O Feiticeiro (1972)


Nós, unidos ao demônio, unidos para a eternidade, e na glória de seu nome, estamos dispostos a admití-la e honrá-la como uma de nós. A partir desta noite, lembre-se das palavras: Oh, grande senhor Lúcifer. Você e somente você é meu Deus.
- ritual de iniciação de uma jovem numa legião de feiticeiros

Os filmes que tratam sobre seitas satânicas, adoradores do diabo, possessão demoníaca e tudo relacionado à bruxaria, magia negra e artes ocultas sempre agridem e chocam fortemente o público que acompanha o cinema de horror. Principalmente por se tratarem de temáticas tabus da humanidade, que historicamente sempre temeu o mal, personificado na figura de um ser diabólico, uma criatura demoníaca que governa um universo eterno de sofrimento e dor.
Filmes como O Bebê de Rosemary (1968), Balada para Satã (71), O Exorcista (73), O Anticristo (74) e Profecia (76), citando apenas alguns que marcaram o final da década de 60 e início dos anos 70, chocaram as pessoas por mostrarem o mal tentando se infiltrar entre nós e fazer parte da realidade de nosso dia-a-dia. Um outro exemplo menor dessa mesma época é o filme O Feiticeiro (72), de Bert I. Gordon, com uma despretensiosa história de satanistas e necromancia (arte oculta para ressuscitar os mortos).

(Atenção: o texto a seguir contém spoilers)

Um jovem casal, Frank e Lori Brandon, interpretados por Michael Ontkean e Pamela Franklin, são convidados a morar numa pequena cidade interiorana americana chamada Lilith, onde Frank iria trabalhar numa obscura fábrica de brinquedos, de propriedade do misterioso Sr. Cato (Orson Welles). Lá chegando, eles acabam descobrindo que os moradores da cidade na verdade se revelam como adoradores do diabo. E toda a cidade é controlada pelo Sr. Cato, um obscuro líder de uma seita satânica e que tem como objetivo maior ressuscitar seu filho adolescente do mundo dos mortos, através de rituais de necromancia. Mas para o sucesso dessa técnica de bruxaria, ele precisa de Lori, que tem um raro poder de energia capaz de reviver pessoas mortas, exemplificado por um episódio onde ela devolve o sopro da vida, com o poder de sua mente, à uma amiga que havia se afogado numa piscina. Segundo esse ritual, a jovem trocaria de lugar na tumba com o filho do Sr. Cato, devolvendo-lhe novamente a vida e com Lori passando a fazer parte agora do além, encarcerada num fúnebre caixão. Para conseguir seu intento, o Sr. Cato é ajudado por Frank, que recebe grastificações para vender sua alma ao diabo e trair sua esposa conduzindo-a ao sacrifício em um macabro rito de necromancia. Lori vai aos poucos sendo envolvida pelo Sr. Cato e seus seguidores e inevitavelmente é controlada e seduzida pela magia negra de Lilith, confirmando no final seus terríveis pesadelos de horror, onde era atacada por ratos, despencava de abismos e participava de cerimônias demoníacas.

É um filme com produção paupérrima, diálogos simples e cheios de falhas, clichês comuns com todos os elementos característicos de fitas sobre seitas satânicas, fotografia escura demais que prejudica as cenas noturnas, e história com momentos irregulares com os inúmeros pesadelos dos personagens se confundindo com a própria realidade. Mas sem a presença de um final feliz, algo raro, e que deve ser sempre enaltecido, e com muita diversão, principalmente pela pobreza da produção e simplicidade do roteiro. Talvez por tudo isso, características de um filme de baixa produção, e pela presença de nomes conhecidos do cinema fantástico “B”, ele desperta um interesse e deve ser referência para todo fã de cinema de horror.
O realizador Bert I. Gordon escreveu, produziu e dirigiu O Feiticeiro. Ele é conhecido como Mr. B.I.G. (“grande” em inglês), que é uma referência às iniciais de seu nome, e aos inúmeros filmes que dirigiu com a temática de insetos gigantes (os chamados filmes “big bugs”). Ele foi responsável por diversas pérolas “B” do cinema fantástico ao longo das décadas de 50, 60 e 70 como King Dinosaur (55), The Amazing Colossal Man (57), The Beginning of the End (57), Cyclops (57), Attack of the Puppet People (58), War of the Colossal Beast (58), The Spider (58), Village of the Giants (65), The Food of the Gods (76, baseado em obra de H. G. Wells) e Empire of the Ants (77). A atriz Pamela Franklin foi vista em várias outras obras de horror como os clássicos Os Inocentes (61) e A Casa de Noite Eterna (73, com roteiro de Richard Matheson), além de outros filmes menores como Satan’s School for Girls (73) e The Food of the Gods (76). Já Orson Welles, grande nome do cinema mainstream, foi o diretor e atuou também no clássico Cidadão Kane (41), um dos mais importantes filmes da história e foi ator em outras produções conhecidas e importantes, como na comédia Cassino Royale (67), na aventura Moby Dick (56), e no drama de guerra Ardil 22 (70). Em O Feiticeiro, ele parece se divertir muito com seu papel de líder satânico.
O Feiticeiro foi lançado em vídeo VHS no Brasil pela “Look Vídeo” em meados da década de 80, no início do mercado de fitas seladas em nosso país, e hoje tornou-se objeto de grande raridade e de difícil disponibilidade nas locadoras. Só esse fato já desperta uma grande curiosidade, aliada à temática de seu roteiro e a presença de Bert I. Gordon, Pamela Franklin e Orson Welles em mais uma produção de baixo orçamento.

“O Feiticeiro” (The Witching, 1972) – avaliação: 6,5 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 10/12/05)

O Feiticeiro (The Witching / Necromancy: a Life for a Life, Estados Unidos, 1972). Duração: 83 minutos. Filmado em Samuel Goldwyn Studios, Hollywood, Los Angeles. Direção e produção: Bert I. Gordon. Roteiro: Bert I. Gordon e Gail March. Produção Executiva: Sidney L. Caplan e Gail March. Direção de Arte: Frank Sylos. Fotografia: Winton Hoch. Efeitos Especiais: William Vanderbyl. Edição: John Woelz e Terry Chiappe. Música: Fred Karger e Rob Walsh. Maquiagem: Don Schoensfeld. Elenco: Orson Welles, Pamela Franklin, Michael Ontkean, Lee Purcell, Harvey Jason, Lisa James, Sue Bernard, Terry Quinn, Stephen Knight, Anna Berglund, Barbara Peckinpaugh, Annie Gaybis.