A carreira do grande ator Boris Karloff (falecido em 1968), imortalizado por interpretar a criatura de Frankenstein nos clássicos da produtora Universal das décadas de 30 e 40, foi também marcada por inúmeras participações em filmes de ficção científica e horror onde atuava como um “cientista louco”, ou seja, alguém cujas descobertas científicas tornavam-se de alguma forma uma ameaça para a sociedade. O lançamento de “O Raio Invisível” (The Invisible Ray) em 1936, foi um dos primeiros resultados cujas motivações do enredo serviram de modelo para toda uma enxurrada posterior de filmes similares do período pós Segunda Guerra Mundial. Portanto, “O Raio Invisível” pode ser considerado um dos precursores do gênero “mad scientist” do cinema de horror. Foi importante também por ser uma das poucas obras a reunir Karloff e o também ícone do gênero Bela Lugosi, imortalizado por ser um dos principais Dráculas do cinema em todos os tempos, juntamente com Christopher Lee, fato este que já assegura sua importância e diferencial dentro do gênero.
“Todo fato científico aceito atualmente, no passado atormentou muito a mente de um louco. Quem de nós, deste pequeno e jovem planeta, poderia dizer que O Raio Invisível é impossível para a ciência? O que verão agora é uma teoria desenvolvida nos meandros da ciência. Essa teoria poderá assombrar o mundo.”
(Atenção: o texto a seguir contém spoilers)
Assim começa “O Raio Invisível”, onde em um poderoso telescópio especialmente criado, o cientista Dr. Janos Rukh (Boris Karloff), em seu laboratório localizado no topo de uma montanha, conseguiu capturar raios de luz do passado reconstituindo constelações de estrelas num aparelho em forma de um domo gigantesco de vidro. Esse aparelho científico, uma espécie de máquina do tempo, conseguiu reproduzir as imagens gravadas em um dos raios de luz e simular a trajetória de um misterioso meteoro que teria caído na Terra, no continente africano. O cientista sempre foi considerado como um “rebelde” pela sociedade científica tradicional e seu trabalho e teorias eram tratados com indiferença e desprezo, até que ele convidou um grupo de famosos cientistas ingleses, formado principalmente por Sir Francis Stevens (Walter Kingsford) e Dr. Felix Benet (Bela Lugosi), para presenciarem sua descoberta científica. Dessa forma, o Dr. Rukh conseguiu provar com sucesso, através da captação de um raio de luz do espaço, que em épocas muito remotas, um meteoro realmente caiu na África, próximo à Nigéria, e então ele, auxiliado pelo Dr. Benet, um dos maiores especialistas em química orgânica do mundo, decidiram formar uma expedição para localizar o meteoro, que possivelmente seria também uma poderosa fonte de elementos químicos.
Ao se separar da expedição principal, prosseguindo sozinho pelas montanhas africanas, Rukh descobriu escavando as pedras um elemento químico especial desconhecido trazido pelo meteoro, o “Radium X”, uma substância mais poderosa que o radium comum. Esse elemento, de força impressionante, é capaz de curar cegueira ou derreter montanhas com seus imponentes raios.
Mas o cientista ficou contaminado pela radioatividade do elemento que tornava-o brilhante no escuro, e descobriu o poder que estava em suas mãos, onde seu simples toque significava a morte, como percebeu ao acariciar seu cachorro de guarda levando-o instantaneamente à morte. Uma vez confuso com sua descoberta letal e para combater os efeitos dessa radioatividade luminosa com seus horríveis resultados, o Dr. Rukh se juntou novamente ao seu colega Dr. Benet recorrendo à criação de um antídoto para o seu mal. O remédio foi então preparado a partir de uma amostra do produto através das mãos experientes do químico Dr. Benet, porém com restrições, sendo de efeito temporário e com a obrigação de ingeri-lo regularmente para sempre, além da possibilidade de agora os efeitos da radiação poderem afetar a sanidade da mente do Dr. Rukh, podendo levá-lo à loucura.
E isso foi realmente o que aconteceu com o cientista. Após voltar para seu laboratório e trabalhar para o controle total do “Radium X”, conseguindo até curar a cegueira de sua velha mãe (Violet Kemble Cooper), Rukh passa a acreditar que Benet e os outros de sua equipe queriam na verdade enganá-lo roubando sua descoberta para apresentá-la em um congresso científico em Paris. Na verdade, o Dr. Benet estava utilizando o elemento químico para curar várias doenças nas pessoas, não deixando nunca de creditar ao seu colega cientista os méritos da descoberta. Porém, Rukh, ainda assim é consumido pelo ódio e sentimento de vingança pois seu cérebro foi afetado pela radioatividade e ele decidiu matar os membros da expedição científica. Primeiro simulando sua própria morte para facilitar suas ações, o Dr. Rukh começou sua vingança assassinando Sir Francis Stevens e sua esposa Lady Arabella, culminando logo depois com o próprio Dr. Benet. A cada crime cometido, ele derretia uma das estátuas da escultura “Deadly Sin”, que eram símbolos esculpidos em pedra localizados no telhado de uma grandiosa construção, onde em sua paranóia insana ele imaginava a comparação das seis estátuas com seus seis colegas da expedição.
Depois que Rukh quase matou sua própria esposa (Frances Drake), que havia se separado dele para se casar com um dos membros da expedição, o jovem Ronald Drake (Frank Lawton), sua mãe apareceu e destruiu seu antídoto, impedindo assim sua cura e alegando que seu filho havia quebrado a primeira lei da ciência ao não utilizar sua descoberta científica para o bem da humanidade. Num momento de lucidez, o cientista luminoso concordou com sua mãe e consumido pelos venenos do “Radium X”, transformou-se numa bola de fogo enquanto saltou por uma janela desabando em meio à fumaça para sua morte.
“O Raio Invisível” foi dirigido por Lambert Hillyer, um especialista em westerns e que fez somente um outro filme de horror, “Dracula’s Daughter”, também em 1936. Ele aproveitou em seu filme os mesmos cenários da conhecida ficção científica “Flash Gordon” (do mesmo ano) e utilizou também algumas cenas dos maquinários elétricos do clássico “Frankenstein” (1931). Em compensação, algumas cenas de “O Raio Invisível” também foram utilizadas mais tarde em um outro filme com Lugosi, “The Phantom Creeps” (1939). Aliás, esse recurso de utilizar cenários existentes com o objetivo de diminuir os custos de produção foi largamente explorado no cinema fantástico da época.
Os efeitos especiais, a cargo de John P. Fulton, tiveram forte influência para o sucesso do filme. A sequência passada no laboratório do Dr. Rukh, onde foi reproduzida uma batalha entre sóis e estrelas na galáxia de Andromeda como aconteceu há 750 milhões de anos luz no passado, foi considerada como uma inovação na época. Tanto é que a Universal, numa estratégia de marketing e acreditando no sucesso do filme, manteve em segredo os métodos de produção desses efeitos durante as filmagens, criando grande expectativa na imprensa cinematográfica e em todos que acompanhavam os bastidores quanto aos resultados finais.
Por curiosidade, ocorreram algumas mudanças normais no período de pré-produção. A princípio, o título original do filme seria “The Death Ray” e o personagem interpretado por Bela Lugosi seria chamado de Dr. Morceau, mudando depois para o definitivo Dr. Benet. A personagem Diane Rukh, esposa do cientista “louco” interpretado por Karloff, seria inicialmente da atriz Gloria Stuart, sendo substituída mais tarde por Frances Drake. O ator Donald Briggs estava escalado para compor um dos membros da expedição científica à África, mas foi retirado do elenco. O diretor seria Stuart Walker, porém devido ao fato dele descordar de alguns detalhes do roteiro e do curto tempo disponível para filmar, acabou sendo substituído por Lambert Hillyer.
Outro fato bem curioso do filme, e só observado por espectadores mais atentos, é uma cena onde o exímio químico Dr. Benet (Lugosi), acampado na África à procura do meteoro radioativo, fazia experiências no povo local com o uso dos raios solares. Num determinado momento ele utilizou um bebê negro africano doente e comprovou a reação positiva da criança ao seu tratamento, mencionando num relatório a um colega cientista que a “criatura” obtivera a cura através de suas descobertas. Não foi um erro de tradução e ele realmente utilizou o termo “creature” (em inglês) ao se referir à criança, numa clara expressão de indiferença e comparação do bebê a um simples animal de uma experiência. Os pobres nativos africanos podiam ficar sem essa arrogância dos nobres ingleses imperialistas...
“O Raio Invisível” foi um dos poucos filmes em que os “monstros sagrados do Horror” Boris Karloff e Bela Lugosi contracenaram juntos, algo raro e um fator decisivo para manter seu interesse. Os outros filmes foram “The Gift of Gab” (34), “The Black Cat” (34), “The Raven” (35), “Son of Frankenstein” (39), “Black Friday” (40), “You’ll Find Out” (40) e “The Bodysnatcher” (45). Em “O Raio Invisível”, Lugosi teve um papel menor (Dr. Benet) em relação ao companheiro Karloff (Dr. Rukh), porém nem por isso menos importante. O Dr. Benet era um cientista humanitário e racional, em contraste com seu opositor Dr. Rukh, cuja personalidade foi se desintegrando com os efeitos nocivos do elemento químico do meteoro, até culminar num assassino, ou melhor, num “cientista louco”. Tanto é que, no duelo entre os cientistas, Lugosi acabou morrendo literalmente nas mãos radioativas de Karloff.
Com o sucesso desse filme, considerado um precursor e imitado diversas vezes nos anos seguintes, a produtora Universal tinha a intenção de repetir a dose logo em seguida com mais uma outra produção envolvendo Karloff e Lugosi em tema similar. Mas, em vez de um homem assassino radioativo como em “O Raio Invisível”, Karloff faria o papel de uma criatura elétrica. O roteiro, baseado na história “The Electric Man” de H. J. Essex, Sid Schwartz e Len Golos, foi preparado com o título “The Man in the Cab”, porém a produção foi abandonada numa decisão da Universal com base no crescente desinteresse do público, que já estava se desgastando com os filmes do gênero no final dos anos 30. Esse projeto foi somente retomado em 1940 e filmado com o título americano de “Man Made Monster” (na Inglaterra, “The Electric Man”), com Lionel Atwill e Lon Chaney Jr. nos papéis que seriam de Karloff e Lugosi, respectivamente, constituindo-se em mais uma pérola do cinema fantástico, sempre presente nas mais diversas literaturas de referência do gênero.
Não é necessário falar muito de O Raio Invisível, pois um filme em preto e branco dos anos 30, da produtora Universal, responsável pelos principais personagens de Horror do cinema (Fantasma da Ópera, Monstro de Frankenstein, Drácula, Múmia, Lobisomem, Monstro da Lagoa Negra, etc.), que traz em seu elenco Boris Karloff e Bela Lugosi, e num roteiro de ficção científica e horror no melhor estilo “cientista louco”, só poderia trazer créditos mais do que suficientes para uma verdadeira sessão de nostalgia do mais puro entretenimento. Só nos resta, na condição de fãs e produtores, reverenciar, cultuar, apreciar, divulgar e imortalizar todo esse universo para toda a eternidade.
“O Raio Invisível” (The Invisible Ray, 1936) – avaliação: 8,5 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 07/12/05)
O Raio Invisível (The Invisible Ray, Estados Unidos, 1936). Universal. Preto e Branco. Duração: 79 minutos. Lançado no mercado brasileiro de vídeo VHS pela Continental. Direção de Lambert Hillyer. Produção de Carl Laemmle. Roteiro de John Colton, baseado na história de Howard Higgin e Douglas Hodges. Fotografia de George Robinson. Música de Franz Waxman. Edição de Bernard Barton. Efeitos Especiais de John P. Fulton. Elenco: Boris Karloff, Bela Lugosi, Frances Drake, Frank Lawton, Walter Kingsford, Beulah Bondi, Violet Kemble Cooper, Nydia Westman, Daniel Haines, George Renavent, Paul Weigel, Adele St. Maur, Frank Reicher, Lawrence Stewart, Inez Seabury, Ernie Adams, Walter Miller.
“Todo fato científico aceito atualmente, no passado atormentou muito a mente de um louco. Quem de nós, deste pequeno e jovem planeta, poderia dizer que O Raio Invisível é impossível para a ciência? O que verão agora é uma teoria desenvolvida nos meandros da ciência. Essa teoria poderá assombrar o mundo.”
(Atenção: o texto a seguir contém spoilers)
Assim começa “O Raio Invisível”, onde em um poderoso telescópio especialmente criado, o cientista Dr. Janos Rukh (Boris Karloff), em seu laboratório localizado no topo de uma montanha, conseguiu capturar raios de luz do passado reconstituindo constelações de estrelas num aparelho em forma de um domo gigantesco de vidro. Esse aparelho científico, uma espécie de máquina do tempo, conseguiu reproduzir as imagens gravadas em um dos raios de luz e simular a trajetória de um misterioso meteoro que teria caído na Terra, no continente africano. O cientista sempre foi considerado como um “rebelde” pela sociedade científica tradicional e seu trabalho e teorias eram tratados com indiferença e desprezo, até que ele convidou um grupo de famosos cientistas ingleses, formado principalmente por Sir Francis Stevens (Walter Kingsford) e Dr. Felix Benet (Bela Lugosi), para presenciarem sua descoberta científica. Dessa forma, o Dr. Rukh conseguiu provar com sucesso, através da captação de um raio de luz do espaço, que em épocas muito remotas, um meteoro realmente caiu na África, próximo à Nigéria, e então ele, auxiliado pelo Dr. Benet, um dos maiores especialistas em química orgânica do mundo, decidiram formar uma expedição para localizar o meteoro, que possivelmente seria também uma poderosa fonte de elementos químicos.
Ao se separar da expedição principal, prosseguindo sozinho pelas montanhas africanas, Rukh descobriu escavando as pedras um elemento químico especial desconhecido trazido pelo meteoro, o “Radium X”, uma substância mais poderosa que o radium comum. Esse elemento, de força impressionante, é capaz de curar cegueira ou derreter montanhas com seus imponentes raios.
Mas o cientista ficou contaminado pela radioatividade do elemento que tornava-o brilhante no escuro, e descobriu o poder que estava em suas mãos, onde seu simples toque significava a morte, como percebeu ao acariciar seu cachorro de guarda levando-o instantaneamente à morte. Uma vez confuso com sua descoberta letal e para combater os efeitos dessa radioatividade luminosa com seus horríveis resultados, o Dr. Rukh se juntou novamente ao seu colega Dr. Benet recorrendo à criação de um antídoto para o seu mal. O remédio foi então preparado a partir de uma amostra do produto através das mãos experientes do químico Dr. Benet, porém com restrições, sendo de efeito temporário e com a obrigação de ingeri-lo regularmente para sempre, além da possibilidade de agora os efeitos da radiação poderem afetar a sanidade da mente do Dr. Rukh, podendo levá-lo à loucura.
E isso foi realmente o que aconteceu com o cientista. Após voltar para seu laboratório e trabalhar para o controle total do “Radium X”, conseguindo até curar a cegueira de sua velha mãe (Violet Kemble Cooper), Rukh passa a acreditar que Benet e os outros de sua equipe queriam na verdade enganá-lo roubando sua descoberta para apresentá-la em um congresso científico em Paris. Na verdade, o Dr. Benet estava utilizando o elemento químico para curar várias doenças nas pessoas, não deixando nunca de creditar ao seu colega cientista os méritos da descoberta. Porém, Rukh, ainda assim é consumido pelo ódio e sentimento de vingança pois seu cérebro foi afetado pela radioatividade e ele decidiu matar os membros da expedição científica. Primeiro simulando sua própria morte para facilitar suas ações, o Dr. Rukh começou sua vingança assassinando Sir Francis Stevens e sua esposa Lady Arabella, culminando logo depois com o próprio Dr. Benet. A cada crime cometido, ele derretia uma das estátuas da escultura “Deadly Sin”, que eram símbolos esculpidos em pedra localizados no telhado de uma grandiosa construção, onde em sua paranóia insana ele imaginava a comparação das seis estátuas com seus seis colegas da expedição.
Depois que Rukh quase matou sua própria esposa (Frances Drake), que havia se separado dele para se casar com um dos membros da expedição, o jovem Ronald Drake (Frank Lawton), sua mãe apareceu e destruiu seu antídoto, impedindo assim sua cura e alegando que seu filho havia quebrado a primeira lei da ciência ao não utilizar sua descoberta científica para o bem da humanidade. Num momento de lucidez, o cientista luminoso concordou com sua mãe e consumido pelos venenos do “Radium X”, transformou-se numa bola de fogo enquanto saltou por uma janela desabando em meio à fumaça para sua morte.
“O Raio Invisível” foi dirigido por Lambert Hillyer, um especialista em westerns e que fez somente um outro filme de horror, “Dracula’s Daughter”, também em 1936. Ele aproveitou em seu filme os mesmos cenários da conhecida ficção científica “Flash Gordon” (do mesmo ano) e utilizou também algumas cenas dos maquinários elétricos do clássico “Frankenstein” (1931). Em compensação, algumas cenas de “O Raio Invisível” também foram utilizadas mais tarde em um outro filme com Lugosi, “The Phantom Creeps” (1939). Aliás, esse recurso de utilizar cenários existentes com o objetivo de diminuir os custos de produção foi largamente explorado no cinema fantástico da época.
Os efeitos especiais, a cargo de John P. Fulton, tiveram forte influência para o sucesso do filme. A sequência passada no laboratório do Dr. Rukh, onde foi reproduzida uma batalha entre sóis e estrelas na galáxia de Andromeda como aconteceu há 750 milhões de anos luz no passado, foi considerada como uma inovação na época. Tanto é que a Universal, numa estratégia de marketing e acreditando no sucesso do filme, manteve em segredo os métodos de produção desses efeitos durante as filmagens, criando grande expectativa na imprensa cinematográfica e em todos que acompanhavam os bastidores quanto aos resultados finais.
Por curiosidade, ocorreram algumas mudanças normais no período de pré-produção. A princípio, o título original do filme seria “The Death Ray” e o personagem interpretado por Bela Lugosi seria chamado de Dr. Morceau, mudando depois para o definitivo Dr. Benet. A personagem Diane Rukh, esposa do cientista “louco” interpretado por Karloff, seria inicialmente da atriz Gloria Stuart, sendo substituída mais tarde por Frances Drake. O ator Donald Briggs estava escalado para compor um dos membros da expedição científica à África, mas foi retirado do elenco. O diretor seria Stuart Walker, porém devido ao fato dele descordar de alguns detalhes do roteiro e do curto tempo disponível para filmar, acabou sendo substituído por Lambert Hillyer.
Outro fato bem curioso do filme, e só observado por espectadores mais atentos, é uma cena onde o exímio químico Dr. Benet (Lugosi), acampado na África à procura do meteoro radioativo, fazia experiências no povo local com o uso dos raios solares. Num determinado momento ele utilizou um bebê negro africano doente e comprovou a reação positiva da criança ao seu tratamento, mencionando num relatório a um colega cientista que a “criatura” obtivera a cura através de suas descobertas. Não foi um erro de tradução e ele realmente utilizou o termo “creature” (em inglês) ao se referir à criança, numa clara expressão de indiferença e comparação do bebê a um simples animal de uma experiência. Os pobres nativos africanos podiam ficar sem essa arrogância dos nobres ingleses imperialistas...
“O Raio Invisível” foi um dos poucos filmes em que os “monstros sagrados do Horror” Boris Karloff e Bela Lugosi contracenaram juntos, algo raro e um fator decisivo para manter seu interesse. Os outros filmes foram “The Gift of Gab” (34), “The Black Cat” (34), “The Raven” (35), “Son of Frankenstein” (39), “Black Friday” (40), “You’ll Find Out” (40) e “The Bodysnatcher” (45). Em “O Raio Invisível”, Lugosi teve um papel menor (Dr. Benet) em relação ao companheiro Karloff (Dr. Rukh), porém nem por isso menos importante. O Dr. Benet era um cientista humanitário e racional, em contraste com seu opositor Dr. Rukh, cuja personalidade foi se desintegrando com os efeitos nocivos do elemento químico do meteoro, até culminar num assassino, ou melhor, num “cientista louco”. Tanto é que, no duelo entre os cientistas, Lugosi acabou morrendo literalmente nas mãos radioativas de Karloff.
Com o sucesso desse filme, considerado um precursor e imitado diversas vezes nos anos seguintes, a produtora Universal tinha a intenção de repetir a dose logo em seguida com mais uma outra produção envolvendo Karloff e Lugosi em tema similar. Mas, em vez de um homem assassino radioativo como em “O Raio Invisível”, Karloff faria o papel de uma criatura elétrica. O roteiro, baseado na história “The Electric Man” de H. J. Essex, Sid Schwartz e Len Golos, foi preparado com o título “The Man in the Cab”, porém a produção foi abandonada numa decisão da Universal com base no crescente desinteresse do público, que já estava se desgastando com os filmes do gênero no final dos anos 30. Esse projeto foi somente retomado em 1940 e filmado com o título americano de “Man Made Monster” (na Inglaterra, “The Electric Man”), com Lionel Atwill e Lon Chaney Jr. nos papéis que seriam de Karloff e Lugosi, respectivamente, constituindo-se em mais uma pérola do cinema fantástico, sempre presente nas mais diversas literaturas de referência do gênero.
Não é necessário falar muito de O Raio Invisível, pois um filme em preto e branco dos anos 30, da produtora Universal, responsável pelos principais personagens de Horror do cinema (Fantasma da Ópera, Monstro de Frankenstein, Drácula, Múmia, Lobisomem, Monstro da Lagoa Negra, etc.), que traz em seu elenco Boris Karloff e Bela Lugosi, e num roteiro de ficção científica e horror no melhor estilo “cientista louco”, só poderia trazer créditos mais do que suficientes para uma verdadeira sessão de nostalgia do mais puro entretenimento. Só nos resta, na condição de fãs e produtores, reverenciar, cultuar, apreciar, divulgar e imortalizar todo esse universo para toda a eternidade.
“O Raio Invisível” (The Invisible Ray, 1936) – avaliação: 8,5 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 07/12/05)
O Raio Invisível (The Invisible Ray, Estados Unidos, 1936). Universal. Preto e Branco. Duração: 79 minutos. Lançado no mercado brasileiro de vídeo VHS pela Continental. Direção de Lambert Hillyer. Produção de Carl Laemmle. Roteiro de John Colton, baseado na história de Howard Higgin e Douglas Hodges. Fotografia de George Robinson. Música de Franz Waxman. Edição de Bernard Barton. Efeitos Especiais de John P. Fulton. Elenco: Boris Karloff, Bela Lugosi, Frances Drake, Frank Lawton, Walter Kingsford, Beulah Bondi, Violet Kemble Cooper, Nydia Westman, Daniel Haines, George Renavent, Paul Weigel, Adele St. Maur, Frank Reicher, Lawrence Stewart, Inez Seabury, Ernie Adams, Walter Miller.