Dois dos maiores astros do cinema de horror de todos os tempos, Vincent Price e Peter Cushing, estrelaram juntos em 1974 mais um filme do gênero, “A Casa do Terror” (Madhouse), numa co-produção de duas das mais expressivas produtoras da época especialistas no fantástico, a americana “American International” e a inglesa “Amicus” (rival da “Hammer”). Apesar do título nacional óbvio e trivial (nesse caso eu acharia melhor utilizar o mesmo título original que soaria bem interessante e não confundiria mais ainda o público, pois existem vários filmes que já foram batizados por aqui com o manjado nome “Casa do Terror”), e apesar também de fazer parte de uma safra mais decadente do horror que a partir de meados dos anos 1970 já estava demonstrando sinais de desgaste com as produtoras investindo menos em filmes do gênero e os velhos atores como Price, Cushing, Christopher Lee, John Carradine e outros estavam aparecendo cada vez menos em comparação com suas ativas performances principalmente no final da década de 1950 e ao longo dos anos 1960, que constituem um período muito fértil do gênero fantástico, “A Casa do Terror” é mais uma pequena pérola do cinema de horror, produzida pelo especialista Samuel Z. Arkoff e trazendo em seu elenco o carisma imortal dos atores Vincent Price e Peter Cushing.
Lançado no Brasil na época do vídeo VHS pela LK-TEL, “A Casa do Terror” é mais uma raridade imperdível para os fãs, trazendo todos aqueles divertidos clichês que desfilaram por dezenas de produções similares anteriores, constituindo-se numa verdadeira homenagem ao cinema de horror e astros do passado como Basil Rathbone e Boris Karloff, de quem foram exibidos trechos de filmes com a participação também de Vincent Price. Curiosamente foram reproduzidas cenas de “Muralhas do Pavor” (Tales of Terror, 1962) com o episódio “O Caso do Sr. Valdemar”, estrelado por Price e Rathbone (e mais Peter Lorre), além também de “O Corvo” (The Raven, 1963), com Price e Karloff (e mais Peter Lorre e Jack Nicholson), e ainda outras sequências de “A Mansão do Terror” (The Pit and the Pendulum, 1961) e “O Solar Maldito” (The Fall of the House of Usher, 1960), ambos com Price. Todos os filmes foram dirigidos pelo rei dos filmes “B” Roger Corman, tiveram roteiro do cultuado escritor Richard Matheson e as histórias foram baseadas em contos do mestre Edgar Allan Poe. Com todos esses ingredientes, “A Casa do Terror” já está mais do que credenciada como um delicioso filme de entretenimento, pois como está bem escrito na capa da fita de vídeo VHS nacional, “Se Terror Total fosse prazer... viver aqui poderia ser o máximo da felicidade!”. Sábias e corretas palavras...
Em “A Casa do Terror”, Vincent Price interpreta o ator de filmes de horror de Hollywood Paul Toombes e seu mais importante personagem, o Dr. Morte (Dr. Death), astro de inúmeras películas do gênero. Após a morte misteriosa de sua noiva Ellen Mason (Julie Crosthwait), um ex-atriz de filmes pornô, que teve sua cabeça decepada na festa do noivado, Toombes fica abalado e abandona a carreira e seu personagem marcante. Passados doze anos, ele se transfere para Londres e a pedido de seu antigo amigo Herbert Flay (Peter Cushing), também ator e roteirista, Toombes é convencido a voltar a atuar como o Dr. Morte numa série para a televisão, através do traiçoeiro produtor Oliver Quayle (Robert Quarry). Porém, enquanto os trabalhos de filmagens dão início, mortes misteriosas passam novamente a acontecer e também a atormentar Toombes e seu personagem Dr. Morte, que torna-se suspeito pelos brutais assassinatos, seguido de perto por dois investigadores de polícia, Harper (John Garrie) e Bradshaw (Ian Thompson). Após as violentas mortes da jovem aspirante a atriz Elizabeth Peters (Linda Hayden), de seus pais adotivos que procuravam o responsável pela morte da moça, do diretor do seriado num acidente provocado no set de filmagens, da atriz assistente do Dr. Morte que foi enforcada, e finalmente da jovem Julia Wilson (Natasha Pyne), relações públicas da produtora, o ator Paul Toombes acaba supostamente enlouquecendo com o fantasma de seu personagem Dr. Morte e provoca um incêndio no estúdio num momento de revolta. Porém, ainda seriam reservadas cenas importantes na trama envolvendo seu amigo Herbert Flay e sua esposa meio maluca e criadora de aranhas Faye Carstairs (Adrienne Corri), uma antiga admiradora de Toombes e atriz de seus filmes, culminando num final bem interessante e fechando com chave de ouro um filme que é a síntese das produções de horror de um riquíssimo período que foi do final dos anos
Uma curiosidade é a exibição de trechos do filme “Muralhas do Pavor” como sendo “A Lenda do Dr. Morte” com Vincent Price / Paul Toombes, ou ainda “O Corvo” como sendo “Dr. Morte e o Carrasco”. Muito imaginativo... Outro momento bastante curioso é quando Toombes é entrevistado por Michael Parkinson para um programa de TV e acaba dissertando uma interessante opinião sobre o fascínio que os filmes de horror exercem sobre o público. O entrevistador pergunta: “Por que acha que seus filmes fazem tanto sucesso?”. E a resposta de Toombes (ou seria o próprio Price mesmo?): “Acho que por não se tratar deste mundo que vivemos. É um mundo preso dentro de nós. De instintos e impulsos que não admitimos, impulsos que às vezes nem sabemos que temos. Crueldade animal, violência brutal e sangue, estão domados e presos. Às vezes ficam rondando presos dentro de nós e uma hora eles suspiram que querem sair e nós não os libertamos. Os filmes fazem sucesso pois os libertam.” É para refletir...
Mais curiosidades são o fato de que um outro filme anterior muito interessante também, “Na Mira da Morte” (Targets, 1968), dirigido, produzido e escrito por Peter Bogdanovich, utilizou uma história similar a esse “A Casa do Terror”, onde o imortal ator Boris Karloff em uma de suas últimas participações no cinema, pois morreu no ano seguinte, interpreta um ator de filmes de horror, Byron Orlock, que frequentava um “drive-in” para promover um de seus filmes, sendo exibidas cenas de “Sombras do Terror / Terror no Castelo” (The Terror, 1963), com Karloff e Jack Nicholson e dirigido por Roger Corman. Enquanto assistia seu filme na tela gigante ao ar livre, um perturbado ex-soldado veterano da Guerra do Vietnã se escondia atrás da tela e atirava sem motivos com um rifle no público, sendo somente detido com a intervenção do herói e já bem idoso ator Orlock/Karloff. E também o fato de Vincent Price já ter interpretado um pouco antes do Dr. Morte um personagem muito similar e marcante na filmografia do horror, o psicopata e serial killer “Dr. Phibes”, em dois filmes dirigidos por Robert Fuest em 1971 e 1972.
O célebre e aristocrático ator Vincent Price faleceu em 1993, sendo seguido por seu amigo e igualmente magnífico e cavalheiro Peter Cushing, que morreu em 1994. Eles agora fazem parte de uma galeria de astros que não atuam mais, mas que estão imortais por suas participações em dezenas de inesquecíveis e nostálgicos filmes como esse “Madhouse”, que marcaram para sempre a história do cinema de horror.
“A Casa do Terror” (Madhouse, 1974) – avaliação: 8 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com
(postado em 09/12/05)
A Casa do Terror / A Casa dos Rituais Satânicos (Madhouse, Estados Unidos /
Inglaterra, 1974). American International / Amicus. Duração: 88 minutos.
Direção: Jim Clark. Roteiro: Greg Morrison e Ken Levison, baseado na obra
“Devilday” de Angus Hall. Produção: Max
J. Rosenberg e Milton Subotsky. Produção Executiva: Samuel Z. Arkoff.
Fotografia: Ray Parslow. Direção de Arte: Tony Curtis. Edição: Clive Smith.
Efeitos Especiais: Kerss & Spencer. Música: composta e conduzida por
Douglas Gamley. Elenco: Vincent Price, Peter Cushing,
Robert Quarry, Julie Crosthwait, Adrienne Corri, Linda Hayden, Natasha Pyne,
Michael Parkinson, John Garrie, Ian Thompson.