldita” no lançamento para o mercado de vídeo. Ambos os nomes escolhidos não são ruins e até possuem relações coerentes com a história, mas o ideal e mais fácil seria apenas traduzir literalmente o título original “Children of the Corn” para algo como “Crianças do Milharal”.

Curiosamente, a entidade maligna de “Colheita Maldita” é chamada por Stephen King originalmente por “He Who Walks Behind the Rows”, que no conto publicado no Brasil recebeu a correta tradução de “Aquele Que Anda Por Detrás das Fileiras” (referindo-se claramente às incontáveis fileiras dos milharais nos imensos campos de plantações). E no filme lançado em DVD, o demônio recebeu a nomeação alternativa e menos inspirada de “Aquele Que Caminha Por Trás da Plantação”.

A versão em DVD lançada no Brasil teve distribuição nas bancas, encartada na revista “DVD Premium” ano 3 número 28 (Agosto de 2003), da “NBO Editora”. Como extras, o disco traz apenas uma breve sinopse traduzida do site “Internet Movie Database” (www.imdb.com), e também pequenas biografias e lista de filmes dos atores Peter Horton e Linda Hamilton.

“Colheita Maldita” foi produzido em 1984, e oito anos depois executivos oportunistas do cinema de horror resolveram criar uma sequência que acabou gerando uma enorme e desnecessária franquia com sete filmes até o momento, sendo que a partir da quarta parte os filmes foram lançados diretamente para o mercado de vídeo. São eles: “Colheita Maldita 2 – O Sacrifício Final” (The Final Sacrifice, 1992, de David F. Price); “Colheita Maldita 3” (Urban Harvest, 1995, de James D. R. Hickox); “Colheita Maldita 4” (The Gathering, 1996, de Greg Spence); “Colheita Maldita 5 – Campos do Terror” (Fields of Terror, 1998, de Ethan Wiley); “Colheita Maldita 666 – Isaac Está de Volta” (Isaac’s Return, 1999, de Kari Skogland), este com a volta do ator John Franklin no mesmo papel de Isaac do filme original, sendo que inclusive o ator também escreveu o roteiro; e finalmente para concluir a saga veio “Colheita Maldita 7 – A Revelação” (Revelation, 2001, de Guy Magar).

E uma criança irá guiá-los... num pesadelo adulto

“Colheita Maldita” (Children of the Corn, 1984) # 214 – data: 04/01/04 – avaliação: 7 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 06/01/06)

Colheita Maldita (Children of the Corn, Estados Unidos, 1984). Hal Roach Studios / New World Pictures. Duração: 90 minutos. Direção de Fritz Kiersch. Roteiro de George Goldsmith, baseado no conto “As Crianças do Milharal”, de Stephen King. Produção de Donald P. Borchers e Terence Kirby. Produção Executiva de Earl A. Glick. Música de Jonathan Elias. Fotografia de Raoul Lomas. Edição de Harry Keramidas. Elenco: Peter Horton (Burton Stanton), Linda Hamilton (Vicky), R. G. Armstrong (Diehl), John Franklin (Isaac Chroner), Courtney Gains (Malachai), Robby Kiger (Job), Anne Marie McEvoy (Sarah), Julie Maddalena (Rachel), Jonas Marlowe (Joseph), John Philbin (Richard “Amos” Deigan).