Comentários de Cinema - Parte 38


Filmes abordados:

Numa Noite Escura (One Dark Night, EUA, 1982)
Ogroff / Mad Mutilator (França, 1983)
The Black Cat (Il Gatto Nero / Demons 6: De Profundis, Itália, 1989)

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* Numa Noite Escura (1982)

Uma jovem estudante é obrigada a passar uma noite num mausoléu repleto de cadáveres que não querem ficar em seus caixões

“Numa Noite Escura” (One Dark Night, 1982) é mais um daqueles filmes divertidos e claramente datados, associado aos anos 80 do século passado, com direção do então estreante Thomas McLoughlin, que alguns anos depois faria “Sexta-Feira 13 – Parte 6 – Jason Vive” (1986).
A estudante Julie Wells (Meg Tilly) aceita se submeter a um processo de iniciação numa irmandade escolar liderada por Carol Mason (Robin Evans), além de Kitty (Leslie Speights), que tem a mania de ficar mastigando uma escova de dente, e Leslie Winslow (Elizabeth Daily). O desafio é dormir uma noite inteira dentro de um enorme mausoléu num cemitério, cercada de dezenas de caixões armazenados em suas respectivas gavetas mortuárias, guardando cadáveres.
Porém, para agravar a situação que já é bizarra e sinistra, chega ao mausoléu um morto diferente. Ele foi o cientista Dr. Karl Raymarseivich, um estudioso da bioenergia, a força eletromagnética de todas as coisas vivas, e que após muitas experiências descobriu possuir poderes telecinéticos para movimentar objetos e pessoas à distância. Ele tornou-se obcecado no assunto e com técnicas de vampirismo psíquico, adquiriu um poder maligno, drenando a energia vital das pessoas e colecionando vítimas.
Uma vez o cadáver do cientista encarcerado no mausoléu, seus poderes de telecinese vem à tona e ele revive os mortos, que saem de seus caixões e vagueiam pelos corredores do lugar, ameaçando a vida da jovem Julie, em seu desafio de passar uma noite, e também das amigas que pretendiam assustá-la com brincadeiras. Para tentar resgatá-la, seu namorado Steve (David Mason Daniels) vai ao mausoléu, assim como a filha do cientista, Olivia McKenna (Melissa Newman), que tem poderes de premonição e foi ao encontro de Julie, entrando em confronto com seu pai, distorcido pela maldade.
O filme tem uma história facilmente classificada como ingênua e clichê, com pouco sangue e violência na maior parte de sua duração, ao mostrar de forma meio arrastada o desafio pessoal da estudante Julie em provar sua coragem às amigas, dormindo uma noite trancada num mausoléu cheio de mortos. Também cansa um pouco acompanharmos a história do cientista que estuda ocultismo e desenvolve poderes de telecinese, apresentada por um escritor de artigos sobre ocultismo, Samuel Dockstader (Donald Hotton).
Mas, a compensação pela espera do horror veio no ato final, onde os cadáveres em putrefação saem de seus repousos nos caixões e povoam os corredores do mausoléu, espalhando o caos para os vivos que por infortúnio estavam em seu caminho. E com o uso dos divertidos efeitos especiais da época, com bonecos toscos simulando cadáveres podres gosmentos, cheios de melecas pingando e com vermes caminhando nos órgãos internos, num trabalho de maquiagem que não apelava para a ajuda de programas de computadores que tornam tudo exageradamente falso. Um tempo onde não existia a artificialidade do CGI, característica do cinema moderno. É verdade que os efeitos bagaceiros dos mortos nos remetiam àqueles bonecos macabros dos trens fantasmas de parques de diversões, mas é inegável que justamente isso é que proporciona o entretenimento.   
Entre as várias curiosidades, o eterno Batman da série pastelão de TV dos anos 1960, Adam West, faz parte do elenco interpretando Allan McKenna, o marido de Olivia, a filha vidente do cientista do mal. Martin Nosseck fez uma rápida participação como o zelador do cemitério em seu único trabalho no cinema, e faleceu dois dias após as filmagens. Inicialmente, o filme iria se chamar “Rest in Peace” (“Descanse em Paz”). Tem uma cena onde estudantes jogam um vídeo game da época, e que hoje, passados mais de 35 anos, parece extremamente bizarro pela simplicidade.
(RR – 26/02/18)

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* Ogroff / Mad Mutilator (1983)

Tranqueira francesa extremamente ruim, do mesmo realizador da bagaceira “Dinosaur From the Deep”

N. G. Mount (creditado como Norbert Georges Mount) é um francês que brincou algumas vezes de diretor, roteirista, produtor e ator de filmes bagaceiros de horror e ficção científica. Em 1993 ele lançou a porcaria colossal “Dinosaur From the Deep”, a qual já escrevi uma breve resenha alertando sobre sua ruindade extrema, apesar da curiosidade de ter no elenco o diretor cultuado Jean Rollin.
Porém, dez anos antes, ele havia lançado um filme mais bagaceiro ainda. Trata-se do bizarro “Ogroff”, que também recebeu o título inglês “Mad Mutilator”. Praticamente não tem roteiro, pois a história é uma bagunça sem qualquer coerência e nada funciona no filme. O elenco é péssimo, os efeitos são toscos, falsos e inconvincentes, a trilha sonora é irritante, não existe continuidade e a produção geral é extremamente amadora.
Trata-se de uma mistura de “slasher”, “zumbis” e “vampirismo”. Ogroff é um lenhador psicopata mascarado assassino que mora numa cabana isolada na floresta. Ele é interpretado pelo próprio N. G. Mount e utiliza um machado alternando com uma motosserra para chacinar suas vítimas. Os mortos também não querem permanecer enterrados e saem de suas covas rasas. E um vampiro interpretado pelo veterano Howard Vernon (de vários filmes de Jesus Franco) tem uma participação rápida.
É até difícil registrar a sinopse, pois como já mencionado, não tem história. O assassino que vive no meio do mato está sempre procurando aleatoriamente oportunidades para matar pessoas desavisadas que invadem seu território. Entre as vítimas, tem uma família que pára o carro numa estrada e um grupo de jovens que está se divertindo na floresta, jogando xadrez. Em paralelo, os mortos decidem sair de seus túmulos, entrando em confronto com o psicopata mascarado, e um vampiro resgata uma mocinha fugitiva das atrocidades, e decide experimentar seu sangue.
Tem até uma criança brutalmente esquartejada, além de braços e pernas decepados, mutilações, vísceras e sangue falso para todos os lados. Mas, tudo filmado de forma tão amadora que não funciona nem como filme bagaceiro. O diretor se inspirou claramente em “A Noite dos Mortos-Vivos”, “Sexta-Feira 13”, “O Massacre da Serra Elétrica” e outros similares, apenas validando sua condição de fã dessas obras importantes do cinema de horror. Mas, em relação ao seu filme, ele não conseguiu agregar nada ao gênero.
A trilha sonora é horrível e irritante, com sons da floresta, pássaros e água corrente, tudo tão exagerado que incomoda. Entre as inúmeras cenas patéticas, podemos citar algumas como o assassino se masturbando com um machado; o descarte de um carro jogado num rio (na verdade é um carrinho miniatura de brinquedo que afunda numa pia de água, numa cena hilária); uma luta pessimamente coreografada entre o assassino e seu machado, com outro homem e sua motosserra; a mocinha perseguida e lutando para não morrer de forma violenta, decidindo se relacionar sexualmente com o psicopata, dormindo com ele. Além dessas bizarrices, tem uma cena onde o assassino sai de dentro do porta-malas de um carro, de forma totalmente aleatória, e surpreende o motorista, que tem uma morte sangrenta.
Todos os personagens não têm nome, nem função no filme, eles surgem do nada apenas para morrer dolorosamente nas mãos do psicopata da floresta. Aliás, o assassino esquarteja suas vítimas para depois fornecer os restos dos cadáveres como alimento para zumbis que ele mantém no porão de sua cabana. Além disso, os mortos também saem de suas sepulturas aleatoriamente, apenas para caminhar errantes por uma estrada deserta no meio do bosque, e perseguir os vivos.
São 90 minutos de duração que parecem intermináveis, numa dificuldade enorme em agüentar assistir até o final. Ficaria bem melhor se fosse apenas um curta metragem de não mais de 15 minutos, compilando algumas cenas razoáveis de violência, mesmo que mal feitas, e com a inclusão de um roteiro.
“Ogroff” é um exemplo de filme bagaceiro que não diverte e apenas passa para o espectador a desconfortável sensação de perda de tempo depois de assistir. Não tem história e os efeitos são tão ruins que um grupo de estudantes adolescentes, igualmente sem dinheiro, consegue reproduzir provavelmente melhor. 
(RR – 17/03/18)

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* The Black Cat (1989)

Uma mistura de horror e fantasia de Luigi Cozzi, datada dos anos 80, mas que não empolga

O cineasta Luigi Cozzi é um nome lembrado no cinema fantástico italiano, por seus filmes bagaceiros como “Starcrash” (1978), “Alien – O Monstro Assassino” (1980) e “Paganini Horror” (1989), entre outros. Também em 1989 ele dirigiu e escreveu o roteiro (sob o pseudônimo Lewis Coates), da tranqueira “The Black Cat” (Il Gatto Nero), que recebeu o título picareta alternativo internacional “Demons 6: De Profundis”.
Na história, o diretor de cinema Marc Ravenna (Urbano Barberini) e seu sócio, o roteirista Dan Grudzinski (Maurizio Fardo, não creditado), envolvem-se num projeto para a realização de um grande filme de horror, inspirados pela lenda da bruxa Levana, a terceira de três deusas da dor, também conhecida como “mãe das lágrimas”, uma criatura maligna saída das profundezas (“De Profundis”). Marc é casado com a atriz Anne Ravenna (Florence Guérin) e Dan é o namorado da atriz Nora (a inglesa Caroline Munro, um rosto conhecido por vários filmes bagaceiros divertidos do gênero fantástico como “Drácula no Mundo da Minissaia”, 1972, “No Coração da Terra”, 1976, e “O Maníaco”, 1980).
Para conseguir financiamento para o projeto, eles recorrem ao famoso produtor Leonard Levin (Brett Halsey), um arrogante homem de negócios que decide fazer o filme com seu dinheiro. Porém, ninguém esperava que a bruxa Levana se materializasse e por não querer a produção do filme, passasse a aterrorizar Anne com pesadelos perturbadores, além de espalhar sangue e mortes aos envolvidos direta ou indiretamente na realização do filme, como a babá Sara (Luisa Maneri) ou a estudiosa de ocultismo Esther Semerani (Karina Huff).
“The Black Cat” ou “Il Gatto Nero” tem inspiração no conto “O Gato Preto”, de Edgar Allan Poe, e o roteiro de Luigi Cozzi mostra uma história exagerada na fantasia, com exercícios de metalinguagem (filme dentro de filme) e cujo resultado final não empolga muito. Tudo é muito datado dos anos 80, desde a trilha sonora aos efeitos bagaceiros de raios coloridos saindo dos olhos e mãos da bruxa. Tem até bons momentos de cenas “gore”, com tripas saindo de televisão, corpo explodindo, sangue e vômitos espalhados, além da interessante caracterização da bruxa, numa época sem CGI. Mas, o sangue derramado é insuficiente para garantir um interesse maior, já que a história é bem fraca. 
Curiosamente, o cineasta independente gaúcho Felipe M Guerra lançou um documentário em 2016 sobre a obra de Luigi Cozzi, que recebeu o título “FantastiCozzi”, trazendo depoimentos do diretor e trechos de seus filmes.
Outras curiosidades incluem citações em diálogos sobre o poeta dos malditos “Baudelaire” e do diretor Dario Argento e seu filme mais cultuado, “Suspiria” (1977), sobre a bruxa “Mãe dos Suspiros”.
Ainda tem a participação não creditada do cineasta Michele Soavi (de “O Pássaro Sangrento”, 1987, “A Catedral”, 1989, e “Pelo Amor e Pela Morte”, 1994), fazendo o papel de um diretor de cinema.
A atriz Giada Cozzi fez o papel da adolescente Sybil, uma espécie de fada mirim que orienta a perseguida atriz Anne a combater o mal da bruxa Levana. Ela é filha do diretor Luigi e participou de alguns filmes dele em 1989.
(RR – 23/03/18)

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