“Você
pode correr de Suspiria. Você pode se esconder de Suspiria. Você não pode
escapar de Suspiria.”
O italiano
Dario Argento, nascido em Roma em 1940, é um dos mais conhecidos e cultuados
cineastas da história do gênero fantástico, juntamente com outros nomes
relevantes como seus conterrâneos Mario Bava e Lucio Fulci, os ingleses Terence
Fisher e Alfred Hitchcock, e os americanos George Romero e Roger Corman, entre
outros mais. E o maior destaque de sua carreira bem-sucedida, sendo considerado
por muitos como um dos grandes filmes de toda a história do horror, é
“Suspiria” (Suspiria, 1977), com produção de seu irmão Claudio e do pai
Salvatore Argento, e escrito pelo próprio diretor em parceria com sua esposa na
época, a atriz Daria Nicolodi, inspirados no livro “Suspiria de Profundis”, de
Thomas De Quincey. Na verdade, “Suspiria” é o primeiro filme de uma trilogia
inacabada sobre o esconderijo de três criaturas demoníacas misteriosas
conhecidas como “As Três Mães”, abordando no caso a “Mãe dos Suspiros” que vive
na Alemanha. Em seguida foi filmado “A Mansão do Inferno” (Inferno, 80), numa
história ambientada na cidade americana de New York com a “Mãe das Trevas”, e
por último e ainda inédito, falta a produção de um filme abordando a “Mãe das
Lágrimas”, que vive em Roma.
Notas do autor:
24/05/09: Dario Argento dirigiu em 2007
o final da trilogia numa co-produção entre Itália e Estados Unidos; o filme foi
lançado em DVD no Brasil com o título “O Retorno da Maldição: A Mãe das Lágrimas”
(Mother of Tears / The Third Molther /
10/09/24: Em 2018 foi lançada uma
refilmagem que recebeu o título brasileiro “Suspíria: A Dança do Medo”, com Chloë
Grace Moretz e Tilda Swinton.
A história de
“Suspiria” apresenta uma estudante americana de balé, Suzy Bannion (Jessica
Harper, de “O Fantasma do Paraíso”, 74, e “Minority Report – A Nova Lei, 2003),
que vai para a Alemanha aprimorar seus estudos de dança numa conceituada
academia. Porém, em sua chegada à Europa já enfrenta uma série de dificuldades
como uma forte tempestade no aeroporto que complica sua viagem de táxi até a
escola de dança. Lá chegando, ela se depara com outra situação insólita, com
uma mulher saindo desesperada da escola, gritando palavras incompreensíveis
pelo barulho da chuva. Ao tentar se apresentar na porta da academia, é mal
recebida por uma voz feminina no interfone, obrigando-a a retornar no dia
seguinte.
Uma vez
finalmente ingressada na escola, ela é recepcionada por uma das professoras, a
severa Srta. Tanner (Alida Valli), e pela vice diretora, Madame Blanc (Joan
Bennett), as quais a apresentam para vários outros estudantes como o jovem Mark
(Miguel Bosé), e as moças que viriam a ser suas companheiras de quarto, Olga
(Barbara Magnolfi) e Sara (Stefania Casini), além de alguns dos professores
como Daniel (Flavio Bucci), um cego que toca piano, e Prof. Verdegast (Renato
Scarpa), que também é médico, e um ajudante geral romeno com uma cara de doente
mental chamado Pavlo (Giuseppe Transocchi).
Na escola,
Suzy fica sabendo que a mulher histérica que ela vira anteriormente na chuva
fugindo desesperada, Patty Hingle (Eva Axén), era uma aluna expulsa que
descobrira um segredo proibido e que fora brutalmente assassinada logo depois
numa cena forte de violência gráfica envolvendo também uma outra amiga, Sonia
(Susanna Javicoli), com direito a facadas, enforcamento e pedaços de vidro
perfurando o peito e a cabeça. Além disso, a jovem bailarina americana recém-chegada
entra em contato com vários eventos bizarros na academia, como lesmas caindo do
teto, e a ocorrência de outros assassinatos como o do pianista cego destroçado
pelo próprio cachorro que lhe servia de guia, numa outra cena sangrenta no
melhor estilo dos filmes de horror italianos.
Ela desconfia
de algo muito misterioso acontecendo dentro da escola através do estranho
comportamento dos professores, e conhece então o psiquiatra Dr. Frank Mandel (o
alemão Udo Kier) e o Prof. Milius (Rudolf Schundler), autor do livro “Paranóia
ou Magia?”, os quais lhe relatam a existência e prática de bruxaria pelo mundo.
Confira nas próprias palavras do psiquiatra:
“Bruxo é um
adepto do ocultismo que vive no mundo material e tem perturbações
psiquiátricas. Acredito que a onda de crença na magia e no oculto faz parte de
uma doença mental. O azar não está em espelhos despedaçados, mas em mentes
despedaçadas.”
Ou nas
palavras do escritor:
“As bruxas
são más, negativas e destrutivas. O conhecimento da arte do oculto dá a elas
grandes poderes. Podem mudar o curso dos eventos e da vida das pessoas. Mas
apenas para causar o mal... A magia está em todo lugar. E em todo o mundo é um
fato conhecido. Sempre.”
Depois da
morte violenta de sua amiga de quarto Sara, em condições igualmente
misteriosas, Suzy chega à conclusão que a escola de dança é um covil de bruxas,
descobrindo que a academia foi fundada em 1895 por uma grega acusada de
feitiçaria chamada Helena Markus, conhecida mais tarde como “Rainha Negra”, a
qual está por trás das mortes e lidera uma seita oculta de bruxas, e quem a
bailarina americana deverá enfrentar num confronto decisivo.
O cinema
italiano de horror é bastante conhecido pelas fortes cenas de violência e
sangue e os filmes de Dario Argento reforçam essa ideia. Em “Suspiria”, ocorre
uma cena de duplo assassinato no início do filme que é extremamente violenta,
onde duas mulheres são brutalmente dilaceradas, uma diretamente pelas mãos de
uma criatura diabólica, com pesados golpes de faca culminando num enforcamento
impressionante, e outra indiretamente pela ação devastadora dos pedaços
cortantes de uma vidraça despedaçada. São poucas as cenas de mortes, mas todas
são muito chocantes, como aquela em que um cego tem seu pescoço destroçado por
um cachorro que supostamente seria o melhor amigo do homem, e a sequência final
envolvendo uma morta-viva desfigurada e uma bruxa bestial. Tem ainda uma cena
grotesca envolvendo um morcego raivoso atacando uma mulher através de efeitos
bem precários e artificiais, mas que ainda assim impressionam principalmente
por datarem de quase trinta anos atrás.
Outros
detalhes relevantes no filme e que ajudaram a torná-lo cultuado e sempre
lembrado é a inclusão de uma trilha sonora macabra e bizarra composta de
suspiros, gritos e vozes indefinidas, criada pelo grupo de rock progressivo
italiano Goblin, ajudando muito no clima de tensão e desconforto durante toda a
projeção, e o uso exagerado de cores fortes em tons vermelhos, laranjas, azuis
e verdes dependendo dos cenários, num incrível e delirante surrealismo de
grande impacto visual.
A trilha
sonora foi composta quase que totalmente antes do início da produção do filme,
e Dario Argento fazia questão de tocá-la num volume alto durante as filmagens
para justamente envolver os atores num clima tenso de horror e perturbação
enquanto estavam em cena.
“Suspiria”
apresenta uma história sobrenatural, uma espécie de conto de fadas assombrado,
um pesadelo real. Porém, desconsiderando as sangrentas cenas de mortes e os
excelentes trabalhos de música e fotografia, podemos dizer que o roteiro é
óbvio demais e não desperta muito interesse, utilizando clichês comuns para
contar uma história simples e contemporânea de bruxaria. Em alguns momentos o
filme é cansativo, de ritmo lento e até sonolento, num intervalo muito grande
entre as cenas chocantes de violência, acontecendo pouca coisa entre esses
períodos e deixando muita informação solta sem destino, para somente chegar ao
ápice na intensa e memorável sequência final.
Dario Argento
é filho de uma fotógrafa brasileira, Elda Luxardo, e de um produtor de cinema
italiano, e foi casado com a atriz Daria Nicolodi, com quem teve uma filha, a
bela Asia Argento, que também seguiu a carreira de atriz, tendo inclusive
participado de muitos filmes do próprio pai. Nicolodi também tem uma outra
filha de um casamento anterior, Fiore Argento, igualmente atriz. O cineasta
sempre demonstrou sua apreciação pelos giallos italianos, pequenos livros
populares de mistério e suspense com capas amarelas, e nunca escondeu sua
admiração pelo cineasta Alfred Hitchcock, diretor de clássicos como “Psicose”
(60) e “Os Pássaros” (63), e pela literatura macabra do escritor Edgar Allan
Poe, em elementos que tornaram-se influências percebidas em seus filmes.
Inicialmente
trabalhando como um crítico de cinema, ele entrou definitivamente no mundo dos
filmes através de uma oportunidade recebida do cineasta Sergio Leone,
escrevendo o roteiro no final dos anos 60 do clássico do western “Era Uma Vez
no Oeste”, em parceria com Bernardo Bertolucci. Além de roteirista e produtor
(de obras como “Zombie, o Despertar dos Mortos” de George Romero, e “Demons” de
Lamberto Bava), ele é muito conhecido na direção de diversos trabalhos
consagrados. Sua carreira é composta, entre outros, pela chamada trilogia dos
animais, formada por “O Pássaro das Plumas de Cristal” (L´ucello dalle piume di
cristallo / The Bird with the Crystal Plumage, 70), seu primeiro suspense e
sucesso comercial, “O Gato de Nove Caldas” (Il gatto a nove code / The Cat of
Nine Tails, 71), e “Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza” (4 mosche di velluto
grigio / Four Flies on Grey Velvet, 72).
Depois vieram
“Prelúdio Para Matar” (Profondo Rosso / Deep Red, 75), o início de sua parceria
com a banda Goblin, “Suspiria” e “A Mansão do Inferno”, única parceria com o
lendário Mario Bava. A partir dos anos 80, sua filmografia é completada com
“Trevas” (Tenebre, 82), “Phenomena” (85, lançado em DVD pela “Works Editora” em
Janeiro de 2006), “Terror na Ópera” (Opera, 87), “Dois Olhos Satânicos” (Two
Evil Eyes, 90), em parceria com George Romero na adaptação de dois contos do
mestre da literatura de horror Edgar Allan Poe, sendo que Argento dirigiu sua
versão para “O Gato Preto”, “Trauma” (93), “Síndrome Mortal” (The Stendhal
Syndrome, 96), e “Um Vulto na Escuridão” (The Phantom of the Opera, 98), sua versão
para a famosa história de Gaston Leroux, “O Fantasma da Ópera”.
Mais
recentemente ele dirigiu “Insônia” (Sleepless, 2001), e seu último trabalho é
“The Card Player” (2004), com sua filha Fiore no elenco e com trilha sonora de
Claudio Simonetti, integrante da extinta banda Goblin.
“Suspiria”, que estava inédito no Brasil, foi finalmente lançado em Junho de 2004 no mercado nacional de DVD pela “Works Editora” (www.worksdvd.com.br) e o selo “Dark Side” (www.darksidedvd.com.br), numa caprichada edição dupla recheada com um interessante material extra. O primeiro disco traz o filme no formato de tela “Widescreen”, na versão original em inglês com opção de legendas em português, além de vários extras como um trailer internacional de dois minutos somente com imagens do filme, um trailer americano de um minuto e sem legendas, um spot para a TV sem legendas de aproximadamente trinta segundos de duração, três spots de rádio com áudio em inglês de trinta segundos cada, uma imensa galeria de fotos e posters com sete minutos de duração, as biografias da atriz Jessica Harper e do diretor Dario Argento, e finalmente uma sinopse simplificada do filme.
O segundo disco traz o documentário “O Terror de Dario Argento” (An Eye for Horror, 2000), de 57 minutos, dirigido e editado por Leon Ferguson, com produção executiva de Richard Journo, narração de Mark Kermode, e com a consultoria e condução das entrevistas pelo biógrafo Alan Jones.
O documentário
é uma verdadeira homenagem ao cineasta italiano trazendo diversas entrevistas,
cenas de bastidores, trechos de filmes, depoimentos e curiosidades sobre sua
cultuada obra, revelando detalhes e informações interessantes sobre os
pensamentos de Dario Argento, através de uma longa entrevista com o diretor.
Muitos nomes importantes e conhecidos do mundo do Horror deram suas opiniões
como os diretores John Carpenter, George Romero e William Lustig, além do
técnico em efeitos especiais Tom Savini, e os atores Michael Brandon (de
“Quatro Moscas Sobre Veludo Cinza”), Jessica Harper (“Suspiria”), Piper Laurie
(“Trauma”), sua ex-esposa Daria Nicolodi e suas filhas Asia e Fiore Argento.
Outras pessoas que também deram seus depoimentos foram o cantor de rock Alice
Cooper, o biógrafo Alan Jones, o produtor Claudio Argento, a escritora Maitland
McDonagh, e os compositores Claudio Simonetti e Keith Emerson (esse falando de
sua experiência em criar a trilha sonora macabra de “Mansão do Inferno”).
Foram exibidas
várias sequências de seus filmes como “Prelúdio Para Matar”, “O Gato de Nove
Caldas”, “Suspiria”, “Phenomena”, “Trauma”, “Dois Olhos Satânicos”, “A Mansão
do Inferno”, além de cenas dos bastidores de “Terror na Ópera”, um filme que
tem em sua trama central uma jovem com agulhas enfiadas sob os olhos para que
não pudesse fechá-los, sendo obrigada a ver cenas de profundo horror, numa
característica que sempre foi a metáfora do cinema de Dario Argento.
Entre os
assuntos abordados na obra do diretor italiano, foi comentado o fato que em
seus filmes a maioria dos assassinatos brutais são cometidos contra as
mulheres, e que se isso não seria uma característica misógina de Argento, fato
logo negado por ele e por todos que trabalham a sua volta. Foi também destacada
a preferência do diretor pelo resultado visual de suas imagens fortes em
relação à própria atuação do elenco, revelando até que não é de sua preferência
a interação com os atores, apesar de sempre tratá-los bem. Ele diz que as
filmagens são a parte mais desgastante de todo o trabalho, pois precisa
comandar uma grande quantidade de pessoas, e ele sempre deu muita importância
em sua vida para os momentos de solidão e reflexão, onde através de
experiências em sua personalidade sombria obteve muitas ideias que se
transformaram em filmes, pois o cinema permitia entrar na dimensão dos sonhos ou
pesadelos.
“Uma
vez você tendo assistido, você nunca mais se sentirá novamente seguro na
escuridão.”
“Suspiria” (Suspiria, 1977) – artigo # 262
data: 27/06/04 –
avaliação: 8 (de
site: www.bocadoinferno.com.br
blog: www.juvenatrix.blogspot.com.br
(postado em 24/11/05)
“Suspiria” (Suspiria / Suspiria – In den Kralen des Bosen, Itália /
Alemanha, 1977). Seda Spettacoli. Duração: 98
minutos. Direção de Dario Argento. Roteiro de Dario Argento e Daria
Nicolodi, baseados no livro “Suspiria de Profundis”, de Thomas De Quincey (não
creditado). Produção de Claudio Argento. Produção Executiva de Salvatore
Argento. Fotografia de Luciano Tovoli. Música de Dario Argento e do grupo de
rock progressivo Goblin, formado por Agostino Marangolo, Massimo Morante, Fabio
Pignatelli e Claudio Simonetti. Edição de Franco Fraticelli. Desenho de
Produção de Giuseppe Bassan. Efeitos Especiais de Germano Natali. Elenco:
Jessica Harper (Suzy Bannion), Stefania Casini (Sara), Flavio Bucci (Daniel),
Miguel Bosé (Mark), Barbara Magnolfi (Olga), Susanna Javicoli (Sonia), Eva Axén
(Patty Hingle), Rudolf Schundler (Prof. Milius), Udo Kier (Dr. Frank Mandel),
Alida Valli (Srta. Tanner), Joan Bennett (Madame Blanc), Jacopo Mariani
(Albert), Giuseppe Transocchi (Pavlo), Renato Scarpa (Prof. Verdegast),
Margherita Horowitz, Fulvio Mingozzi, Franca Scagnetti, Serafina Scorceletti.