Robur, o Conquistador do Mundo (Master of the World, 1961)


Escutai nações do mundo! Escutai povos humanos! Deixai a terra e tudo que há dentro dela e escute. Porque a indignação do Senhor cairá sobre todas as nações, e a sua fúria sobre todos os exércitos. Ele os destruirá totalmente!
– palavras iniciais ditas por Robur, o Mestre do Mundo

Considerado um dos precursores da literatura de ficção científica mundial, o francês Jules Verne foi o responsável por diversas e nostálgicas histórias clássicas que serviram de inspiração para o cinema de entretenimento, como “A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, “Viagem ao Centro da Terra”, “20 Mil Léguas Submarinas”, “Da Terra à Lua” e outras.
Imaginem um filme produzido em 1961, uma época de ouro para o cinema fantástico, pela dupla de especialistas no gênero James H. Nicholson e Samuel Z. Arkoff, executivos da “American International Pictures”; com roteiro do escritor Richard Matheson, profundo conhecedor do assunto e nome presente em vários filmes e séries de televisão no período; baseado numa obra homônima de Jules Verne; estrelado pelo magnífico e saudoso ator Vincent Price; e acompanhado de outro nome que teria um futuro promissor, na época em início de carreira, Charles Bronson (muito conhecido pela franquia “Desejo de Matar”). Com todas essas excelentes referências de qualidades inegáveis, nasceu “Robur, o Conquistador do Mundo” (Master of the World), uma deliciosa aventura de ficção científica no melhor estilo “Sessão da Tarde”, com direção de William Witney e história ambientada em 1868 sobre uma fortaleza voadora criada por um “cientista louco”, que pretende acabar com as guerras no mundo à força, utilizando se necessário o uso também de uma violência militar superior.

Alguns habitantes da pequena cidade de Morgantown, no interior da Pennsylvania (EUA), estão entediados com a pacata e calma vida do lugar, mas não imaginavam que próximo dali, numa cratera localizada no pico de uma enorme montanha chamada “The Great Eyrie”, um cientista, Robur (Vincent Price), estava construindo uma máquina voadora, o “Albatross”, com um alto poder de fogo e uma tecnologia inovadora para a época, onde somente pequenos dirigíveis ou balões voavam pelos céus.
Reunindo uma tripulação representando diversas nacionalidades, ou melhor, fazendo questão de oficialmente não defenderem nenhuma bandeira ou nação, liderada pelo imediato em comando Sr. Turner (Wally Campo), Robur inventa um “navio voador” de 50 metros de comprimento por 7 metros de largura, que viaja numa velocidade média de 200 quilômetros por hora, construído com um material inédito à base de papel impregnado com uma substância especial chamada “dextrina” misturada com argila e comprimida em prensas hidráulicas, permitindo criar uma estrutura muito leve e mais facilmente de se locomover pelos ares. A fortaleza voadora ainda possuía grande agilidade nos movimentos e manobras, podendo chegar à altitudes de 7000 pés e velocidades de 203 milhas por hora, contando com um sofisticado centro de controles com aparelhos inovadores como um poderoso telescópio de lentes prismáticas e um amplificador de voz, além de contar com um arsenal significativo de bombas. Para o século XVIII certamente o “Albatross” era uma máquina voadora futurista e única no mundo, sendo objeto de desejo dos diversos governos imperialistas espalhados pelo planeta, que se o tivessem sob seu domínio estariam em enorme vantagem perante seus inimigos.
Porém, o “cientista louco” Robur não está disposto a fornecer sua fortaleza aérea para nenhuma nação, pois segundo suas próprias palavras, ele tem uma nobre missão: “Dentro de mim há um homem. Aquele que declarou guerra contra a guerra. Este é o meu propósito, o propósito pelo qual foi construído esse barco. Acabar para sempre com o flagelo da guerra.”
E assim o “Albatross” procurou cumprir seu objetivo, obrigar as nações a acabar com as guerras, mesmo que fosse necessário o uso de violência e destruição. Inicialmente afundou um navio de guerra americano em alto mar, depois indo para a Europa, bombardeou frotas de navios ingleses em Londres, passando por Paris, Madrid, destruindo arsenais e exércitos, e até atacando dois exércitos primitivos inimigos que lutavam numa batalha na África, virando manchetes pelos principais jornais ao redor do mundo.
Entretanto, Robur é obrigado a hospedar no “Albatross” um grupo de pessoas que viajavam num balão (considerado o mais moderno na época e totalmente inexpressivo em comparação com a máquina voadora do cientista). O grupo era formado por um agente do governo americano, representando o Departamento do Interior, Strock (Charles Bronson), um idoso empresário fabricante de armas na Philadelphia, Sr. Prudent (Henry Hull), sua filha Dorothy (Mary Webster) e o noivo dela, Phillip Evans (David Frankham). Eles estavam sobrevoando a montanha nas proximidades de Morgantown para averiguar os possíveis motivos de uma movimentação que despertou a atenção dos moradores da cidade (na verdade era Robur testando sua máquina voadora). Ao se aproximarem da cratera, eles foram abatidos pelo “Albatross” e caíram, sobrevivendo milagrosamente à queda e sendo resgatados por Robur. Inicialmente, o grupo ficou surpreso com o complexo e moderno “navio voador” em que viajavam e mais tarde ao descobrirem as reais intenções de seu comandante, acabar com as guerras à força, eles planejaram sua fuga com a destruição da máquina voadora, pondo um fim nos planos “insanos” de Robur.
É claro que Charles Bronson interpreta o herói “mocinho” que resolve tudo e até “rouba” a “mocinha”, que se apaixona por ele e se afasta de seu noivo traído. Não faltam também as inevitáveis e características cenas cômicas, dessa vez através de um cozinheiro francês que se atrapalha toda vez que o “Albatross” realiza manobras rápidas e inesperadas, com sua cozinha transformando-se numa grande bagunça com panelas e restos de comida caindo para todos os lados.

Vincent Price é um dos atores mais significativos da história do cinema de horror, com seu trabalho tendo sido imortalizado através dos característicos papéis de vilão aristocrático. Ele faleceu em 1993 deixando-nos um legado fantástico ao longo da extensa filmografia, que inclui títulos importantes como “Museu de Cera” (1953), “A Mosca da Cabeça Branca” (58), “A Queda da Casa de Usher” (60), “O Poço e o Pêndulo” (61), “Muralhas do Pavor” (62), “O Castelo Assombrado” (63), “O Corvo” (63), “Farsa Trágica” (63), “A Máscara Mortal” (64), “O Ataúde do Morto-Vivo” (69), “O Abominável Dr. Phibes” (71), “As Sete Máscaras da Morte” (73), “A Casa do Terror” (74) e “A Mansão da Meia-Noite” (83), entre outros. Price tornou-se um dos grandes expoentes do cinema fantástico, juntamente com outros nomes consagrados do gênero como Bela Lugosi, Boris Karloff, Peter Cushing (todos já falecidos), e Christopher Lee (o eterno Drácula da Hammer inglesa), o único ainda vivo e na ativa, com participações importantes em filmes como “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça” e nas franquias de sucesso “O Senhor dos Anéis” (como o mago Saruman) e “Star Wars” (como o Conde Dookan). Em “Robur, o Conquistador do Mundo”, Vincent Price encarna magistralmente o “cientista louco” Robur em sua missão de acabar com as guerras pelo mundo com o uso da força. Com sua performance aristocrática, é praticamente impossível para seus reais fãs não torcerem pelo seu sucesso ou não se sensibilizarem com sua ruína.
Richard Matheson é um prestigiado escritor de ficção científica e horror, responsável por diversas obras clássicas que foram transportadas paras as telas do cinema como “O Incrível Homem que Encolheu” (1957) e “Mortos que Matam” (64) e sua respectiva refilmagem “A Última Esperança da Terra” (71), ambos inspirados no livro “Eu Sou a Lenda”. Foi também ativo colaborador com roteiros para filmes como os divertidos “Muralhas do Pavor” (1962) e “Farsa Trágica” (63), além de “Encurralado” (71), dirigido por Steven Spielberg, e “A Casa de Noite Eterna” (1973), e séries de televisão como a clássica “Além da Imaginação” (1959/64), criada pelo lendário Rod Serling.
“Robur, o Conquistador do Mundo” tem um título nacional não apropriado, e seria bem melhor que apenas fosse reproduzida a tradução literal do original, “Mestre do Mundo”. O filme foi lançado no mercado brasileiro de vídeo VHS pela “Globo”, e no passado era até exibido com certa frequência pela televisão aberta. É considerado uma raridade e um típico filme de baixo orçamento dos anos 1960, com efeitos especiais precários e datados de sua época, mostrando uma interessante e diferente mensagem de paz em seu roteiro baseado em obra de Jules Verne.
A intenção do “cientista louco” Robur (será que ele estava mesmo louco?) é válida, pondo um fim às guerras a qualquer custo, porém seus métodos é que são discutíveis, utilizando-se de uma violência ainda maior com seu poder militar superior. Ele dizia não ter nacionalidade, assim como seus tripulantes, homens que abraçaram sua causa, e acreditava que sua invenção magnífica, uma máquina voadora futurista, estaria fazendo um bem para a humanidade, banindo as guerras do mundo através do poder ameaçador das bombas do “Albatross”. Talvez ele até tivesse razão, apesar que a violência gera sempre mais violência, mas seu sonho (conforme descrito em suas próprias palavras no fim desse artigo) infelizmente ainda não foi realizado, pois o mundo continua insistindo em resolver suas diferenças políticas entre as várias nações através de guerras e confrontos armados. Isso tem sido típico da raça humana ao longo de sua evolução, demonstrando seu grau de irracionalidade e selvageria, onde com o passar dos tempos as guerras apenas se modernizaram e acompanharam o desenvolvimento tecnológico de nossa civilização, tornando-se cada vez mais sangrentas e ameaçadoras para o futuro da humanidade.

Nosso vôo está para terminar e Ele julgará entre as nações. Castigará muita gente. E eles trocarão suas espadas pelos arados e suas lanças pelos anzóis. Nenhuma nação levantará sua espada contra outra. E não haverá guerra nunca mais.
– palavras finais de Robur, na esperança que seu sonho do fim das guerras tornasse realidade um dia.

Levo meu sonho comigo, mas para a humanidade não passará desapercebido. Pertencerá a vocês no dia em que o mundo for suficientemente educado para se beneficiar e suficientemente sábio para não abusar dele.
(I take my dream with me. But it will not be lost to humanity. It will belong to you the day the world is educated enough to profit by it and wise enough not to abuse it – Jules Verne, em “Master of the World”).

“Robur, O Conquistador do Mundo” (Master of the World, 1961) – avaliação: 8,5 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 08/12/05)

Robur, o Conquistador do Mundo (Master of the World, Estados Unidos, 1961). American International Pictures. Duração: 105 minutos. Lançado no mercado brasileiro de vídeo VHS pela Globo (fora de catálogo). Direção de William Witney. Roteiro de Richard Matheson, baseado em obra de Jules Verne. Produção de James H. Nicholson e Samuel Z. Arkoff. Música de Les Baxter. Elenco: Vincent Price, Charles Bronson, Henry Hull, Mary Webster, David Frankham, Wally Campo.