Viy - O Espírito do Mal (1967)


Quem imaginaria que nós, brasileiros colecionadores e apreciadores de filmes de Horror, teríamos a grata surpresa que um representante do cinema fantástico russo da década de 60 fosse lançado no formato DVD por aqui... Pois graças ao selo “Dark Side”, da “Works Editora”, o filme “Viy – O Espírito do Mal” (Viy or Spirit of Evil, 67), que aborda o tema da bruxaria, chegou ao nosso país no formato digital.

Atenção: o texto contém spoilers e detalhes reveladores da história.

Um jovem estudante de teologia, Khomá Brutus (Leonid Kuravlyov), entra em férias do seminário, administrado por um severo reitor disciplinador, (P. Vesklyarov). Khomá e mais dois amigos também seminaristas, Khaliava (Vadim Zakharchenko) e Gorobetz (V. Salnikov), partem juntos a pé, porém eles se perdem no caminho em meio aos vastos campos de plantações de uma região agrícola no interior da antiga União Soviética.
Cansados e famintos, eles encontram uma casa isolada e pedem abrigo para a proprietária, uma senhora muito idosa (N. Kutuzov), que tem uma incrível feição de bruxa e acaba se revelando mesmo uma feiticeira que manipula o jovem Khomá e decide fazer um breve passeio voando em suas costas, fazendo dele um meio de transporte. Quando ele consegue escapar dela, ambos caem ao chão e Khomá espanca violentamente a velha que repentinamente se transforma numa moça jovem e belíssima, Pannochka (Natalya Varley).
Khomá foge assustado e chega novamente ao seminário, onde é recebido pelo reitor. Lá, ele recebe a notícia que um rico fazendeiro de um vilarejo próximo dali (interpretado por Alexei Glazyrin), solicitou a sua presença para rezar por três noites seguidas pela alma pecadora de sua bela filha, que havia sido espancada e morreu há pouco tempo, sendo que o último pedido da moça foi justamente solicitar a presença de Khomá para velar seu corpo e fazer os rituais de sacramento.
Inicialmente relutante em seguir com a escolta enviada pelo fazendeiro, liderada pelo capataz Yavtukh (S. Shkourat), Khomá é obrigado pelo reitor a cumprir o trabalho e chega no vilarejo onde é recebido pelo rico fazendeiro que lhe ordena orar pela alma da filha em troca de muitas moedas de ouro. Mas, em caso de recusa, conforme sua ameaça, o jovem estudante de teologia iria receber uma grande quantidade de chicotadas nas costas que provavelmente o impediria de andar novamente.
O seminarista Khomá, chamado por seus contratantes de filósofo por conhecer a palavra escrita de Deus, percebe que não tem escolha, e depois de uma tentativa frustrada de fuga, é encarcerado numa capela por três noites onde tem que rezar ao lado do cadáver da bela moça, que na verdade é a bruxa sedenta de vingança que ele mesmo havia espancado.
Nas duas primeiras noites, enquanto Khomá rezava em voz alta ditando palavras de ordem religiosa para a moça morta dentro de um caixão, ela se levantava e tentava atormentá-lo de todas as formas possíveis, voando sozinha ou através do caixão pelo interior da capela tentando atacar o seminarista, que estava protegido dentro de uma área definida por um círculo desenhado no chão ao seu redor.
Porém, na terceira e última noite, a bruxa utilizou todas as forças possíveis na luta contra o aspirante à padre, que tinha como única defesa as orações, ou talvez também o efeito da vodca no cérebro, que poderia ajudá-lo a enfrentar o horror ou influenciar ainda mais na criação de visões assustadoras. Ela invocou uma infinidade de criaturas infernais disformes, seres com vários olhos e narizes, chifres, esqueletos que andavam sozinhos, vampiros e lobisomens que saiam dos cantos escuros da igreja, anões horrendos, monstros alados, até culminar com a invocação de “Viy”, um poderoso demônio que é a expressão do mal absoluto.

A história é inspirada num conto escrito em 1835 pelo ucraniano Nikolai Gogol, onde no início do filme aparecem algumas palavras do escritor revelando que se inspirou numa conhecida e temida lenda local, reproduzindo apenas o que tinha ouvido nos relatos de suas pesquisas. Curiosamente, esse conto inspirou também um filme italiano anterior, “A Máscara de Satã” (The Mask of Satan, 60), dirigido por Mario Bava e com Barbara Steele.
“Viy – O Espírito do Mal” possui um aspecto de extrema curiosidade por ser um dos raros exemplares do cinema fantástico russo, produzido no final da década de 60 (há quase quarenta anos atrás), com uma história carregada de elementos típicos do horror, indo de uma bruxa velha e feia (que se transforma numa moça jovem e bela), passando pela idéia de vingança contra um jovem aprendiz religioso, com a invocação de demônios asquerosos e todos os tipos de criaturas infernais, entre seres grotescos, vampiros e lobisomens, e o ápice com o surgimento de um monstro repugnante que seria o “espírito do mal” do título.
Os efeitos especiais utilizados nas filmagens da bruxa voando dentro de um caixão, com a câmera girando freneticamente num movimento perturbador, além da criação dos demônios e do todo poderoso “Viy”, são bem toscos quando comparados com as possibilidades do cinema do século XXI, mas uma vez observado o fato de ser uma produção soviética de quatro décadas no passado, podemos considerar que os trabalhos a cargo de Aleksandr Ptushko foram de grande relevância e merecem um destaque especial.

O filme foi um dos primeiros lançamentos (Setembro de 2003) em DVD no Brasil pelo selo “Dark Side” da “Works Editora”, especializada no gênero horror e que já lançou cerca de 50 filmes em formato digital, a maioria deles sendo produções mais antigas num resgate muito bem recebido pelos colecionadores e apreciadores do cinema fantástico de todas as épocas. Distribuído em embalagem dupla, o disco traz como material extra um trailer original de dois minutos e meio de duração falado em inglês e com legendas em português, além da biografia do escritor Nikolai Gogol, uma breve sinopse e uma galeria de fotos. O filme, além da versão original em russo, tem ainda a opção de dublagem em inglês ou francês e seu lançamento se constitui num fato raro, pois um filme de horror soviético dos anos 60 em DVD no Brasil é realmente algo para ser enaltecido.
Curiosamente, foi lançado nos cinemas brasileiros no início de 1971 com o nome de “A Lenda do Monstro Viy”.

“Viy – O Espírito do Mal” (Viy or Spirit of Evil, 1967) # 323 – 13/07/05 – avaliação: 8 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 08/12/05)

Viy – O Espírito do Mal (Viy or Spirit of Evil, Rússia, 1967). MostFilm. Duração: 72 minutos. Direção de Konstantin Yershov e Georgy Kropachyov. Roteiro de Konstantin Yershov, Georgy Kropachyov e Aleksandr Ptushko, baseado em conto homônimo de Nikolai Gogol. Música de Karen Khachaturyan. Fotografia de Fyodor Provorov e Victor Pishchalnikov. Edição de R. Pesetskaya e Tamara Zubova. Desenho de Produção de Nikolai Markin. Efeitos Especiais de Aleksandr Ptushko. Elenco: Leonid Kuravlyov (Khomá Brutus), Natalya Varley (Pannochka), Alexei Glazyrin (Senhor), N. Kutuzov (Bruxa), Vadim Zakharchenko (Khaliava), P. Vesklyarov (Reitor), V. Salnikov (Gorobetz), D. Kapka (Overko), P. Vesklyarov (Dorosh), S. Shkourat (Yavtukh), G. Sochevko (Stepan), N. Iakavchenka (Spirid), N. Panassien (Almoxarife).