O cineasta e
produtor americano Roger Corman, nascido em 1926 em Los Angeles , é um
daqueles nomes que ficaram marcados para sempre no gênero fantástico, através
de seus incontáveis filmes de baixo orçamento, feitos com um mínimo de recursos
compensados com muita criatividade e talento, lançando atores e diretores que se
tornaram muito famosos posteriormente. Um de seus primeiros filmes, e que virou
um clássico do humor negro, foi “A Pequena Loja dos Horrores” (The Little Shop
of Horrors), produzido em preto e branco em 1960, utilizando atores
desconhecidos na época como Jack Nicholson (numa pequena ponta), realizando as
filmagens em apenas dois dias, e ainda contando com incríveis efeitos
precários.
A história é narrada pelo detetive Sargento
Joe Fink (Wally Campo), que conta um caso policial envolvendo uma pequena
floricultura localizada no bairro pobre de “Skid Row”, onde trabalham o
proprietário Gravis Mushnik (Mel Welles), sua jovem filha Audrey Fulquard
(Jackie Joseph) e o empregado nerd Seymour Krelboin (Jonathan Haze).
O sonho de
Seymour é ser um botânico bem sucedido e se casar com Audrey, mas é tão
incompetente que para continuar no emprego ele teve que mostrar uma planta que
ele criou em casa, na tentativa de atrair as pessoas para a loja ao expor o
vegetal exótico e melhorar as vendas de flores em geral. Entre os
estranhos clientes da floricultura estão um comedor inveterado de flores,
Burson Fouch (Dick Miller), e uma mulher fanática por funerais, Sra. Siddie
Shiva (Leola Wendorff), tia do detetive Frank Stoolie (Jack Warford), parceiro
de Fink, e cujos parentes morrem a todo momento, justificando sua obstinação
por flores para os enterros. Outros clientes incluem duas garotas estudantes
adolescentes irritantes (interpretadas por Tammy Windson e Toby Michaels), que
querem comprar flores para os desfiles e eventos de sua escola.
Além de
totalmente atrapalhado, Seymour ainda tem a infelicidade de ter uma mãe
hipocondríaca e alcoólatra, Sra. Winifred (Myrtle Vail), que adora remédios e
especialmente um xarope para a tosse formado à base de álcool. Para tentar
manter seu emprego, o jovem apresenta então ao seu patrão Sr. Mushnik uma
planta esquisita obtida numa experiência de cruzamento entre outras duas, e a
qual ele batizou com o nome de Audrey Junior, em homenagem à moça por quem está
apaixonado. Apesar de Seymour criar a planta com água mineral e fertilizantes
especiais, o vegetal está sempre doente e não se desenvolve, até que ele
descobre acidentalmente que a planta na verdade gosta de sangue humano. Outra
revelação surpreendente para ele é o fato da planta falar e pedir
insistentemente para que seu dono a alimente. Porém, uma vez não tendo mais
como fornecer comida para Audrey Junior, impossibilitado de continuar a dar o
seu próprio sangue para a planta carnívora, Seymour involuntariamente provoca a
morte de um mendigo bêbado num atropelamento de trem. Ele então recolhe os
pedaços destroçados da vítima e não tendo como se livrar deles, acaba fornecendo
como alimento para a criatura vegetal, que uma vez nutrida com carne humana
passa a crescer assustadoramente de tamanho e despertar a curiosidade das
pessoas, que começam a visitar a loja e aumentar as vendas e encomendas de
flores, enchendo de dinheiro os bolsos do Sr. Mushnik.
Enquanto isso,
um outro cliente da floricultura, igualmente fora dos padrões de normalidade, é
o dentista sádico Dr. Farb (John Herman Shaner), que adora barbarizar seus
pacientes, divertindo-se com as dores que eles sentem ao manusear sua broca e
alicate especial para arrancar dentes. Nesse momento surge o personagem doentio
de Jack Nicholson, interpretando Wilbur Force, um masoquista que faz os
serviços funerários para os parentes da Sra. Shiva, e que não gosta de
anestesia e adora ir ao dentista sofrer as terríveis dores de seus dentes
arrancados.
Como Audrey
Junior estava crescendo e chamando a atenção de todos, uma representante da
exótica “Sociedade dos Observadores Silenciosos de Flores”, Hortence
Feuchtwanger (Lynn Storey), vinda especialmente da California, chega anunciando
que eles pretendem premiar o criador da planta com um troféu. Mas, depois de
outras vítimas tornarem-se alimento para a insaciável criatura carnívora, como
um ladrão e uma bela garota de programa, Leonora Clyde (Meri Welles), que
tentou seduzir Seymour, e com os corpos desaparecidos despertando a atenção e
investigação da polícia, o atrapalhado rapaz percebe o quanto as coisas ao seu
redor ficaram fora de controle e tenta achar uma solução para a enorme confusão
em que se meteu.
“A Pequena
Loja dos Horrores” é uma divertida comédia de humor negro, super curta (apenas
72 minutos), fotografada em preto e branco, sem efeitos especiais, e com uma
história simples e despretensiosa, porém carregada de piadas sutis num grande
programa de entretenimento. Todas as sequências envolvendo a planta carnívora
são totalmente hilariantes, principalmente quando ela pede de forma enérgica
para que seu criador lhe alimente (“Feed me!”) com sangue e carne humanos.
Todos os personagens são esquisitos de forma proposital, e possuem uma relação
engraçada entre eles, numa ideia interessante do roteiro. A cena envolvendo o
masoquista Wilbur, muito bem interpretado por Nicholson já demonstrando um
incrível talento na arte de atuar, é uma das partes mais antológicas do filme,
mesmo sendo muito rápida. Reparem na leitura macabra que ele fez de uma revista
de nome sugestivo enquanto aguardava na sala de espera a sua vez de sofrer com
o dentista (esse texto está reproduzido no final desse artigo).
O filme já havia sido lançado no Brasil em vídeo VHS pela extinta
“VTI” com o nome de “A Loja dos Horrores” e foi lançado em Junho de 2004 em DVD
com distribuição nas bancas, através da revista “DVD World Classic”, ano I,
número 03, da “Editora D+T”, de São Paulo/SP. Como material extra, veio apenas
uma biografia até que bem detalhada de Jack Nicholson, com informações de sua
carreira bem sucedida e citação de vários filmes importantes. Ele que na
atualidade é um dos mais famosos e requisitados atores do cinema comercial.
Porém, a editora cometeu uma série de erros grosseiros ao lançar o DVD por
aqui. Primeiro, eles colocaram a capa de um filme homônimo que foi lançado em
1986, um dispensável musical que foi baseado no clássico de Roger Corman, onde
aparece claramente o ator Rick Moranis (que interpretou o nerd Seymour na
refilmagem). Segundo, eles publicaram na contra capa do DVD uma sinopse cheia
de falhas, com detalhes que nem existem na história do filme de 1960, trocando
o nome do dentista, do correto Dr. Farb para Orin Scrivello (feito por Steve
Martin no filme de 1986), além de trocar o nome da planta de Audrey Junior para
Audrey II (do musical dos anos 80). E para chamar a atenção dos colecionadores,
a editora colocou em destaque o nome de Jack Nicholson na capa, quando na
verdade o ator estava apenas em início de carreira e teve uma participação
muito pequena, de não mais de 5 minutos, e sendo apenas creditado oficialmente
no fim da lista do elenco. Isso pode até ser compreensível, pois é comum esse
procedimento de marketing para tentar convencer o público a conhecer o filme (o
mesmo aconteceu com outro lançamento de DVD de banca pela “NBO Editora”,
envolvendo a atriz Meg Ryan no filme “Amityville 3-D”). Mas colocar a capa de
outro filme e errar grosseiramente na sinopse como fizeram com a preciosidade
do cinema fantástico “A Pequena Loja dos Horrores”, a única coisa que podemos
enfatizar é que é um erro gravíssimo.
Curiosamente, o roteirista Charles B. Griffith, que
muito inspirado escreveu um filme repleto de piadas inteligentes e discretas,
participou de forma não creditada no elenco também, fazendo a voz decidida de
Audrey Junior, a insaciável planta comedora de gente, além de aparecer
rapidamente em carne e osso como um paciente que grita de dor nas mãos do
sádico dentista Dr. Farb. Outra curiosidade é que o filme recebeu também o nome
original alternativo de “The Passionate People Eater”, e no Brasil foi exibido
na televisão pela “TV Cultura” de São Paulo/SP como “A Loja dos Horrores”, numa
versão legendada.
O ator americano Jack Nicholson, que nasceu John
Joseph Nicholson em 22/04/1937 em
New Jersey , teve sua carreira lançada pelo cineasta Roger
Corman, o “Rei dos Filmes B”, ao participar de alguns filmes do gênero
fantástico entre o final do anos 50 e início da década de 60, como “Cry Baby
Killer” (58), “O Corvo” (The Raven) e “Sombras do Terror” (The Terror), ambos
em 1963. Ele construiu uma excepcional carreira a partir de então e estrelou
uma infinidade de filmes importantes que lhe garantiram prêmios do cobiçado
“Oscar”. Sendo que no gênero fantástico, podemos citar alguns exemplos sempre
lembrados em sua filmografia de sucesso como “O Iluminado” (80), de Stanley
Kubrick e com história baseada em livro de Stephen King, “As Bruxas de
Eastwick” (87), “Batman” (89), de Tim Burton, no papel do vilão Coringa, “Lobo”
(94), ao lado da bela Michelle Pfeiffer, e a paródia “Marte Ataca” (96),
homenagem de Tim Burton aos filmes “B” de ficção científica dos anos 50.
“A Pequena Loja dos Horrores”, assim como também
“Farsa Trágica” (The Comedy of Terrors, 63), com o quarteto fantástico Vincent
Price, Boris Karloff, Peter Lorre e Basil Rathbone, são dois excelentes
exemplos da década de 60 do melhor humor negro de todos os tempos, e que são
altamente recomendáveis para os apreciadores do cinema de horror sutil com
elementos discretos de comédia macabra, cuja agradável combinação tem como
resultado impagáveis momentos de diversão.
“O paciente
chegou com um grande buraco no abdômen, causado por um atiçador de brasa usado
por sua esposa. Ele quase sangrou até a morte e a gangrena se instalou. Eu não
lhe dei muitas chances. Haviam outras complicações. O homem tinha câncer,
tuberculose, lepra e estava gripado. Eu decidi operá-lo...”
– leitura de um
trecho de um depoimento na revista “Pain” (Dor), lida pelo masoquista Wilbur
Force, enquanto aguardava pacientemente sua consulta odontológica, esperando
sentir muita dor.
“A Pequena Loja dos Horrores” (The Little Shop of Horrors, 1960) #
259 – data: 10/06/04 – avaliação: 9 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com
(postado em 08/12/05)
A Pequena Loja dos Horrores (The Little Shop of Horrors, Estados
Unidos, 1960). AIP (American International Pictures). Preto e Branco. Duração:
72 minutos. Direção e Produção de Roger
Corman. Roteiro de Charles B. Griffith. Fotografia de Archie R. Dalzell e Vilis
Lapenieks. Música de Fred Katz. Edição de Marshall Neilan Jr.. Direção de Arte
de Daniel Haller. Maquiagem de Harry Thomas. Elenco: Jonathan Haze (Seymour
Krelboin), Jackie Joseph (Audrey Fulquard), Mel Welles (Gravis Mushnik), Dick
Miller (Burson Fouch), Myrtle Vail (Winifred Krelboin), Tammy Windson e Toby
Michaels (Garotas adolescentes), Leola Wendorff (Siddie Shiva), Lynn Storey
(Hortence Feuchtwanger), Wally Campo (Detetive Sargento Joe Fink / Narrador),
Jack Warford (Detetive Frank Stoolie), Meri Welles (Leonora Clyde), John Herman
Shaner (Dr. Farb), Jack Nicholson (Wilbur Force), Charles B. Griffith (voz de
Audrey Junior / Paciente que grita de dor no dentista).