O Túmulo Vazio (The Body Snatcher, 1945)


É através do erro que o homem se levanta. É através da tragédia que ele aprende. Todos os caminhos do aprendizado começam na escuridão e se dirigem para a luz.” – Hipócrates de Cós

Durante a década de 1940, um nome que se destacou dentro do cinema de horror foi o do produtor russo Val Lewton, da RKO, um especialista em trabalhar com orçamentos pequenos, filmes “B” com cenários aproveitados de outras produções, metragens curtas, e compensando a falta de recursos com criatividade e talento. Responsável por uma série de filmes de horror psicológico como Cat People (42), I Walked With a Zombie (43), The Curse of the Cat People (44), Isle of the Dead (45) e Bedlam (46), infelizmente sua morte prematura aos 47 anos de idade em 1951 o impossibilitou de participar de projetos maiores e com mais recursos.
Um dos principais filmes de sua curta carreira é “O Túmulo Vazio” (The Body Snatcher, 1945), de pequena metragem (apenas 73 minutos), fotografia em preto e branco, e que já foi exibido na TV Cultura, de São Paulo, em versão original com legendas em português. O filme apresenta alguns fatores diferenciais que o colocam como destaque do cinema fantástico produzido há mais de meio século atrás. Além de ser dirigido por Robert Wise (1914 / 2005), o mesmo cineasta de clássicos como “O Dia Em Que a Terra Parou” (51) e “Desafio ao Além” (63), além de “O Enigma de Andrômeda” (71) e “Jornada nas Estrelas – O Filme” (79), o filme é baseado no conto “Ladrão de Cadáveres”, do escocês Robert Louis Stevenson (1850 / 1894), autor de “O Médico e o Monstro” (The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde), e tem a participação ilustre de dois dos maiores ícones do horror de todos os tempos, Boris Karloff (1887 / 1969) e Bela Lugosi (1882 / 1956), no último filme em que atuaram juntos.
(Atenção: o texto a seguir contém spoilers)

A história é ambientada em Edinburgo, Grã-Bretanha, em 1831, onde sepulturas eram profanadas e cadáveres eram roubados para serem utilizados em experiências científicas e demonstrações de aulas de anatomia do médico e professor Dr. Wolfe MacFarlane (Henry Daniell), conceituado chefe de uma escola de medicina. A matéria-prima para seu trabalho era fornecida ilegalmente pelo misterioso cocheiro John Gray (Boris Karloff), que possui uma história obscura e em comum com o Dr. MacFarlane, com quem também teve desavenças no passado.
Enquanto isso, um jovem médico chamado Donald Fettes (Russell Wade), é convidado para ser o novo assistente do Dr. MacFarlane, e ele intercede junto ao famoso professor para realizar uma operação complicada em Georgina Marsch (Sharyn Moffett), uma menina paralítica vítima de um acidente de carruagem, a pedido de sua mãe (interpretada por Rita Corday). Num primeiro momento, o Dr. MacFarlane rejeita o desafio da cirurgia, alegando priorizar seu trabalho como professor em vez de médico, onde teria que fazer antes da operação uma série de pesquisas científicas com dissecação, e não haviam cadáveres disponíveis para isso, uma vez que os cemitérios estavam mais bem guardados para evitar as profanações dos túmulos. Como o cocheiro Gray conseguiu um cadáver a força, assassinando uma cantora de rua, o médico foi convencido a operar a menina, num resultado que só seria conhecido próximo do desfecho da história.
Em paralelo, um ajudante do Dr. MacFarlane chamado Joseph (Bela Lugosi), descobre as ações criminosas de Gray e tenta suborná-lo. Porém, o cocheiro faz uma proposta enganosa de parceria, não para desenterrar corpos, mas para matar pessoas e vender seus cadáveres para os estudos científicos. A tentativa de acordo acabou resultando em uma briga mortal, numa cena antológica do cinema de horror, no último confronto direto entre os astros Boris Karloff e Bela Lugosi num mesmo filme.
“O Túmulo Vazio” ainda apresentaria um desfecho extremamente marcante quando numa terrível noite de tempestade, o Dr. MacFarlane é atormentado pelo fantasma de Gray no retorno para sua casa de carruagem, atravessando uma estrada escura e sinistra que lhe reservaria um destino trágico.

Curiosamente, o conto de Robert Louis Stevenson foi baseado num caso real onde a dupla de criminosos Burke e Hare vendiam cadáveres roubados para trabalhos científicos de um médico chamado Dr. Knox. Inclusive, esse fato real foi mencionado no filme, acrescentando que o Dr. MacFarlane foi preso no passado por ser o assistente do Dr. Knox, o médico que comprava os corpos profanados de seus túmulos, e que Gray testemunhou falsamente por dinheiro em seu favor no julgamento, livrando-o da prisão.
A mesma história de “O Túmulo Vazio” foi também explorada em outros filmes seguintes como “A Carne e o Diabo” (The Flesh and the Fiends, 60), dirigido por John Gilling e com outro time de astros, Peter Cushing como o médico anatomista e Donald Pleasence como o ladrão de cadáveres, além de “Burke and Hare” (71), de Vernon Sewell, e de “The Doctors and the Devils” (85), de Freddie Francis, e com Timothy Dalton, Jonathan Pryce, Julien Sands e Stephen Rea.
O nome nacional escolhido para o filme até que não é ruim, pois “O Túmulo Vazio” tem relações diretas com a história, porém o ideal e mais correto seria apenas traduzir o original “The Body Snatcher” para “Ladrão de Cadáveres”.

Você nunca conseguirá se libertar de mim...” – Gray (Karloff) para Dr. MacFarlane (Daniell)

“O Túmulo Vazio” (The Body Snatcher, 1945) – artigo # 256 – data: 24/05/04 – avaliação: 8 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 05/12/05)

“O Túmulo Vazio” (The Body Snatcher, Estados Unidos, 1945). RKO Radio Pictures, 73 minutos, Preto e Branco. Direção de Robert Wise. Roteiro de Philip MacDonald e Val Lewton (creditado como Carlos Keith), baseados em história de Robert Louis Stevenson. Produção de Val Lewton. Produção Executiva de Jack J. Gross. Fotografia de Robert De Grasse. Música de Roy Webb. Edição de J. R. Whittredge. Direção de Arte de Albert S. D´Agostino e Walter E. Keller. Cenários de Darrell Silvera. Elenco: Boris Karloff (John Gray), Bela Lugosi (Joseph), Henry Daniell (Dr. Wolfe “Toddy” MacFarlane), Edith Atwater (Meg Camden), Russell Wade (Donald Fettes), Rita Corday (Sra. Marsh), Sharyn Moffett (Georgina Marsch), Donna Lee, Robert Clarke, Aina Constant, Mary Gordon, Carl Kent, Milton Kibbee, Jim Moran, Jack Welch, Larry Wheat, Bill Williams.