O Mundo em Perigo (1954)


Quando o Homem entrou na era atômica, ele abriu a porta para um novo mundo. O que eventualmente encontraremos nesse novo mundo, ninguém pode prever.” – Dr. Harold Medford

Um fato bastante evidente na raça humana é a incrível quantidade de sangue que tem manchado a trajetória de sua conturbada história, sempre envolta em guerras absurdas. Boa parte do desenvolvimento científico e tecnológico da humanidade foi e ainda é voltado para a indústria bélica, objetivando fortalecer os interesses econômicos das nações mais poderosas e expandir um imperialismo hipócrita pelo mundo. Quando os Estados Unidos atacaram com bombas nucleares duas cidades japonesas em meados dos anos 1940 durante a Segunda Guerra Mundial, nosso planeta entrou definitivamente na era atômica. E, através desse ato, a nossa espécie inevitavelmente abriu uma porta desconhecida para um mundo novo, sustentado pela paranóia nuclear que por sua vez geraria a criação de uma infinidade de idéias e argumentos a serem explorados pelo cinema fantástico a partir da década de 1950.
É desse período que se originou um sub-gênero conhecido como “Big Bug” (“Inseto Gigante”), onde em vários filmes divertidos a humanidade passaria a enfrentar terríveis ameaças vindas de insetos de todos os tipos, os quais devido à exposição excessiva de radiação, de forma acidental ou até mesmo intencional no caso dos “cientistas loucos”, acabaram transformando-se em imensos monstros prontos para lutar com a raça humana pelo mesmo espaço. De ingênuos, pequenos e aparentemente inofensivos, eles passaram a gigantescas criaturas ameaçadoras.
Um dos primeiros filmes do tipo “Big Bug” foi produzido em preto e branco em 1954 com o nome de “Them!” (ou “Elas!), batizado no Brasil como “O Mundo em Perigo”, e explorando a existência de terríveis formigas gigantes, que variavam de 2 a 4 metros de comprimento. Dirigido por Gordon Douglas a partir de uma história de George Worthing Yates, o filme foi uma das primeiras tentativas de injetar a paranóia nuclear numa fórmula de causa e efeito, ou seja, a ação nociva do Homem através da manipulação de elementos atômicos e a reação da natureza, gerando um novo e terrível tipo de praga na imaginário coletivo. Nesse caso específico, a ação foi sobre inocentes formigas que cresceram assustadoramente de tamanho devido à testes com bombas nucleares realizadas no deserto do Novo México, nos Estados Unidos, em 1945.

A história se inicia com um policial, o Sargento Ben Peterson (James Whitmore), investigando estranhas ocorrências num deserto do sudoeste americano, onde encontra um trailer destruído, com seus ocupantes desaparecidos, um agente do FBI em férias e a esposa, e a filha do casal vagando sem rumo pelos campos áridos e em estado de choque. Para aumentar ainda mais o clima de mistério, o policial encontra também um armazém isolado e igualmente destruído, com seu proprietário morto violentamente e corroído por uma grande quantidade de ácido fórmico. Para auxiliá-lo nas investigações é enviado um agente do FBI, Robert Graham (James Arness), e juntos eles encontram uma enorme e estranha pegada na areia do deserto, próxima ao trailer atacado. Ao imprimirem e enviarem a evidência para uma perícia em Washington, eles recebem como resposta a visita e ajuda de um experiente cientista do Departamento de Agricultura, Dr. Harold Medford (Edmund Gwenn), juntamente com sua bela filha e assistente Patricia (Joan Weldon).
Uma vez todos juntos, o grupo inicia uma investigação no deserto e encontram a incrível existência de formigas mutantes gigantes, transformadas pela exposição à radiação de testes nucleares no mesmo local nove anos antes. Auxiliados pelo apoio militar do General Robert O’Brien (Onslow Stevens), do Serviço Secreto da Força Aérea, eles tentam destruir o formigueiro com um pesado ataque de fogo e veneno, porém duas formigas rainhas aladas conseguem escapar e voam até Los Angeles, escondendo-se nos complexos subterrâneos da cidade.
A partir daí, trava-se um combate mortal entre homens e formigas gigantescas, na tentativa de encontrar seus ninhos e destruir as rainhas, evitando dessa forma a procriação e proliferação dos insetos em larga escala e que colocaria em risco a sobrevivência da humanidade.

“O Mundo em Perigo” é considerado um precursor dos filmes com insetos gigantes, sendo muito bem recebido pelo público e até ganhando um cobiçado prêmio “Oscar” por seus eficientes efeitos especiais, muito interessantes para a época e nitidamente datados, coordenados por Ralph Ayers, que utilizou uma sofisticada parafernália mecânica formada por uma complexa combinação de cordas, roldanas e engrenagens para movimentar as grandes formigas. Em comparação com as modernas técnicas de computação gráfica atuais, as formigas são até hilariantes, mas analisando-se apenas os recursos existentes naquele período distante do cinema, é impossível não enaltecer o grande trabalho realizado.
O filme é sem dúvida uma tentativa de sucesso em se produzir com um tratamento sério uma história de ficção científica e horror explorando insetos gigantes que reagiram aos efeitos nocivos da ciência. E acabou impulsionando toda uma safra de filmes com temática similar, que apesar de tratados com orçamentos e seriedade menores, não minimizaram suas propostas de entretenimento. Como resultado disso, vários outros tipos de insetos acabaram ampliados pelo cinema como aranhas, lagartos, vespas, gafanhotos e até um louva-deus, numa série de filmes super divertidos.
Como todo filme enfocando uma revolta da natureza contra a ciência, em “O Mundo em Perigo” não poderia faltar a presença marcante de um cientista para tentar entender a origem da ameaça e como combatê-la, através do uso racional de seus conhecimentos. Nesse caso, o Dr. Medford é um especialista em formigas e o responsável por várias frases interessantes e com conteúdos significativos como por exemplo quando eles descobrem a existência das formigas gigantes, numa inevitável ameaça mortal contra a humanidade:
“Podemos estar testemunhando uma profecia bíblica se realizando: A destruição e a escuridão descerão sobre o mundo e as feras reinarão sobre a Terra.”
Ou quando ele explica aos militares a natureza guerreira das formigas e o perigo que elas representam para o mundo ao se transformarem em monstros imensos: “As formigas são as únicas criaturas fora o Homem, que fazem guerra. Elas fazem campanha, são agressivas e escravizam as prisioneiras que não são mortas”.

O nome nacional “O Mundo em Perigo” é bem diferente do original “Them!”, mas parece ser um título mais adequado, numa escolha feliz dos responsáveis em nomear os filmes que chegam ao Brasil. Porém, uma curiosidade é a forma como os produtores se referiram à palavra “THEM” para aproveitarem a oportunidade de um interessante marketing, evidenciando suas letras como iniciais de palavras expressivas como “Terror”, “Horror”, “Excitement” e “Mystery”.

“O Mundo em Perigo” foi lançado no Brasil em vídeo DVD pela “Warner Home Video”, numa rara oportunidade de termos acesso a mais essa preciosidade do cinema fantástico, com a caixa trazendo uma bela capa destacando uma ilustração colorida do filme, com formigas monstruosas atacando as pessoas e gerando o caos, num bom exemplo daqueles cartazes típicos dos filmes dos anos 1950. O material extra inclui um trailer original de 3 minutos de duração e sem legendas, além de uma interessante galeria de fotos e algumas poucas imagens de cenas não aproveitadas. O menu interativo também é bastante criativo aproveitando imagens de divulgação do filme para inserir os tópicos de navegação.

O cineasta americano Gordon Douglas (1907 / 1993) nasceu em New York e morreu de câncer em Los Angeles, California. Sua filmografia é grande contando com quase 100 filmes de todos os gêneros, entre westerns, policiais, aventuras, dramas de guerra, espionagem e noir. No cinema fantástico ele também dirigiu a comédia de horror “Zombies on Broadway” (45), com Bela Lugosi.
O escritor George Worthing Yates (1901 / 1975), autor da história que serviu de base para “O Mundo em Perigo”, é especialista no gênero horror e ficção científica e suas idéias inspiraram a produção de uma série de filmes de pura diversão da década de 1950 como “Conquest of Space” (55), “It Came From Beneath the Sea” (55), “Earth vs. The Flying Saucers” (56), “The Amazing Colossal Man” (57), “Frankenstein 1970” (58), “War of the Colossal Beast” (58), “Attack of the Puppet People” (58), “Earth vs. The Spider” (59), entre outros.
O elenco principal do filme é formado pela dupla James Whitmore e James Arness. O primeiro nasceu em 1921 e continua ativo tendo participado de “Um Sonho de Liberdade” (94), com Morgan Freeman e Tim Robbins, e “Cine Majestic” (2001), com Jim Carrey e Martin Landau. Sua semelhança física com o consagrado ator Spencer Tracy é tão grande que eles frequentemente eram confundidos como irmãos, só que Tracy era 21 anos mais velho e faleceu em 1967. Whitmore atuou em quase 80 filmes, e entre eles, sob forte maquiagem como um orangotango no clássico “O Planeta dos Macacos” (68). Já James Arness nasceu em 1923, em Minnesota, e é mais conhecido como o eterno xerife Matt Dillon na divertida e longa série televisiva de western “Gunsmoke” (1955-75). No cinema fantástico, ele foi a criatura alienígena no clássico “O Monstro do Ártico” (51), de Howard Hawks, e que foi refilmado por John Carpenter em 1982 como “O Enigma de Outro Mundo”. Curiosamente, o ator Fess Parker tem uma pequena participação em “O Mundo em Perigo” como um aviador internado num hospital psiquiátrico por alegar ter visto imensas formigas voadoras. Ele nasceu no Texas em 1925 e é mais conhecido como o lendário desbravador Daniel Boone na série de TV homônima produzida entre 1964 e 70.

Uma horda de formigas gigantes vindas de profundas catacumbas para causar o terror na superfície.

“O Mundo em Perigo” (Them!, 1954) – avaliação: 9 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 07/12/05)

O Mundo em Perigo (Them!, Estados Unidos, 1954). Warner. Preto e Branco. Duração: 92 minutos. Direção de Gordon Douglas. Roteiro de Ted Sherdeman, a partir de adaptação de Russell Hughes para a história de George Worthing Yates. Produção de David Weisbart. Música de Bronislau Kaper. Fotografia de Sid Hickox. Edição de Thomas Reilly. Direção de Arte de Stanley Fleischer. Maquiagem de Gordon Bau. Efeitos Especiais de Ralph Ayres. Elenco: James Whitmore (Sargento da polícia Ben Peterson), Edmund Gwenn (Dr. Harold Medford), Joan Weldon (Dra. Patricia Medford), James Arness (Robert Graham), Onslow Stevens (General Robert O’Brien), Sean McClory (Major Kibbee), Chris Drake (Ed Blackburn), Sandy Descher (garota), Mary Alan Hokanson (Sra. Lodge), Don Shelton (Capitão Fred Edwards), Fess Parker (Alan Crotty), Olin Howlin (Jensen).