“Somos seres humanos e só o que temos para enfrentar o futuro é a experiência do passado. Infelizmente, sobrou pouca coisa de nossa história, do nosso conhecimento. Não gostaria de encontrar esse conhecimento perdido?”
Dr. Amos Cummings, cientista
O cinema fantástico é fascinante por abordar com grande liberdade uma série de argumentos básicos que instigam nossa imaginação. As viagens no tempo, seja ao passado ou futuro, sempre exerceram uma incrível curiosidade nos apreciadores de Ficção Científica, e o cinema já apresentou uma infinidade de filmes memoráveis explorando histórias nessa temática. Desde o clássico “A Máquina do Tempo” (The Time Machine, 1960), produzido e dirigido por George Pal a partir de livro homônimo de H. G. Wells (e que teve uma refilmagem em 2001 dirigida por seu bisneto Simon Wells), passando pela nostálgica série de TV “O Túnel do Tempo” (The Time Tunnel, 1966), produzida pelo lendário Irwin Allen, chegando até a divertida trilogia “De Volta Para o Futuro”, de Robert Zemeckis, produzida entre 1985 e 90, somente para citar alguns poucos exemplos; que as viagens no tempo nos fascinam com a possibilidade de testemunharmos situações já conhecidas no passado ou entrarmos em contato com eventos que ainda estão para acontecer.
Em 1976, foi produzido um filme curto especialmente para a televisão, e que deveria ser o piloto para uma série que não foi efetivada. Trata-se de “Degraus Para o Passado” (Time Travelers), fruto da combinação entre uma história do cultuado Rod Serling (criador da série original de “Além da Imaginação”) com o consagrado produtor Irwin Allen (de nostálgicas séries de meados dos anos 1960 como “Perdidos no Espaço”).
A história é ambientada no tempo presente da produção do filme, ou seja, 1976, onde uma doença mortal estava matando muitas pessoas com a possibilidade de desencadear uma epidemia de proporções catastróficas. Batizada apenas de “XB”, os médicos e cientistas não estavam conseguindo encontrar uma cura rápida e a única informação que possuíam era que a doença tinha similaridades com uma praga que surgiu numa terrível onda de calor no século XIX conhecida como “febre do bosque” e que foi combatida com sucesso pelo Dr. Joshua Henderson (Richard Basehart), mas cujas anotações e registros se perderam para sempre num incêndio colossal e histórico ocorrido em Chicago em 09/10/1871.
A única forma de obter essas informações vitais para combater a doença no presente, era a realização de uma viagem ao passado, antes do incêndio que destruiu a cidade de Chicago. Para essa tarefa fantástica, uma fundação científica que estuda o tempo convoca um prestigiado patologista, o Dr. Clinton Ernshaw (Sam Groom), para acompanhar um ex-astronauta, Jeff Adams (Tom Hallick), numa perigosa missão viajando 105 anos para o passado na tentativa de obter a cura para a doença. Uma vez persuadido pelos responsáveis do projeto, o cientista ganhador de Prêmio Nobel Dr. Amos Cummings (Booth Colman) e sua assistente Dra. Helen Sanders (Francine York), o médico aceita participar da missão como um desafio de recuperar um importante conhecimento perdido da humanidade, e que poderia auxiliar na solução de problemas no futuro.
A previsão de chegada deles em Chicago era para ser em quatro dias antes do incêndio, mas num erro de cálculo dos computadores (sempre eles...), acabaram chegando com a antecedência de apenas um dia, tornando a missão ainda mais complicada e perigosa. Eles então conhecem o Dr. Henderson, um homem excêntrico e fumante inveterado, e são apresentados para sua bela sobrinha, a enfermeira Jane (Trish Stewart). Mas uma série de eventos não previstos irão dificultar a missão dos viajantes do tempo.
“Degraus Para o Passado” é um daqueles típicos filmes divertidos de ficção científica de baixo orçamento, que eram exibidos com frequência na saudosa “Sessão da Tarde” da TV Globo, e que tive o privilégio de gravar em vídeo VHS em 1990 quando foi exibido na igualmente nostálgica “Sessão Corujão” numa madrugada perdida qualquer. Infelizmente nem de madrugada é exibido mais, tornando-se objeto raro de colecionador. O filme parece mesmo um episódio de série de TV e que acabou tornando-se um piloto independente, apresentando uma história interessante de viagem no tempo, mais especificamente ao passado, pois é sempre mais barato reproduzir um evento do passado do que do futuro, onde nesse caso certamente necessitaria de muito mais recursos de produção para a construção dos cenários e a realização de uma ambientação convincente.
O nome nacional ficaria melhor se fosse a tradução literal do original, “Viajantes do Tempo”, mas o título escolhido ficou bom também já que tem relações diretas com a história, pois os viajantes do tempo partem numa missão ao passado utilizando justamente uma escadaria como ponto de encontro entre as diferentes épocas.
Como produção de poucos recursos, praticamente não existem efeitos especiais em “Degraus Para o Passado”, e seus realizadores preferiram investir mais na própria história. Para se ter uma ideia da precariedade técnica do filme, a máquina do tempo é na verdade uma sala do laboratório, pouco mostrada, onde os viajantes descem uma escada e num efeito simples simulando uma passagem para outro tempo, eles vão parar na Chicago vitoriana, também descendo uma escadaria no meio da cidade. O retorno é similar, utilizando apenas o mesmo processo ao contrário, subindo a mesma escadaria. Curiosamente, a sala de controle da fundação científica está repleta daqueles imensos computadores típicos dos filmes dos anos 60 e 70, com uma infinidade de luzes piscando nos painéis e enormes rolos de fitas magnéticas girando sem parar.
O produtor, diretor e eventualmente roteirista americano Irwin Allen (1916 / 1991) é muito conhecido e cultuado por suas fantásticas criações que encantaram gerações de fãs por todo o mundo, em séries de TV dos anos 60 como “Perdidos no Espaço”, “Viagem ao Fundo do Mar” e “Terra de Gigantes”, além de dirigir filmes de FC e aventura como “O Mundo Perdido” (60), “Cinco Semanas Num Balão” (62) e “Cidade Sob o Mar” (71), e os chamados filmes catástrofe como “O Destino do Poseidon” (72) e “Inferno na Torre” (74). Sua contribuição para a história do cinema fantástico é altamente significativa e sua obra certamente permanecerá eterna na memória de todos aqueles que viveram intensamente suas aventuras em mundos de imaginação.
Já o escritor Rod Serling (1924 / 1975) é conhecido por ser o criador da mais importante série de TV de FC e Horror de todos os tempos, “Além da Imaginação” (The Twilight Zone, 1959/65), para a qual escreveu 92 episódios. A série inspirou um filme em 1983 (“No Limite da Realidade”), e mais duas outras séries homônimas inferiores, uma produzida em 1985 e outra mais recentemente entre 2002 e 2003. Ele também é o criador de outra série magnífica, “Galeria do Terror” (Night Gallery, 1970/72), além de escrever os roteiros de filmes consagrados como “O Planeta dos Macacos” (68) e “Retratos de Um Pesadelo” (69).
Do elenco de “Degraus Para o Passado”, vale destacar a presença marcante de Richard Basehart (1914 / 1984) como o Dr. Joshua Henderson. Ator frequentemente visto na televisão, ele é mais lembrado pelo papel do Almirante Harriman Nelson na série “Viagem ao Fundo do Mar”, do próprio Irwin Allen, além de participar de outras séries dos anos 50 a 70 como “Gunsmoke”, “Cidade Nua”, “Rota 66”, “Combate”, “Além da Imaginação”, “Havaí 5-0”, “São Francisco Urgente” e “Os Pioneiros”. Sua carreira é composta de aproximadamente 70 filmes, onde destacam-se no gênero fantástico “Cidade Sob o Mar” (71) e “A Ilha do Dr. Moreau” (77), este baseado em obra de H. G. Wells. Curiosamente, o ator Sam Groom, que interpretou o Dr. Earnshaw em “Degraus Para o Passado”, um dos viajantes do tempo, fez parte do elenco fixo da série “O Túnel do Tempo”, sendo o técnico Jerry, constantemente visto na sala de controle. E o veterano Booth Colman, que fez o Dr. Amos Cummings, foi o orangotango Conselheiro Zaius na série de TV “O Planeta dos Macacos” (74).
“Degraus Para o Passado” (Time Travelers, 1976) – avaliação: 7 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com.br / blog: www.juvenatrix.blogspot.com.br (postado em 09/12/05)
Degraus Para o Passado (Time Travelers, Estados Unidos, 1976). Duração: 78 minutos. Direção de Alexander Singer. Roteiro de Jackson Gillis, baseado em história de Rod Serling e Irwin Allen. Produção de Irwin Allen. Produção Executiva de Arthur Weiss. Música de Morton Stevens. Fotografia de Fred Jackman Jr.. Edição de Bill Brame. Direção de Arte de Eugène Lourié. Elenco: Sam Groom (Dr. Clinton Earnshaw), Tom Hallick (Jeff Adams), Francine York (Dra. Helen Sanders), Richard Basehart (Dr. Joshua P. Henderson), Trish Stewart (Jane Henderson), Booth Colman (Dr. Amos Cummings), Walter Brooke (Dr. Stafford), Patrick Culliton (Clarence Younger), Dort Clark (Sharkey), Jon Cedar (Pegleg), Gil Lamb (Hansom Cabby), Ed Ness (Joe), Kathleen Bracken (Katherine), Richard Webb (Sargento da polícia), Victoria Paige Meyerink (Betty), Fred Borden, Baynes Barron, Albert Cole, Rita Lupino.