“O inferno está sob a água”
A interessante frase promocional reproduzida acima e utilizada na campanha de divulgação do filme “Mar Aberto” no Brasil, pode indicar uma trágica realidade, evidenciando que nem sempre o verdadeiro inferno é um folclórico ambiente envolto em fogo e chamas ardentes, muito abaixo do solo, com almas penadas desesperadas sofrendo dores e tormentos infindáveis nas garras de demônios sádicos. O inferno pode estar também num outro lugar, na vastidão do oceano, na figura de terríveis criaturas que habitam suas águas e que incluem em seu cardápio a carne humana.
Para se ter uma idéia do que poderia ser uma caracterização coerente do inferno, imagine-se perdido sem barco no meio de um imenso mar aberto, sem ninguém por perto a não ser ferozes tubarões famintos por sua carne, sangue e ossos, e que estão nadando a sua volta, num torturante exercício do mais puro horror, aguardando apenas o momento oportuno para atacar. Nada de monstros fictícios, assassinos psicopatas mascarados e imortais, zumbis carnívoros, vampiros e todo tipo de criaturas sobrenaturais, assombrações ou fantasmas perturbados. O horror verdadeiro pode ser representado pelo fato de se estar indefeso e à deriva nas águas salgadas da imensidão de um oceano, e talvez, caso não ocorra nenhum salvamento, aguardar apenas pela chegada dolorosa da morte, que pode vir de várias formas desde o afogamento devido ao cansaço, passando pelo frio, fome, sede, desespero, até a ameaça de animais com dentes afiados como um ataque de tubarões.
Essa experiência altamente traumática é o tema básico de mais um filme do gênero, “Mar Aberto” (Open Water), que chegou aos cinemas brasileiros estreando nas telas grandes por aqui em 22/10/04. Depois que o clássico do suspense “Tubarão” (Jaws, 1975), de Steven Spielberg, aterrorizou o mundo com sua história sobre os ataques mortais de um imenso tubarão assassino, o cinema foi invadido por uma infinidade de filmes explorando o mesmo argumento, sendo que a maioria foi apenas diversões passageiras ou dispensáveis, sem o mesmo impacto da obra de Spielberg. Porém, a idéia central de um filme abordando o horror real do ataque desses monstros dos mares sempre possui potencial para uma história interessante, ainda mais se inspirada em eventos verdadeiros, sendo nesse caso um incidente ocorrido em 1998 na Austrália com um casal de mergulhadores.
“Mar Aberto” é uma típica produção de baixo orçamento (apenas US$ 130 mil) filmada em vídeo digital, onde uma ou duas pessoas fazem de tudo, com os trabalhos geralmente acontecendo nos finais de semana. O diretor Chris Kentis também escreveu o roteiro, dirigiu a fotografia submarina e cuidou da edição, auxiliado pela esposa Laura Lau, responsável pela produção (juntamente com a irmã Estelle Lau, que também foi uma das atrizes coadjuvantes), além do restante da fotografia. Por isso, o filme foi apontado pela crítica americana como uma espécie de mistura de “A Bruxa de Blair” (pelo custo baixo, filmagem num estilo “caseiro”, pequena equipe de produção e enorme retorno do investimento), com “Tubarão” (pelo suspense perturbador e argumento sobre ataque de tubarões).
Um jovem casal formado por Daniel (Daniel Travis) e Susan (Blanchard Ryan) decidem realizar uma breve viagem de turismo para descansarem de suas vidas agitadas pelos compromissos de trabalho, e fazem um passeio para uma ilha tropical, de onde participam de uma expedição de barco em alto mar para mergulhar em suas águas profundas. São três os guias do passeio, Davis (Michael E. Williamson), Linda (Cristina Zenarro) e Junior (Jon Charles), e de forma acidental, num erro de contagem desse último, graças à confusão gerada pelo retorno antecipado de Estelle (Estelle Lau) e o mergulho atrasado de Seth (Saul Stein), o barco retorna para terra firme e Daniel e Susan são esquecidos no meio do oceano. Quando voltam à superfície após observarem inúmeros animais marinhos, principalmente moréias, os jovens descobrem que estão completamente perdidos em mar aberto e que a partir daí enfrentarão o verdadeiro horror em estado absoluto.
Restando apenas um ao outro, e entre inevitáveis brigas onde tentam encontrar o culpado pela situação bizarra em que se encontram, com reações de desespero e pânico cada vez mais crescentes com o passar das horas à deriva, além do ataque de inconvenientes águas-vivas, seus problemas tornam-se ainda mais graves quando a natureza se manifesta de forma hostil com uma tempestade na escuridão da noite, culminando com a chegada de tubarões perigosos que começam a cercá-los.
A história de “Mar Aberto” é bastante simples, pois como revelou o diretor Chris Kentis, o objetivo não era desenvolver os personagens, mostrar suas relações ou detalhes de suas vidas, e sim apenas tentar reproduzir o verdadeiro horror enfrentado por um casal que repentinamente se encontra perdido no oceano, sem barco e ninguém para salvá-los, e com tubarões interessados em suas carnes. E que, aliás, se constitui num fato já acontecido mais de uma vez na vida real, como é noticiado em revistas especializadas em mergulhos. E para conseguir transmitir esse sentimento de desespero de estar sozinho no mar e sentir sua vida ameaçada pelo frio e tubarões, entre outras coisas não menos horríveis, Chris Kentis e sua pequena equipe utilizaram animais reais nas filmagens em vez de caros efeitos especiais com imagens geradas por computador (o conhecido CGI, que tanto vemos na maioria dos filmes atualmente, e que muitas vezes torna os resultados finais muito artificiais).
Outro detalhe interessante mencionado pelo cineasta é que com o elenco pequeno, centrado mais na figura do casal de protagonistas Daniel e Susan, o mar tornou-se também um personagem principal da história, com toda sua imponência e imensidão na relação desigual com os simples humanos que invadiram seu território. Curiosamente, todos os atores são apenas creditados com seus primeiros nomes, e num determinado momento do filme, os sobrenomes de Daniel e Susan são revelados através de seus cartões de identificação, como sendo Watkins e Kintner, respectivamente.
O maior destaque de todo o filme é a torturante seqüência passada à noite, em meio a uma tempestade, alternando as imagens entre a completa escuridão e a breve claridade dos trovões, enquanto o exausto casal enfrenta seu pior pesadelo com tubarões nadando em sua volta.
“Mar Aberto” é uma prova concreta que para se fazer um filme eficiente e com uma história perturbadora, apesar de nenhuma novidade no argumento, definitivamente não é necessário muito dinheiro numa produção caprichada nos efeitos especiais. Nem é necessário apelar para os muitas vezes irritantes estrondos exagerados da trilha sonora para se obter sustos fáceis. Basta mostrar o horror verdadeiro de uma situação próxima da realidade, como por exemplo a experiência traumatizante vivida pelo casal de mergulhadores sozinhos em mar aberto à espera da morte.
Após o término da exibição, é inevitável um curioso sentimento de alívio pela constatação de estarmos seguros em chão firme, na sala do cinema, e que provavelmente lembraremos de “Mar Aberto” toda vez que entrarmos em alto mar.
“Mar Aberto” (Open Water, 2004) # 276 – data: 23/10/04 – avaliação: 9 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com.br
A interessante frase promocional reproduzida acima e utilizada na campanha de divulgação do filme “Mar Aberto” no Brasil, pode indicar uma trágica realidade, evidenciando que nem sempre o verdadeiro inferno é um folclórico ambiente envolto em fogo e chamas ardentes, muito abaixo do solo, com almas penadas desesperadas sofrendo dores e tormentos infindáveis nas garras de demônios sádicos. O inferno pode estar também num outro lugar, na vastidão do oceano, na figura de terríveis criaturas que habitam suas águas e que incluem em seu cardápio a carne humana.
Para se ter uma idéia do que poderia ser uma caracterização coerente do inferno, imagine-se perdido sem barco no meio de um imenso mar aberto, sem ninguém por perto a não ser ferozes tubarões famintos por sua carne, sangue e ossos, e que estão nadando a sua volta, num torturante exercício do mais puro horror, aguardando apenas o momento oportuno para atacar. Nada de monstros fictícios, assassinos psicopatas mascarados e imortais, zumbis carnívoros, vampiros e todo tipo de criaturas sobrenaturais, assombrações ou fantasmas perturbados. O horror verdadeiro pode ser representado pelo fato de se estar indefeso e à deriva nas águas salgadas da imensidão de um oceano, e talvez, caso não ocorra nenhum salvamento, aguardar apenas pela chegada dolorosa da morte, que pode vir de várias formas desde o afogamento devido ao cansaço, passando pelo frio, fome, sede, desespero, até a ameaça de animais com dentes afiados como um ataque de tubarões.
Essa experiência altamente traumática é o tema básico de mais um filme do gênero, “Mar Aberto” (Open Water), que chegou aos cinemas brasileiros estreando nas telas grandes por aqui em 22/10/04. Depois que o clássico do suspense “Tubarão” (Jaws, 1975), de Steven Spielberg, aterrorizou o mundo com sua história sobre os ataques mortais de um imenso tubarão assassino, o cinema foi invadido por uma infinidade de filmes explorando o mesmo argumento, sendo que a maioria foi apenas diversões passageiras ou dispensáveis, sem o mesmo impacto da obra de Spielberg. Porém, a idéia central de um filme abordando o horror real do ataque desses monstros dos mares sempre possui potencial para uma história interessante, ainda mais se inspirada em eventos verdadeiros, sendo nesse caso um incidente ocorrido em 1998 na Austrália com um casal de mergulhadores.
“Mar Aberto” é uma típica produção de baixo orçamento (apenas US$ 130 mil) filmada em vídeo digital, onde uma ou duas pessoas fazem de tudo, com os trabalhos geralmente acontecendo nos finais de semana. O diretor Chris Kentis também escreveu o roteiro, dirigiu a fotografia submarina e cuidou da edição, auxiliado pela esposa Laura Lau, responsável pela produção (juntamente com a irmã Estelle Lau, que também foi uma das atrizes coadjuvantes), além do restante da fotografia. Por isso, o filme foi apontado pela crítica americana como uma espécie de mistura de “A Bruxa de Blair” (pelo custo baixo, filmagem num estilo “caseiro”, pequena equipe de produção e enorme retorno do investimento), com “Tubarão” (pelo suspense perturbador e argumento sobre ataque de tubarões).
Um jovem casal formado por Daniel (Daniel Travis) e Susan (Blanchard Ryan) decidem realizar uma breve viagem de turismo para descansarem de suas vidas agitadas pelos compromissos de trabalho, e fazem um passeio para uma ilha tropical, de onde participam de uma expedição de barco em alto mar para mergulhar em suas águas profundas. São três os guias do passeio, Davis (Michael E. Williamson), Linda (Cristina Zenarro) e Junior (Jon Charles), e de forma acidental, num erro de contagem desse último, graças à confusão gerada pelo retorno antecipado de Estelle (Estelle Lau) e o mergulho atrasado de Seth (Saul Stein), o barco retorna para terra firme e Daniel e Susan são esquecidos no meio do oceano. Quando voltam à superfície após observarem inúmeros animais marinhos, principalmente moréias, os jovens descobrem que estão completamente perdidos em mar aberto e que a partir daí enfrentarão o verdadeiro horror em estado absoluto.
Restando apenas um ao outro, e entre inevitáveis brigas onde tentam encontrar o culpado pela situação bizarra em que se encontram, com reações de desespero e pânico cada vez mais crescentes com o passar das horas à deriva, além do ataque de inconvenientes águas-vivas, seus problemas tornam-se ainda mais graves quando a natureza se manifesta de forma hostil com uma tempestade na escuridão da noite, culminando com a chegada de tubarões perigosos que começam a cercá-los.
A história de “Mar Aberto” é bastante simples, pois como revelou o diretor Chris Kentis, o objetivo não era desenvolver os personagens, mostrar suas relações ou detalhes de suas vidas, e sim apenas tentar reproduzir o verdadeiro horror enfrentado por um casal que repentinamente se encontra perdido no oceano, sem barco e ninguém para salvá-los, e com tubarões interessados em suas carnes. E que, aliás, se constitui num fato já acontecido mais de uma vez na vida real, como é noticiado em revistas especializadas em mergulhos. E para conseguir transmitir esse sentimento de desespero de estar sozinho no mar e sentir sua vida ameaçada pelo frio e tubarões, entre outras coisas não menos horríveis, Chris Kentis e sua pequena equipe utilizaram animais reais nas filmagens em vez de caros efeitos especiais com imagens geradas por computador (o conhecido CGI, que tanto vemos na maioria dos filmes atualmente, e que muitas vezes torna os resultados finais muito artificiais).
Outro detalhe interessante mencionado pelo cineasta é que com o elenco pequeno, centrado mais na figura do casal de protagonistas Daniel e Susan, o mar tornou-se também um personagem principal da história, com toda sua imponência e imensidão na relação desigual com os simples humanos que invadiram seu território. Curiosamente, todos os atores são apenas creditados com seus primeiros nomes, e num determinado momento do filme, os sobrenomes de Daniel e Susan são revelados através de seus cartões de identificação, como sendo Watkins e Kintner, respectivamente.
O maior destaque de todo o filme é a torturante seqüência passada à noite, em meio a uma tempestade, alternando as imagens entre a completa escuridão e a breve claridade dos trovões, enquanto o exausto casal enfrenta seu pior pesadelo com tubarões nadando em sua volta.
“Mar Aberto” é uma prova concreta que para se fazer um filme eficiente e com uma história perturbadora, apesar de nenhuma novidade no argumento, definitivamente não é necessário muito dinheiro numa produção caprichada nos efeitos especiais. Nem é necessário apelar para os muitas vezes irritantes estrondos exagerados da trilha sonora para se obter sustos fáceis. Basta mostrar o horror verdadeiro de uma situação próxima da realidade, como por exemplo a experiência traumatizante vivida pelo casal de mergulhadores sozinhos em mar aberto à espera da morte.
Após o término da exibição, é inevitável um curioso sentimento de alívio pela constatação de estarmos seguros em chão firme, na sala do cinema, e que provavelmente lembraremos de “Mar Aberto” toda vez que entrarmos em alto mar.
“Mar Aberto” (Open Water, 2004) # 276 – data: 23/10/04 – avaliação: 9 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com.br
blog: www.juvenatrix.blogspot.com.br (postado em 13/02/06)
Mar Aberto (Open Water, Estados Unidos, 2004). Distribuição: Lions Gate / Paris / LK-Tel. Duração: 79 minutos. Direção, roteiro, edição e fotografia submarina de Chris Kentis. Produção de Laura Lau e Estelle Lau. Fotografia de Laura Lau. Música de Graeme Revell. Elenco: Blanchard Ryan (Susan Watkins), Daniel Travis (Daniel Kintner), Saul Stein (Seth), Estelle Lau (Estelle), Michael E. Williamson (Davis), Cristina Zenarro (Linda), Jon Charles (Junior).
Mar Aberto (Open Water, Estados Unidos, 2004). Distribuição: Lions Gate / Paris / LK-Tel. Duração: 79 minutos. Direção, roteiro, edição e fotografia submarina de Chris Kentis. Produção de Laura Lau e Estelle Lau. Fotografia de Laura Lau. Música de Graeme Revell. Elenco: Blanchard Ryan (Susan Watkins), Daniel Travis (Daniel Kintner), Saul Stein (Seth), Estelle Lau (Estelle), Michael E. Williamson (Davis), Cristina Zenarro (Linda), Jon Charles (Junior).