Mendigos (Brasil, 2004)


Fazer um filme de horror independente em vídeo VHS certamente não é uma tarefa fácil, devido às inúmeras dificuldades que surgem para a realização de tal empreitada. Porém, é interessante notar como muitas pessoas que apreciam o gênero, assistindo filmes, lendo livros e sites da internet, ou consumindo produtos relacionados, possuem em comum uma curiosa vontade de fazer seu próprio filme. Mas para isso é necessário muito idealismo e atitudes batalhadoras, virtudes reservadas para poucos, pois editar um fanzine impresso ou portal na internet, escrever um livro, ou dirigir um filme amador, são atividades que trazem muito esforço de trabalho por parte de seus idealizadores, os verdadeiros guerreiros da cena underground brasileira.
O gaúcho André Bozzetto Junior, da pequena cidade de Ilópolis, no interior do Rio Grande do Sul, cerca de 200 Km distante da capital Porto Alegre, já havia escrito um livro de horror de forma independente em Outubro de 1998, “Odisséia nas Sombras”, que narra a árdua trajetória de um grupo de amigos ao enfrentar um assassino sobrenatural. Agora, ele se aventurou também como videomaker escrevendo e dirigindo o curta em VHS “Mendigos” (2004), com uma história mostrando um serial killer que persegue e mata violentamente mendigos e meninos de rua numa pequena cidade, com o caso sendo acompanhado por uma dupla de missionários católicos e um fotógrafo à procura de material sensacionalista para seu trabalho.

O filme é curto, apenas 19 minutos, e isso já é um ponto positivo pois evita qualquer possibilidade de se tornar cansativo para quem assiste, devido às características amadoras da produção. Por causa das condições técnicas precárias, é muito importante não estender demais a duração do filme, evitando o risco de entediar o espectador. O argumento básico é um clichê já muito explorado, apresentando novamente um psicopata assassino e os elementos tradicionais que envolvem suas ações misteriosas. Mas, ainda assim a história desperta interesse e entretenimento com vários destaques como as cenas noturnas (sempre mais imponentes pela própria escuridão macabra da noite); as sequências filmadas numa casa abandonada em pedaços, evidenciando um ambiente sombrio cercado de entulhos, sujeira e solidão; a discreta violência do assassino, preferindo-se mais a sugestão (além de ser bem mais fácil e barato de filmar); a presença de um garoto sempre de cabeça baixa e demonstrando uma aparente timidez, escondendo na suposta inocência de criança um pequeno demônio (seguindo uma tendência encontrada numa infinidade de filmes de horror atuais como “O Chamado” e outros similares), e pela inclusão de pequenos trechos de músicas da banda inglesa de Heavy Metal “Iron Maiden” (demonstrando o ótimo bom gosto musical do diretor).
Porém, algumas falhas também são muito notáveis e que prejudicaram um pouco o filme. Por se tratar de uma produção amadora, é necessário ter uma atenção especial à sonoplastia para justamente evitar que o espectador deixe de entender algum diálogo e perca o interesse pela história. É muito importante salientar para os atores expressarem suas falas pausadamente e da forma mais clara possível e em “Mendigos” algumas frases dos personagens estão incompreensíveis, e se o filme fosse mais longo e com muitos diálogos difíceis de se entender, certamente o desempenho estaria muito prejudicado, cansando quem está assistindo. Uma outra falha, e apenas para registro e curiosidade para aqueles que caçam erros em filmes (não é o meu caso, mas foi inevitável não notar), foi um dos missionários reclamar para o companheiro duas vezes em momentos diferentes, que queria voltar para casa pois já estava tarde da noite, dizendo “Olha que horas são!”, e apontando impaciente para o próprio braço onde “deveria” estar um relógio. Mas isso é um detalhe insignificante. E (nesse caso é apenas opinião pessoal), num momento tenso onde um mendigo irritado grita para os missionários para eles o deixarem em paz, eu preferia o uso do famoso “Filho da puta!”, mais realístico com o ambiente das ruas, do que o utilizado “Filho da mãe!”.
É claro que percebe-se facilmente a dificuldade de interpretação dos “atores”, que não conseguem diferenciar situações emotivas distintas, mas isso é perfeitamente compreensível já que tratam-se de pessoas comuns que estão tentando atuar e contar uma história de horror. Outro detalhe importante para ser lembrado nos próximos projetos do diretor e companhia: não se esqueçam de colocar mulheres em seus filmes. É fato conhecido como é difícil conseguir convencê-las a participar de filmes independentes de horror, mas a presença delas sempre é indispensável para aumentar o interesse do filme e garantir mais diversão...

Para finalizar, vale ressaltar a inteligente estratégia de patrocínio montada pelos realizadores de “Mendigos”, onde no final do filme aparecem trechos de comerciais amadores de estabelecimentos que ajudaram na efetivação do projeto, de fabricantes de colchões, lojas de eletrodomésticos, churrascaria, passando por fabricantes de ervas mate, posto de gasolina, autopeças, até lojas de roupas, calçados e suprimentos de informática e telefonia celular.
Para quem aprecia vídeos de horror amadores realizados por pessoas idealistas e fãs autênticos que produzem o gênero no Brasil, não deixe de conhecer esse primeiro trabalho de André Bozzetto Junior, e torça, assim como eu, para que outros projetos similares venham de Ilópolis para o resto do mundo...

“Mendigos” (2004) # 266 – data: 17/07/04 – avaliação: 7 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 15/02/06)

“Mendigos” (Ilópolis/RS/Brasil, 2004). Cor, VHS. Duração: 19 minutos. Direção e roteiro de André Bozzetto Junior. Produção, câmera e efeitos digitais de Marcelo de Jesus. Efeitos de André Bozzetto Junior e Marcos A. Tomazini. Figurino de André Bozzetto Junior, Leandro de Matos e Marcelo de Jesus. Contra-regra: Eduardo de Matos. Elenco: Leandro de Matos, Elizandro Coser, Marcos A. Tomazini, Eduardo de Matos, Willian Zatt, Leonardo Zerbielli, Rafael Martins, Rogério Scipioni, Rodrigo Trombini, Vagner Bozzetto, Julio C. Paganela, Adriano Montagner, Aloísio Franceschini, Samuel Zerbielli.

Contatos: André Bozzetto Junior – Rua Expedicionários 1166 – Centro – Ilópolis/RS – CEP 95990-000
e-mail: bozzettojunior@yahoo.com.br / site: www.mendigosfilme.fotolog.fot.br