O produtor e diretor Roger Corman é conhecido como um dos principais realizadores dos chamados filmes de baixo orçamento, principalmente dos gêneros horror e ficção científica, e mais notavelmente na década de 1960, período mais produtivo e criativo de sua carreira. Ele é o responsável por diversas e eternas pérolas do cinema fantástico, como “A Loja dos Horrores” (1960), “Muralhas do Pavor” (1962), “O Corvo”, “O Homem dos Olhos de Raios-X” e “O Castelo Assombrado” (todos de 1963), ou “A Máscara Mortal” (1964), citando apenas alguns de sua extensa filmografia.
Ele trabalhou com atores veteranos e imortais como Boris Karloff, Vincent Price e Peter Lorre, ou ainda jovens promessas na época como Ellen Burstyn, Jack Nicholson e Robert De Niro, esses dois últimos são considerados hoje entre os maiores atores em atividade na indústria de cinema.
Ele também lançou grandes profissionais por detrás das câmeras como Peter Bogdanovich, Martin Scorsese ou Francis Ford Coppola, este último um dos mais respeitados diretores da atualidade com obras como a trilogia sobre a máfia “O Poderoso Chefão” (1972 / 74 / 90), o clássico da Guerra do Vietnã “Apocalypse Now” (1979), ou ainda o horror de “Drácula de Bram Stocker” (1992), entre vários outros filmes de grande relevância.
O que poucos sabem é que o primeiro filme de Coppola foi na verdade uma história de horror, justamente quando ele trabalhava na equipe de produção de Roger Corman, que deu a oportunidade para ele dirigir “Demência 13” (Dementia 13), com roteiro do próprio Coppola. Na época, ele assinava somente como Francis Coppola, sem o nome intermediário “Ford”, que passou a usar somente mais tarde, a partir de seus próximos filmes.
“Demência 13” é um típico filme “B”, filmado em preto e branco em 1963 em locações na Irlanda. Roger Corman estava querendo um roteiro de uma história como elementos similares aos do clássico “Psicose” (1960), dirigido por Alfred Hitchcock poucos anos antes, algo envolvendo uma maldição familiar. Coppola escreveu então seu argumento e ao apresentá-lo à Corman, recebeu a oportunidade de dirigir o seu primeiro filme.
(Atenção: o texto a seguir contém spoilers)
O filme conta a história de uma maldição envolvendo uma nobre família irlandesa que vive no enorme Castelo Haloran, uma edificação de pedra no melhor estilo gótico, e que foi atingida por uma tragédia envolvendo a morte de Kathleen (Barbara Dowling), uma jovem criança que afogou-se no lago da residência quando brincava com seu irmão Billy. Após o acidente fatal, a família se separou ficando apenas a matriarca Lady Haloran (Eithne Dunn) vivendo no castelo com seus criados Arthur (Ron Perry) e Lillian (Derry O´Donovan).
Porém, a família, formada ainda pelos irmãos John (Peter Read), o escultor de estátuas Richard (William Campbell) e o jovem Billy Haloran (Bart Patton), se reúne todos os anos para celebrar o memorial da morte da irmã Kathleen, cuja sepultura nos jardins do castelo é mantida sempre revestida de flores por sua mãe, que sente-se culpada pela morte da criança e nunca se recuperou da perda prematura da filha.
Exatamente sete anos mais tarde, a família reúne-se novamente para mais um memorial. Porém, antes de partir para o castelo, John, que sofre do coração, tem um ataque cardíaco e seu corpo é ocultado por sua esposa Louise (Luana Anders) para que Lady Haloran não saiba da morte do filho e possa incluí-la no testamento da família. E para se juntar a eles, a noiva de Richard, Kane (Mary Mitchell), vem de Londres com o objetivo também de se casar o mais rápido possível.
Enquanto a família está novamente reunida, um assassino começa a atuar nas imediações do castelo utilizando um machado para dilacerar suas vítimas. Após o desaparecimento de Louise, mortalmente golpeada com machadadas, e de um vizinho caçador, Simon (Karl Schanzer), decepado violentamente enquanto se arrastava pelo chão à procura de coelhos selvagens, além da loucura se apossar da mente de Lady Haloran, o médico da família, Dr. Justin Cale (Patrick Magee), é chamado para ajudar e ele passa a investigar a maldição que ronda o local envolvendo a morte da jovem Kathleen no lago.
Os destaques ficam por conta das assustadoras locações, o castelo macabro, e a fascinante concepção visual que mesclada a uma trilha sonora sobrenatural combinam perfeitamente para um ambiente de horror. Sem contar a forte violência para a época da produção, com as cenas dos assassinatos de Louise no lago, com seu sangue misturando-se às águas saindo de seu corpo por poderosos golpes de machado, e a decapitação precisa de Simon com sua cabeça rolando também para as águas misteriosas do lago.
Existem similaridades em sua história com o clássico “Psicose”, na idéia central de uma família atormentada por uma maldição. Em “Psicose”, um assassino psicopata, Norman Bates (Anthony Perkins), está obcecado pela influência de sua mãe super protetora mesmo após sua morte. Ele guarda o cadáver da mãe e a loucura se apossa de sua mente com ele apresentando uma dupla personalidade, a sua própria e uma doentia influenciada pela mãe morta. Já em “Demência 13”, uma família é tragicamente atingida pela morte prematura de uma menina por afogamento num acidente envolvendo um de seus irmãos. Alguns anos mais tarde, a loucura atinge parte de seus membros e um assassino portando um machado começa a rondar o castelo em que vivem.
A famosa cena do assassinato do chuveiro em “Psicose”, onde uma jovem garota (interpretada por Janet Leigh) é violentamente esfaqueada quando tomava o banho, tem o seu paralelo em “Demência 13”, na cena onde uma mulher também é violentamente morta com golpes de machado quando saía de um lago.
A década de 1960 foi extremamente significativa para o cinema de horror, num período em que foram produzidos dezenas de filmes de baixo orçamento, porém com qualidades que marcaram para sempre a história do gênero. Um filme como “Demência 13”, assinado por Roger Corman e Francis Ford Coppola, fotografado em preto e branco, com uma história de horror clássica, castelo gótico, mortes violentas para a época, e sendo uma obra que poucos conhecem... não é preciso dizer mais nada... a diversão é garantida.
Observação: O filme foi lançado no mercado brasileiro de vídeo VHS pela “Continental” em 1997 como “Dementia 13”, fora de catálogo há muito tempo. E também foi distribuído em DVD pela “Multi Media Group” como “Demência 13”, em 2005, trazendo como materiais extras a biografia e filmografia do diretor Francis Ford Coppola, além de uma galeria com 20 fotos do cineasta e cartazes de alguns de seus filmes.
“Demência 13” (Dementia 13, 1963) – avaliação: 8 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 07/12/05)
Demência 13 (Dementia 13 / The Haunted and the Hunted, Estados Unidos, 1963). Preto e Branco. Duração: 75 minutos. Direção e roteiro de Francis Ford Coppola. Produção de Roger Corman. Fotografia de Charles Hannawait. Direção de Arte de Albert Locatelli. Música de Ronald Stein. Elenco: William Campbell, Luana Anders, Patrick Magee, Bart Patton, Mary Mitchel, Eithne Dunn, Peter Read, Karl Schanzer, Ron Perry, Derry O´Donovan, Barbara Dowling.