Um dos maiores clássicos da ficção científica mundial e um dos expoentes máximos do cinema expressionista alemão da década de 20, Metrópolis, filme mudo dirigido por Fritz Lang em 1926, impressiona até hoje por seu visual futurista, com cenários e efeitos especiais fantásticos descrevendo uma enorme megalópole controlada por poderosos industriais utilizando uma imensa força de trabalho braçal de uma população renegada e condenada à escravidão, para manter sua oponência e grandiosidade.
Na cópia lançada em vídeo VHS no Brasil pela Continental, os seus longos 140 minutos mostram um espetacular show de imagens que muito influenciariam toda a história da ficção científica posterior, desde a concepção das imensas cidades do futuro, a apresentação de um dos mais famosos robôs de todos os tempos, quanto a estrutura política com seus regimes totalitários dividindo radicalmente a elite do proletariado.
O ano é 2026 no filme, exatamente cem anos a frente de sua produção. Nesse futuro obscuro, o mundo está dividido em duas classes sociais extremamente distintas, a elite dominante representando a mente que planeja, vivendo na superfície em imensas estruturas arquitetônicas rodeadas por um fluxo constante de trens, carros e veículos voadores, e os operários que representam a mão que constrói, vivendo como escravos em sua cidade nas profundezas muito abaixo do solo. Entre eles estão as grandiosas máquinas enterradas no subsolo, porém ainda assim muito acima do lar dos operários, que funcionam para manter o conforto e prazer dos lordes de Metrópolis, operadas ininterruptamente pelos trabalhadores prisioneiros. Essas monstruosas máquinas, típicas dos filmes de FC antigos, eram repletas de grandes alavancas de acionamento, luzes piscando para todos os lados, painéis enormes cobertos de relógios, mostradores analógicos, manípulos e válvulas de todos os tipos. Elas representavam a energia que mantinha o luxo para os ricos de Metrópolis e ao mesmo tempo eram os instrumentos de tortura para os pobres que a operavam incessantemente.
Considerados à margem da civilização, os trabalhadores contém seu compreensível desejo de revolta graças à liderança espiritual da filha de um deles, Maria (Brigitte Helm), que prega a paz conciliadora entre as classes sociais em reuniões regulares com a massa trabalhadora, nas antigas catacumbas ainda mais abaixo da cidade dos operários. Em suas palestras, ela pede a paciência deles em aguardar pacificamente o surgimento de alguém de “coração” que fará o papel de mediador para o entendimento entre os criadores de Metrópolis, o “cérebro que planeja”, e o proletariado, “as mãos que constróem”.
Quando Freder (Gustav Frohlich), o filho de um importante dirigente da cidade, John Fredersen (Alfred Abel), conhece e se apaixona por Maria, tem início uma grandiosa e incansável luta de igualdade de classes. Ele vai até as profundezas para conhecer a vida dos trabalhadores e testemunha um horrível acidente em uma das enormes máquinas, que explodiu devido à falha de um dos operários que desmaiou exausto, causando destruição com vários mortos e feridos. Como algo rotineiro e insignificante, a máquina logo é consertada e novos grupos de operários rapidamente voltam a movimentá-la. Indignado com o que presenciou, Freder se infiltra entre eles trocando sua identidade com um dos operários, sentindo na pele sua torturante jornada de trabalho e conhecendo sua rotina de vida diária sem liberdade.
Enquanto isso, o industrial John Fredersen descobre a existência de mapas das antigas catacumbas nos uniformes dos operários mortos no acidente com a máquina e presencia uma das pregações da líder Maria, juntamente com o cientista “louco” Rotwang (Rudolph Klein-Rogge), criador de um fantástico robô, que revolucionaria num futuro breve substituindo os trabalhadores por máquinas parecidas com o homem, com a vantagem de não se cansarem, reclamarem ou precisarem se alimentar. O dirigente de Metrópolis solicita então ao cientista que aprisione Maria e fizesse um clone dela com o andróide que ele criou, com o objetivo dela se infiltrar entre os trabalhadores substituindo a Maria real e alterando seu discurso de paz, incitando-os à discórdia, violência e a destruição das máquinas. Os operários logo partem para uma revolta e uma imensa massa passa a destruir as máquinas ocasionando a explosão dos reservatórios de água que inundaram sua cidade subterrânea colocando em risco suas próprias famílias.
Ao perceberem o erro que cometeram, eles se voltam contra o andróide de Maria que incitou-os à destruição, e o queimam numa estaca como uma bruxa da antiga inquisição européia. Na fogueira, com a ação das chamas o robô retorna a sua imagem original, uma espécie de armadura de aço, causando surpresa aos trabalhadores motinados. Nesse momento, a verdadeira Maria consegue escapar do laboratório de Rotwang e encontra Freder, onde juntos conseguem salvar os filhos dos operários da inundação da cidade e avisam a eles que suas famílias estavam a salvo, acalmando sua fúria, mas não impedindo uma forte luta entre o jovem e herói Freder e o cientista “louco” Rotwang que os leva até o topo de um prédio e culmina com a morte do cientista numa queda fatal.
Finalmente a massa de trabalhadores liderados pelo capataz do dínamo central, a principal máquina que mantém Metrópolis, e o dirigente John Fredersen, se reúnem para uma conciliação, o que se efetiva através do “coração mediador” de Freder, que une as mãos de ambos num aperto que selaria a paz e convivência com igualdade social.
O que é mais expressivo nesse clássico do cinema fantástico é inegavelmente os grandiosos cenários e o visual impressionante de uma metrópole futurista, que se sobrepõe ao roteiro e às interpretações do elenco. As cenas também da transformação do sensual robô no clone de Maria são épicas e antológicas, estando entre as mais significativas e inesquecíveis da história da ficção científica no cinema. O laboratório do cientista “louco” Rotwang apresenta todos os elementos característicos da FC da época, com enormes máquinas elétricas, eletrodos, alavancas, botões, equipamentos químicos, etc., que influenciariam inúmeras obras a seguir como o fantástico laboratório científico do Dr. Frankenstein em seu filme homônimo de 1931. O cientista Rotwang encarnou o típico personagem insano em meio às suas experiências científicas e ameaçadoras para a humanidade, o que seria eternamente visto em outras produções de horror e ficção científica dos anos seguintes, como a influência clara em Dr. Fantástico (1964, de Stanley Kubrick), onde seu cientista “louco” Dr. Strangelove, interpretado pelo magnífico Peter Sellers, e o Rotwang de Metrópolis tem a mesma mão direita mecânica.
Seu roteiro tem claras ideologias políticas e metáforas com a Alemanha da época de sua produção, como a cidade dos operários nos subterrâneos representando os discriminados guetos judeus. Politicamente existe duas teorias sobre o final do filme, uma mostrando a derrota do totalitarismo com o dirigente principal da metrópole aceitando a participação do proletariado no poder também, e outra onde esse ato de conciliação das classes sociais significaria a vitória da elite dominante conseguindo a aproximação do povo e sua consequente submissão ideológica. A mitologia também está presente na obra, com a bela cidade da superfície e os subterrâneos representando o paraíso e o inferno respectivamente, e com o jovem Freder descendo ao inferno e presenciando os tormentos de um mundo artificial sem liberdade, para tornar-se um “salvador” da paz entre as classes sociais, conforme profetizado pela líder dos operários e sua amada Maria.
Metrópolis é monumental em todos os aspectos, é um épico da ficção científica que durou quase um ano e meio de produção, envolveu cerca de trinta e sete mil extras e foi o maior orçamento na Alemanha até então, porém não foi um sucesso de bilheteria como esperava-se e o prejuízo financeiro para sua produtora Universum Film foi significativa. O diretor Fritz Lang rumou depois para os Estados Unidos, sendo reconhecido como um dos grandes cineastas de seu tempo. Esperamos que o futuro obscuro que ele previu em seu filme não se concretize na realidade, e possamos finalmente nessa primeira metade de um novo século (e milênio) vivermos com a tão esperada paz política e tecnológica, sem guerras e preconceitos, típicos do ser humano.
“Metrópolis” (Metropolis, 1926) – avaliação: 9 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 01/12/05)
Metrópolis (Metropolis, Alemanha, 1926) – Universum Film A. G., preto e branco, mudo, 140 minutos. Direção de Fritz Lang. Roteiro de Fritz Lang e Thea Von Harbou. Fotografia de Karl Freund e Gunther Rittau. Produção de Erich Pommer. Música de Gottfried Huppertz. Efeitos Especiais de Eugene Schufftan. Com Brigitte Helm (Maria), Alfred Abel (John Fredersen), Gustav Frohlich (Freder), Rudolph Klein-Rogge (Rotwang), Heinrich George, Fritz Rasp. Em vídeo VHS pela Continental.
Na cópia lançada em vídeo VHS no Brasil pela Continental, os seus longos 140 minutos mostram um espetacular show de imagens que muito influenciariam toda a história da ficção científica posterior, desde a concepção das imensas cidades do futuro, a apresentação de um dos mais famosos robôs de todos os tempos, quanto a estrutura política com seus regimes totalitários dividindo radicalmente a elite do proletariado.
O ano é 2026 no filme, exatamente cem anos a frente de sua produção. Nesse futuro obscuro, o mundo está dividido em duas classes sociais extremamente distintas, a elite dominante representando a mente que planeja, vivendo na superfície em imensas estruturas arquitetônicas rodeadas por um fluxo constante de trens, carros e veículos voadores, e os operários que representam a mão que constrói, vivendo como escravos em sua cidade nas profundezas muito abaixo do solo. Entre eles estão as grandiosas máquinas enterradas no subsolo, porém ainda assim muito acima do lar dos operários, que funcionam para manter o conforto e prazer dos lordes de Metrópolis, operadas ininterruptamente pelos trabalhadores prisioneiros. Essas monstruosas máquinas, típicas dos filmes de FC antigos, eram repletas de grandes alavancas de acionamento, luzes piscando para todos os lados, painéis enormes cobertos de relógios, mostradores analógicos, manípulos e válvulas de todos os tipos. Elas representavam a energia que mantinha o luxo para os ricos de Metrópolis e ao mesmo tempo eram os instrumentos de tortura para os pobres que a operavam incessantemente.
Considerados à margem da civilização, os trabalhadores contém seu compreensível desejo de revolta graças à liderança espiritual da filha de um deles, Maria (Brigitte Helm), que prega a paz conciliadora entre as classes sociais em reuniões regulares com a massa trabalhadora, nas antigas catacumbas ainda mais abaixo da cidade dos operários. Em suas palestras, ela pede a paciência deles em aguardar pacificamente o surgimento de alguém de “coração” que fará o papel de mediador para o entendimento entre os criadores de Metrópolis, o “cérebro que planeja”, e o proletariado, “as mãos que constróem”.
Quando Freder (Gustav Frohlich), o filho de um importante dirigente da cidade, John Fredersen (Alfred Abel), conhece e se apaixona por Maria, tem início uma grandiosa e incansável luta de igualdade de classes. Ele vai até as profundezas para conhecer a vida dos trabalhadores e testemunha um horrível acidente em uma das enormes máquinas, que explodiu devido à falha de um dos operários que desmaiou exausto, causando destruição com vários mortos e feridos. Como algo rotineiro e insignificante, a máquina logo é consertada e novos grupos de operários rapidamente voltam a movimentá-la. Indignado com o que presenciou, Freder se infiltra entre eles trocando sua identidade com um dos operários, sentindo na pele sua torturante jornada de trabalho e conhecendo sua rotina de vida diária sem liberdade.
Enquanto isso, o industrial John Fredersen descobre a existência de mapas das antigas catacumbas nos uniformes dos operários mortos no acidente com a máquina e presencia uma das pregações da líder Maria, juntamente com o cientista “louco” Rotwang (Rudolph Klein-Rogge), criador de um fantástico robô, que revolucionaria num futuro breve substituindo os trabalhadores por máquinas parecidas com o homem, com a vantagem de não se cansarem, reclamarem ou precisarem se alimentar. O dirigente de Metrópolis solicita então ao cientista que aprisione Maria e fizesse um clone dela com o andróide que ele criou, com o objetivo dela se infiltrar entre os trabalhadores substituindo a Maria real e alterando seu discurso de paz, incitando-os à discórdia, violência e a destruição das máquinas. Os operários logo partem para uma revolta e uma imensa massa passa a destruir as máquinas ocasionando a explosão dos reservatórios de água que inundaram sua cidade subterrânea colocando em risco suas próprias famílias.
Ao perceberem o erro que cometeram, eles se voltam contra o andróide de Maria que incitou-os à destruição, e o queimam numa estaca como uma bruxa da antiga inquisição européia. Na fogueira, com a ação das chamas o robô retorna a sua imagem original, uma espécie de armadura de aço, causando surpresa aos trabalhadores motinados. Nesse momento, a verdadeira Maria consegue escapar do laboratório de Rotwang e encontra Freder, onde juntos conseguem salvar os filhos dos operários da inundação da cidade e avisam a eles que suas famílias estavam a salvo, acalmando sua fúria, mas não impedindo uma forte luta entre o jovem e herói Freder e o cientista “louco” Rotwang que os leva até o topo de um prédio e culmina com a morte do cientista numa queda fatal.
Finalmente a massa de trabalhadores liderados pelo capataz do dínamo central, a principal máquina que mantém Metrópolis, e o dirigente John Fredersen, se reúnem para uma conciliação, o que se efetiva através do “coração mediador” de Freder, que une as mãos de ambos num aperto que selaria a paz e convivência com igualdade social.
O que é mais expressivo nesse clássico do cinema fantástico é inegavelmente os grandiosos cenários e o visual impressionante de uma metrópole futurista, que se sobrepõe ao roteiro e às interpretações do elenco. As cenas também da transformação do sensual robô no clone de Maria são épicas e antológicas, estando entre as mais significativas e inesquecíveis da história da ficção científica no cinema. O laboratório do cientista “louco” Rotwang apresenta todos os elementos característicos da FC da época, com enormes máquinas elétricas, eletrodos, alavancas, botões, equipamentos químicos, etc., que influenciariam inúmeras obras a seguir como o fantástico laboratório científico do Dr. Frankenstein em seu filme homônimo de 1931. O cientista Rotwang encarnou o típico personagem insano em meio às suas experiências científicas e ameaçadoras para a humanidade, o que seria eternamente visto em outras produções de horror e ficção científica dos anos seguintes, como a influência clara em Dr. Fantástico (1964, de Stanley Kubrick), onde seu cientista “louco” Dr. Strangelove, interpretado pelo magnífico Peter Sellers, e o Rotwang de Metrópolis tem a mesma mão direita mecânica.
Seu roteiro tem claras ideologias políticas e metáforas com a Alemanha da época de sua produção, como a cidade dos operários nos subterrâneos representando os discriminados guetos judeus. Politicamente existe duas teorias sobre o final do filme, uma mostrando a derrota do totalitarismo com o dirigente principal da metrópole aceitando a participação do proletariado no poder também, e outra onde esse ato de conciliação das classes sociais significaria a vitória da elite dominante conseguindo a aproximação do povo e sua consequente submissão ideológica. A mitologia também está presente na obra, com a bela cidade da superfície e os subterrâneos representando o paraíso e o inferno respectivamente, e com o jovem Freder descendo ao inferno e presenciando os tormentos de um mundo artificial sem liberdade, para tornar-se um “salvador” da paz entre as classes sociais, conforme profetizado pela líder dos operários e sua amada Maria.
Metrópolis é monumental em todos os aspectos, é um épico da ficção científica que durou quase um ano e meio de produção, envolveu cerca de trinta e sete mil extras e foi o maior orçamento na Alemanha até então, porém não foi um sucesso de bilheteria como esperava-se e o prejuízo financeiro para sua produtora Universum Film foi significativa. O diretor Fritz Lang rumou depois para os Estados Unidos, sendo reconhecido como um dos grandes cineastas de seu tempo. Esperamos que o futuro obscuro que ele previu em seu filme não se concretize na realidade, e possamos finalmente nessa primeira metade de um novo século (e milênio) vivermos com a tão esperada paz política e tecnológica, sem guerras e preconceitos, típicos do ser humano.
“Metrópolis” (Metropolis, 1926) – avaliação: 9 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 01/12/05)
Metrópolis (Metropolis, Alemanha, 1926) – Universum Film A. G., preto e branco, mudo, 140 minutos. Direção de Fritz Lang. Roteiro de Fritz Lang e Thea Von Harbou. Fotografia de Karl Freund e Gunther Rittau. Produção de Erich Pommer. Música de Gottfried Huppertz. Efeitos Especiais de Eugene Schufftan. Com Brigitte Helm (Maria), Alfred Abel (John Fredersen), Gustav Frohlich (Freder), Rudolph Klein-Rogge (Rotwang), Heinrich George, Fritz Rasp. Em vídeo VHS pela Continental.
0 comentários:
Postar um comentário