A Noite dos Mortos Vivos (Night of the Living Dead, 1990)





“Aí vem eles, erguendo-se do fundo dos túmulos, enchendo a noite de gritos, manchando a terra de sangue... Aí estão eles, caminhando ao ritmo da morte, limpando o sangue dos lábios...”
 do livro “A Noite dos Mortos Vivos” (1974), de John Russo, baseado no roteiro do filme homônimo de 1968

Em 1968, o cineasta George Andrew Romero presenteou os apreciadores do cinema fantástico com um dos mais importantes filmes da história do gênero, o clássico absoluto “A Noite dos Mortos Vivos” (Night of the Living Dead), fotografado em preto e branco e com um orçamento reduzido, abordando o tema dos zumbis comedores de carne humana de forma definitiva, inspirando toda uma safra imensa de filmes posteriores influenciados por suas ideias.
Romero dirigiu depois mais cinco filmes de sua saga, “Despertar dos Mortos” (Dawn of the Dead, 78), “O Dia dos Mortos” (Day of the Dead, 85), “Terra dos Mortos” (Land of the Dead, 2005), “Diário dos Mortos” (Diary of the Dead, 2007) e “A Ilha dos Mortos” (Survival of the Dead, 2009), sendo alguns deles ótimos filmes de horror e com interessantes críticas sociais em seus argumentos. E em 1990, o conhecido técnico em maquiagem Tom Savini (de “Despertar dos Mortos” e “Sexta-Feira 13”, entre muitos outros filmes importantes do gênero), reuniu os principais envolvidos na produção do clássico de 68 (o próprio George Romero e ainda John Russo e Russ Streiner), e assumindo a direção lançaram juntos uma refilmagem, com a grande diferença de apresentar agora a violência dos mortos vivos em cores e através de técnicas de efeitos especiais mais modernas.  

Na história, um casal de irmãos, Barbara (Patricia Tallman, de “Comando Assassino”, 88) e Johnnie (Bill Mosley), está viajando de carro com destino para um cemitério onde está enterrada a mãe deles. Lá chegando, eles são surpreendidos pelo ataque de um homem com aparência grotesca. Barbara consegue fugir e vai pedir ajuda numa casa de campo, localizada numa fazenda próxima. Porém, enfrenta mais um ataque violento de um outro homem deformado, o obeso Tio Rege (Pat Logan), o dono da casa.
Paralelamente, chega também à propriedade rural um homem negro, Ben (Tony Todd, de “Candyman”, 92), guiando em alta velocidade uma camionete com pouca gasolina. Ele se encontra com Barbara e juntos tentam se defender dos mortos vivos, descobrindo que no porão ainda estão outras cinco pessoas refugiadas, o intransigente Harry Cooper (Tom Towles), sua esposa Helen (McKee Anderson), a filha ferida com uma mordida no braço, Sarah (Heather Mazur), e um casal de jovens, Tom Bitner (William Butler), sobrinho do Tio Rege, e sua esposa Judy Rose Larsen (Katie Finneran).
O grupo passa a enfrentar os perigos mortais de uma invasão de mortos vivos sedentos por seu sangue e famintos por sua carne, isolados no meio do nada e encurralados numa casa onde são vítimas de um perturbador sentimento de claustrofobia e incapacidade de fuga, além também de terem que administrar os impertinentes problemas de relacionamento (principalmente entre Ben e Harry, que estão constantemente em atrito), algo típico na raça humana e um fator negativo capaz de levá-los ao extermínio.

“Eles são nós. Nós somos eles, e eles são nós.”
 Barbara, comentando decepcionada que não há diferença entre a selvageria dos mortos e a dos vivos

Essa refilmagem de 1990 é honrada e digna do original, principalmente porque os envolvidos no projeto são as mesmas pessoas, de George Romero, passando por John Russo, a Russ Streiner, e com a direção nas mãos do famoso maquiador Tom Savini, um profissional especialista no gênero Horror, e que na vida real foi fotógrafo na sangrenta Guerra do Vietnã, onde testemunhou mortes violentas e corpos destroçados de soldados nos campos de batalha.
Na nova versão de “A Noite dos Mortos Vivos” não faltam as cenas carregadas de sangue e mutilações e a tradicional legião de mortos vivos deformados e pútridos, ingrediente indispensável na temática do filme. Mas, com a diferença do visual em cores e as maquiagens mais bem produzidas.
Eu particularmente ainda prefiro o original de uma forma geral, principalmente pela ousadia de George Romero e equipe em se fazer um filme extremamente perturbador com violência explícita e poucos recursos no final dos anos 60, há quase meio século atrás, num trabalho precursor tanto no cinema de horror mais violento, quanto no subgênero de mortos vivos devoradores de carne humana. Mas a refilmagem de 90 também é um ótimo filme, procurando respeitar a história original em seu argumento básico, apesar da inevitável liberdade de criação artística que alterou o final, sendo que o filme de 68 apresentou um desfecho bem mais interessante e surpreendente.
Uma das coisas que mais fascina na história é justamente a ideia de um caos instaurado repentinamente no mundo graças ao domínio dos mortos que são reativados misteriosamente e buscam se alimentar dos vivos. Os personagens inicialmente não sabem as origens desse fenômeno e ficam especulando sobre as causas dos cadáveres se levantarem de seus túmulos, atribuindo a onda de violência para uma suposta fuga de prisioneiros ou uma contaminação química, descobrindo-se apenas mais tarde que poderia talvez se tratar de uma infecção trazida do espaço. Imaginem o choque que qualquer ser humano teria se de repente estivesse no meio de uma horda de zumbis querendo devorá-lo impiedosamente, e que toda a civilização estaria fatalmente afetada por uma histeria crescente que colocaria em risco a vida humana no planeta, pois além dos cadáveres voltarem a andar e terem como principal cardápio a carne humana dos vivos, as criaturas ainda tem o poder de transformar pessoas sadias em outros mortos vivos, através de um vírus contagiante.

“Não tente encontrar os amigos ou a família. Não tente ir às estações de resgate já identificadas, pois podem estar fora de operação. Estamos repetindo o aviso do órgão de prevenção de emergências das 23:00 horas do dia 23 de Agosto de 1989. Foi confirmado que os corpos dos mortos estão sendo reativados por forças desconhecidas. Estes corpos são fracos e sem coordenação, mas capazes de causar danos às pessoas e às propriedades. São considerados perigosos, especialmente quando em grupos. Podem ser inutilizados somente de uma maneira: pelo cérebro. Estes corpos reativados atacam animais de sangue quente de todas as espécies, incluindo seres humanos, sem nenhuma provocação, devorando a carne. Foram confirmados homicídios e canibalismos durante o dia de 23 de Agosto de 1989, atribuído, pelo menos em parte, a esses corpos reativados...”  Mensagem de alerta das autoridades, transmitida pelo rádio

“A Noite dos Mortos Vivos” foi lançado em DVD no mercado brasileiro pela “Columbia Tristar Home Entertainment”, num disco de duas faces, sendo o lado “A” com as imagens em “widescreen”, e o lado “B” em tela cheia. Entre os materiais extras temos o comentário em áudio do diretor Tom Savini, um documentário de 25 minutos de duração chamado “The Dead Walk – Remaking a Classic”, escrito, produzido e dirigido por Jeffrey Schwartz, com depoimentos de Tom Savini, George Romero, Russ Streiner, John Russo, Tony Todd e Patricia Tallman, entre outros, além de trailers de um minuto com “A Noite dos Mortos Vivos” (90) e de dois minutos e meio com “Força Diabólica” (The Tingler, 59), produção em preto e branco de William Castle e com Vincent Price, e notas sobre a equipe de produção e os principais atores, destacando Tom Savini, George Romero, Tony Todd e Patricia Tallman. O fato negativo de todo esse interessante material extra é que tudo está disponível apenas na versão original em inglês, sem a opção de legendas em português.
Entre as curiosidades podemos citar que o produtor Russ Streiner (tanto do original quanto da refilmagem), que participou do filme de 1968 na seqüência de abertura no cemitério, como Johnny, o irmão gozador de Barbara, também apareceu rapidamente no filme de 90, próximo ao final, como um homem sendo entrevistado para a televisão, falando das façanhas ao exterminar os zumbis, sendo de forma não creditada em ambos os casos. E o ator Bill “Chilly Billy” Cardille apareceu também como um repórter em ambas as versões, tanto de 68 como a de 90.
A cena próxima do final, onde vários zumbis estão pendurados numa árvore e servindo de alvo para tiroteios dos sádicos caçadores de mortos vivos, estava prevista para aparecer no filme original, mas teve que ser cortada por causa das tensões raciais que agitavam os Estados Unidos na época, e a inclusão dessa cena na refilmagem foi uma homenagem.  
No documentário “The Dead Walk”, Tom Savini revelou que várias cenas violentas onde os mortos vivos eram alvejados na cabeça, evidenciando o sangue em profusão, foram censuradas e tiveram que ser substituídas na edição final por outras menos chocantes, além também de outras cenas fortes que foram cortadas, com os momentos mais perturbadores de horror gráfico aparecendo apenas “off screen”.

“Isto é alguma coisa que ninguém jamais ouviu falar a respeito, e ninguém jamais viu antes. Isto é Inferno na Terra” – Ben, definindo o caos instaurado pela invasão dos mortos

A Noite dos Mortos Vivos” (Night of the Living Dead, 1990) # 349 – data: 13/11/05 – avaliação: 8 (de 0 a 10)
blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 13/11/05)

A Noite dos Mortos Vivos (Night of the Living Dead, Estados Unidos, 1990). Columbia Pictures. Duração: 86 minutos. Direção de Tom Savini. Roteiro de George A. Romero, baseado no roteiro original do filme homônimo de 1968, escrito por John A. Russo e George A. Romero. Produção de John A. Russo e Russ Streiner. Produção Executiva de Menahem Golan e George A. Romero. Música de Paul McCollough. Fotografia de Frank Prinzi. Edição de Tom Dubensky. Desenho de Produção de Cletus Anderson. Direção de Arte de James C. Feng. Efeitos Especiais de Everett Burrell e John Vulich. Elenco: Tony Todd (Ben), Patricia Tallman (Barbara), Tom Towles (Harry Cooper), McKee Anderson (Helen Cooper), William Butler (Tom Bitner), Katie Finneran (Judy Rose Larsen), Bill Mosley (Johnnie), Heather Mazur (Sarah Cooper), Pat Logan (Tio Rege), David Butler, Zachary Mott, Pat Reese, William Cameron, Berle Ellis, Bill “Chilly Billy” Cardille.   






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