Fomos Heróis (We Were Soldiers, 2002)


Filmes de guerra são fascinantes por mostrar a violência real do campo de batalha e principalmente por evidenciar e denunciar a irracionalidade humana que ao longo de sua turbulenta evolução tem manchado a história com sangue ao tentar solucionar seus problemas e conflitos com o uso de armas mortais em confrontos sangrentos. A guerra sempre foi o meio encontrado pela raça humana para defender a liberdade dos povos ou sustentar sua sede de poder e conquista, desde os tempos mais remotos onde a linguagem da diplomacia era a lâmina do aço das espadas na carne dos inimigos até os dias atuais onde a tecnologia militar atingiu um nível de destruição que poderia dizimar o planeta várias vezes e apenas manipulando botões de acionamento de potentes bombas nucleares. Em breve nem isso será mais necessário, bastando apenas utilizar poderosas armas químicas que estão sendo desenvolvidas secretamente para enormes genocídios sem grande destruição material. É incrível e inacreditável que ainda nesse início de século XXI, com o crescente avanço tecnológico para a melhoria da civilização em geral, ainda vemos com frequência desfiles orgulhosos de exércitos de países que fazem questão de evidenciar suas capacidades bélicas, enfatizando que o Homem é o único responsável por sua própria destruição.
O cinema, ao longo de sua história de mais de um século, sempre explorou muito bem a guerra em toda sua selvageria e principalmente a partir dos anos 1980 com o auxílio dos sofisticados e modernos efeitos especiais com técnicas em crescente evolução, a reprodução dos sangrentos ambientes de batalhas tornaram-se muito próximos de reais. Para exemplificar isso basta citar filmes excepcionais como “Apocalypse Now” (1979) e “Platoon” (1986) sobre a Guerra do Vietnã, ou “O Resgate do Soldado Ryan”, “Além da Linha Vermelha” (ambos de 1998) e “Círculo de Fogo” (2000), sobre a Segunda Guerra Mundial, escolhendo apenas alguns casos com maior destaque de produções recentes que atingiram um incrível grau de realismo em suas imagens chocantes e histórias profundas e densas.
Agora mais um filme retratando o insano ambiente de guerra foi lançado, mais especificamente reproduzindo ações ocorridas na Guerra do Vietnã. Trata-se de “Fomos Heróis” (We Were Soldiers), que entrou em cartaz nos cinemas brasileiros em 09/08/02. Dirigido, escrito e produzido por Randall Wallace (de “Coração Valente”, outro épico de guerra) e protagonizado pelo astro Mel Gibson, o filme teve um interessante “slogan” no cartaz de divulgação: “Pais... Irmãos... Maridos... Filhos... Nenhum homem é somente um soldado”. Ou seja, por trás da farda não existe apenas uma máquina de destruição que tem que matar para não morrer no campo de batalha, existe principalmente um homem que tem uma vida com família e pessoas ao seu redor. Isso é verdadeiro, porém um detalhe que deve ser enfatizado é o título nacional mal escolhido para o filme sendo o correto apenas reproduzir a tradução do original (“Nós Fomos Soldados”), eliminando essa idéia equivocada de heroísmo, pois participar de uma guerra tendo que destruir tudo a sua volta (os soldados inimigos, a natureza desprotegida) é sempre um ato de selvageria antes de tudo, independente da conduta no campo de batalha.
“Fomos Heróis” é baseado numa história verídica relatada no livro “We Were Soldiers Once... And Young” escrito em 1992 pelo jornalista Joseph L. Galloway e o coronel Hal Moore (no filme interpretados por Barry Pepper e Mel Gibson respectivamente). Basicamente descreve os acontecimentos envolvendo um grupo de 395 soldados americanos numa longa batalha contra 2000 inimigos vietnamitas em novembro de 1965, que se constituiu num dos episódios mais sangrentos da história militar dos Estados Unidos.
Mel Gibson é o tenente-coronel Hal Moore, líder de um pelotão do exército repleto de soldados jovens e inexperientes que partem para o combate no Vietnã. Fazem parte ainda do grupo soldados em destaque como o veterano sargento Basil Plumley (Sam Elliott), responsável pelo treinamento dos companheiros novatos, o major Bruce Crandall (Greg Kinnear), um exímio piloto de helicóptero, e o segundo-tenente Jack Geoghegan (Chris Klein), um soldado imprescindível no campo de batalha. Eles chegam a um local cercado de montanhas e infestado de soldados inimigos em maior número, iniciando uma longa batalha de mais de um mês com muita violência. A região ficou conhecida como o “Vale da Sombra da Morte” e a denominação ficou bem apropriada pois nem americanos nem vietnamitas venceram o conflito e sim a soberana e inabalável “Morte”. Antes dos americanos, em 1954 os franceses já haviam sido massacrados no mesmo local na “Guerra da Indochina”.
Moore é o típico homem que não é somente um soldado, é marido (sua esposa é a bela Julie, interpretada por Madeleine Stowe) e pai de cinco filhos, e na guerra procura ser um combatente determinado, porém nunca questionando os motivos políticos da guerra e procurando apenas exterminar o inimigo. Este é outro equívoco dos soldados que vão para a guerra e nem sabem os motivos.
“Fomos Heróis” centraliza suas ações nos primeiros dias da sangrenta batalha de “Ia Drang” mostrando todos os elementos típicos em filmes de guerra, com muita ação, correrias, tiroteios, explosões, violência, gritos de dor e desespero, corpos dilacerados, sangue. Porém, o filme procura também mostrar o outro lado da guerra, o lado das famílias dos soldados que mesmo longe dos campos de batalhas sentem os efeitos nocivos do conflito, onde pais, mães, esposas e filhos sofrem com a perda brutal de alguém querido que estava matando outro ser humano inimigo e tentando sobreviver em meio ao caos num lugar muito distante de casa. Nesse sentido, Julie Moore, a esposa do coronel, teve um importante papel ao centralizar para ela o recebimento dos telegramas do exército que estavam sendo entregues por serviço de táxi, e tomar à frente em avisar as companheiras da morte de seus maridos na guerra, tornando a atitude mais humanitária.
Uma cena particularmente perturbadora é quando o jornalista Galloway que está fotografando o conflito encontra um soldado americano descendente de orientais que lhe revela alegremente, apesar do tiroteio ao redor, que seu filho estava nascendo naquele dia, desviando um pouco a atenção do horror da guerra e pouco tempo mais tarde ele novamente o encontra só que dessa vez totalmente desfigurado pela ação de uma bomba incendiária gritando de dor de forma infernal. O jornalista o socorre e o leva até um helicóptero de resgate deixando o soldado praticamente morto.
De negativo no roteiro podemos citar algumas frases clichês do tipo “estou morrendo feliz pelo meu país” ou “diga para minha mulher que eu a amo” ditas pelos soldados agonizantes à beira da morte e principalmente uma frase específica do coronel Moore, “no campo de batalha serei o primeiro a pisar no solo e o último a sair”, numa tentativa de criar um sentimento de heroísmo inadequado, pois seria mais apropriado expor um sentimento de vergonha por participar de uma guerra. E eu alteraria a frase do coronel para algo como “serei o primeiro a pisar no solo e o primeiro a morrer sem nem saber o porquê”.
Mas apesar disso, o filme é grandioso e importante por mostrar a violência da guerra e talvez por servir como mais um alerta para que todo tipo de conflito armado fosse banido do planeta, o que infelizmente parece ser uma utopia...
Observações:
1) O filme foi exibido pela primeira vez na televisão aberta em 06/08/05 (Sábado), pela TV Record, às 22:00 horas.
2) Foi lançado em DVD no Brasil pela “Europa”, trazendo como materiais extras: “Sobre os atores”, “Sobre o Diretor”, “Making Of”, “Trailer”, “Comentários do diretor”, “Cenas deletadas”.
“Fomos Heróis” (We Were Soldiers, 2002) – avaliação: 6,5 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 19/05/06)