Museu de Cera (1953)


Um dia se revela todo o crime. Mesmo aquele que o peso da terra oprime.” – Prof. Henry Jarrod

Um filme em especial, bastante lembrado e comentado do nostálgico cinema de horror produzido na década de 1950, e também da carreira do lendário ator Vincent Price, além de apresentar uma técnica inovadora em sua época, a exibição em três dimensões, está completando 50 anos de idade. Trata-se de “Museu de Cera” (House of Wax, 53), dirigido por André De Toth a partir de uma história de Charles Belden. É aquele típico filme que não envelhece e sustenta seu interesse ao longo de décadas, apresentando um protagonista principal que é uma pessoa importante e inteligente, mas que transforma-se num ser insano e vingativo após ser vítima de eventos trágicos e criminosos. Nesse caso, um célebre escultor de estátuas de cera que é traído pelo sócio e tem suas obras de arte destruídas por um incêndio que também desfigura violentamente seu rosto e mãos, fazendo com que retornasse como um assassino vingativo obcecado em reconstruir sua obra artística a qualquer preço, mesmo que em troca de vidas inocentes.

A história de “Museu de Cera” é ambientada na New York do início do século passado, onde um talentoso escultor chamado Prof. Henry Jarrod (Vincent Price), possui um museu com estátuas reproduzindo personalidades históricas moldadas habilmente em cera, como por exemplo a rainha do Egito Cleópatra e seu amante Marco Antonio, o presidente americano Lincoln e seu assassino John Wilkes Booth, a líder revolucionária Joana D’Arc, e outros. Ele é visitado por um conceituado e rico crítico de arte, Sidney Wallace (Paul Cavanagh), que fica fascinado pela beleza artística das obras de Jarrod, comprometendo-se em financiar seu trabalho quando voltasse de uma viagem após alguns meses. Porém, como os negócios estavam um fracasso e a situação financeira do museu passava por uma grande crise, o sócio de Jarrod na galeria, Matthew Burke (Roy Roberts), interessado unicamente nos lucros como empresário, preferiu agir desonestamente provocando um incêndio criminoso no museu para receber o dinheiro do seguro. Após uma briga com Jarrod, este último é abandonado desmaiado em meio ao fogo que consumia suas obras de arte, derretendo implacavelmente anos de trabalho dedicado com as figuras de cera.
Passado algum tempo, o famoso escultor reaparece novamente, sobrevivendo ao incêndio que desfigurou violentamente seu rosto e atrofiou as mãos impedindo-o de voltar a moldar suas estátuas. Ele agora apenas ensina outros escultores como o surdo-mudo Igor (Charles Bronson) e o alcoólatra e ex-presidiário Leon Averill (Nedrick Young), montando um novo museu de cera com a batizada “Câmara dos Horrores”, uma ala da galeria reservada especialmente para a exposição de estátuas de assassinos famosos e instrumentos de execução como a guilhotina e cadeira elétrica, além da reprodução de assassinatos históricos, investindo num negócio mais rentável ao explorar o mórbido fascínio que o horror e a violência sempre exerceram no público.
A partir daí, começaram a ocorrer mortes misteriosas na cidade com o estranho desaparecimento dos cadáveres do necrotério, como a namorada do ex-sócio de Jarrod, a loira Cathy Gray (Carolyn Jones), e o próprio criminoso Matthew Burke, responsável pelo incêndio que impediu para sempre o escultor de criar sua arte. Até que a bela Sue Allen (Phyllis Kirk), que dividia o aluguel de um quarto com Cathy, reconheceu uma incrível semelhança física entre a amiga desaparecida e a estátua de cera de Joana D’Arc numa visita ao museu através de um contato com seu namorado, o jovem escultor Scott Andrews (Paul Picerni), um novo aluno de Jarrod. Nesse momento, entra em cena uma dupla de policiais investigadores, o Tenente Tom Brennan (Frank Lovejoy) e o Sargento Jim Shane (Dabbs Greer), que começam a suspeitar de relações entre os desaparecimentos de cadáveres e as figuras de cera.

“Museu de Cera” tornou-se muito conhecido por apresentar a técnica de exibição em três dimensões, num trabalho intenso de marketing que levou muita gente aos cinemas para conferir a novidade. Em determinado momento do filme, uma sequência em especial foi filmada de forma proposital para enfatizar os efeitos tridimensionais, onde um homem faz diversos malabarismos com uma bola amarrada por um fio em uma raquete, em frente ao museu de cera para chamar a atenção do público em conferir o espetáculo. Ele faz uma série de movimentos com a bola e raquete dando a impressão de acertar as pessoas que estão assistindo o filme sentadas nas poltronas do cinema. Curiosamente, na metade do filme houve até uma pausa inusitada, com a interrupção da projeção e aparecendo na tela uma breve mensagem de “intervalo”.
Vincent Price está como sempre muito convincente e intenso no papel de um artista amargurado com uma tragédia pessoal, e que se transforma num assassino insano e obcecado por vingança. “Museu de Cera” é um de seus primeiros trabalhos de horror, gênero que o consagraria para sempre. Já Charles Bronson ainda está em início de carreira, e mesmo sem falar uma única palavra, já demonstra um talento que lhe garantiria uma enorme e merecida carreira de sucesso, principalmente em filmes de ação. Por curiosidade, a cena final faz uma interessante menção ao seu personagem surdo-mudo Igor, e que poderia tranquilamente servir como um gancho para uma continuação onde ele daria sequência ao legado de horror de seu mestre.

O cineasta húngaro André De Toth nasceu em 1912 e faleceu no final de Outubro de 2002 na California, Estados Unidos. Ele era especialista em filmes do gênero “western” e conhecido por seu talento em trabalhar com filmes de baixo orçamento. Com uma filmografia relativamente pequena, de aproximadamente 40 títulos, seu último trabalho foi em 1987 com o obscuro “Terror Night”, trazendo no elenco o falecido ator Cameron Mitchell, sempre bastante participativo no gênero fantástico e que curiosamente também interpretou um vingativo e desfigurado curador de museu em “Nightmare in Wax” (69), com história similar ao “Museu de Cera”.
O elenco é liderado por Vincent Price, um dos maiores atores de horror de todos os tempos, permanecendo imortal numa galeria de astros formada ainda por Lon Chaney, Bela Lugosi, Boris Karloff, Peter Lorre, John Carradine, Peter Cushing, Donald Pleasence e Christopher Lee, entre outros. Este último é o único ainda vivo e na ativa, como podemos conferir em filmes como “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” (de Tim Burton), e nas sagas “O Senhor dos Anéis” (de Peter Jackson) e “Star Wars” (de George Lucas). Price nasceu em 1911 no Estado de Missouri, Estados Unidos, e faleceu em Outubro de 1993, vítima de câncer no pulmão. Ao longo de sua bem sucedida carreira cinematográfica, ele participou de uma infinidade de séries de televisão e realizou mais de 100 filmes, sendo muitos deles de horror, gênero que o imortalizou definitivamente. Em sua obra encontram-se diversas preciosidades como “A Mosca da Cabeça Branca” (58), “A Casa dos Maus Espíritos” (59), “A Queda da Casa de Usher” (60), “O Poço e o Pêndulo” (61), “Muralhas do Pavor” (62), “O Corvo” (63), “O Castelo Assombrado” (63), “Farsa Trágica” (64), “A Máscara Mortal” (64), “O Caçador de Bruxas” (68), “O Ataúde do Morto-Vivo” (69), “Força Diabólica” (69), “O Abominável Dr. Phibes” (71), “As Sete Máscaras da Morte” (73), “A Casa do Terror” (74), “A Mansão da Meia-Noite” (83), entre outros. Muitos desses filmes foram dirigidos por Roger Corman em histórias baseadas na literatura macabra de Edgar Allan Poe.
Curiosamente, entre os coadjuvantes de “Museu de Cera”, estão dois nomes que merecem uma citação especial. A atriz Carolyn Jones (1929/83), que interpretou uma das vítimas da câmara de horrores, foi a cadavérica Morticia na série de TV “A Família Addams” (1964/66), num visual gótico com longos cabelos negros, bem diferentes de sua personagem loira em “Museu de Cera”, o que demonstra a facilidade em se mudar a cor dos cabelos dependendo da necessidade (algo similar e notável aconteceu também com Christina Ricci, que foi a garota morena Wednesday no filme “A Família Addams” (91), e uma bela jovem loira em “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” (99). Já Charles Bronson, que nasceu em 1921 e morreu no final de Agosto de 2003, participou em “Museu de Cera” como o surdo-mudo Igor, em início de carreira quando ainda era creditado como Charles Buchinski. Com um personagem que não fala uma única palavra, ninguém imaginaria que o ator viria a se tornar famoso e muito requisitado depois, com uma carreira de sucesso de quase 100 filmes, e se destacando em papéis de policiais e justiceiros violentos. Sua imagem ficou eternamente associada à série de filmes “Desejo de Matar”, iniciada em 1974 e com uma franquia de cinco produções.

“Museu de Cera” foi lançado no Brasil no formato DVD em 24/09/2003 pela “Warner”, trazendo também no lado “B” do disco o filme original de 1933, “Os Crimes do Museu” (Mystery of the Wax Museum), de Michael Curtiz, que é bem inferior à refilmagem de 1953, podendo ser considerado apenas como um bônus do material extra. Também vieram como extras um trailer de dois minutos sem legendas e apresentando basicamente várias frases promocionais em letras garrafais, enfatizando as inovadoras técnicas de 3D (para a época), num estilo de marketing que era bastante utilizado nos filmes do passado, além de imagens rápidas da movimentação de bastidores numa pré-estréia de “Museu de Cera” no cinema.

Vinte anos antes do lançamento de “Museu de Cera”, em 1933 foi produzido “Os Crimes do Museu” com Lionel Atwill no papel do escultor desfigurado Ivan Igor e a bela Fay Wray (a mocinha de “King Kong”, do mesmo ano) como sua musa inspiradora Charlotte Duncan. O filme tem várias diferenças em relação à refilmagem de André De Toth, as quais acabaram definindo-o como uma obra infinitamente inferior, sendo uma exceção quando na maioria das vezes o filme original tem superado as versões posteriores. Começando pela performance de Atwill, como o vingativo proprietário do museu, muito abaixo da atuação de Vincent Price, e também do assistente surdo-mudo Hugo (Matthew Betz), sem nenhum destaque e bem mais inexpressivo que o carismático Charles Bronson. Além de outros elementos que afastaram o filme de um clima de horror, aproximando-o mais de um thriller policial arrastado, cheio de erros de continuidade e edição, comuns nas produções do início da década de 1930, nos primeiros anos do cinema falado, além de ser filmado num sistema de poucos recursos em apenas duas cores. Outro fator negativo é a inclusão de uma inconveniente jornalista, Florence Dempsey (Glenda Farrell), que fala demais e muito rápido, sendo a heroína da trama por desvendar o mistério do museu de cera antes dos incompetentes policiais, e que tem uma relação conflituosa com seu igualmente descartável chefe, o editor do jornal “Express”, Jim (Frank McHugh). A utilização de irritantes diálogos com tentativas de comédia romântica e a medíocre cena final também ajudaram a fazer de “Os Crimes do Museu” um filme pouco empolgante e apenas comum.
Como curiosidade nesse filme de Michael Curtiz, numa determinada cena a jornalista Florence, ao tentar descrever para a polícia a aparência do assassino desfigurado, deformado no incêndio, disse que ele se parece com “Frankenstein”. Esse é um erro que já foi e continua sendo cometido uma infinidade de vezes, tanto pelo cinema quanto por fãs em geral, insistindo no equívoco de associar uma imagem horrível à “Frankenstein”, que na verdade é o nome de um cientista, em vez de fazerem a comparação com “a criatura de Frankenstein”, que é o monstro criado pelo cientista a partir de pedaços de cadáveres de seres humanos. Essa confusão aumentou ainda mais após o lançamento de “A Noiva de Frankenstein” (35), cujo título do filme reforçou a impressão, errada por sinal, de que o monstro se chamava “Frankenstein”, pois na história o cientista criava uma noiva para o monstro.

Para finalizar e confirmando a falta de originalidade que a indústria do cinema americano está enfrentando atualmente, “Museu de Cera”, que já é uma refilmagem de “Os Crimes do Museu”, com algumas variações, recebeu também por sua vez uma refilmagem através da produtora “Dark Castle”, de Joel Silver e Robert Zemeckis. O filme estreou nos cinemas brasileiros em 03/06/05 como “A Casa de Cera” (House of Wax), e tem uma história bem diferente do clássico de 1953. A produtora é responsável por outras refilmagens de filmes dos anos 1960 como “A Casa da Colina” (House on Haunted Hill, 99) e “Treze Fantasmas” (Thirteen Ghosts, 2001), além de “Navio Fantasma” (Ghost Ship, 2002) e “Na Companhia do Medo” (Gothika, 2003).

As figuras de cera também se parecem com outras pessoas. Pessoas que desapareceram...

“Museu de Cera” (House of Wax, 1953) – avaliação: 9 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 07/12/05)

Museu de Cera (House of Wax, Estados Unidos, 1953). Warner. Duração: 88 minutos. Direção de André De Toth. Roteiro de Crane Wilbur, a partir de história de Charles Belden. Produção de Bryan Foy e Joe Dreier. Música de David Buttolph. Fotografia de Bert Glennon e J. Peverell Marley. Edição de Rudi Fehr. Direção de Arte de Stanley Fleischer. Maquiagem de George Bau. Elenco: Vincent Price (Prof. Henry Jarrod), Frank Lovejoy (Tenente Tom Brennan), Phyllis Kirk (Sue Allen), Carolyn Jones (Cathy Gray), Paul Picerni (Scott Andrews), Roy Roberts (Matthew Burke), Angela Clarke (Sra. Andrews), Paul Cavanagh (Sidney Wallace), Dabbs Greer (Sargento Jim Shane), Charles Bronson (Igor), Nedrick Young (Leon Averill).