“Uma noite sem
luar, esta casa, e uma certa atmosfera. Devo confessar que preferia fantasmas e
vampiros, no entanto. Eles são muito mais humanos, eles têm uma tradição a
cumprir. De alguma forma, conseguem manter todo o horror sem derramar sangue.”
– Sophia Lehar, desconfortável pelo ambiente sinistro da “casa do exorcismo”
No início dos anos 70 do século passado,
os filmes com fantasias góticas estavam começando a declinar, após o auge na
década de 1960. Eles estavam cedendo espaço para filmes cada vez mais
violentos, com o satanismo sendo um tema bastante explorado.
O cineasta Mario Bava (1914 / 1980), eternamente cultuado na história do
horror gótico, ainda lançou em 1973 “Lisa e o Diabo” (Lisa e il Diavolo
/ Lisa and the Devil), mais uma preciosidade desse fascinante estilo, inserindo
elementos urbanos e o diabo.
Uma turista americana, Lisa Reiner (a
alemã Elke Sommer), se perde no meio de um vilarejo espanhol sinistro com becos
estreitos desertos e casas antigas de pedra. Quando a noite chega trazendo
ainda mais insegurança, ela solicita uma carona no carro de Francis Lehar
(Eduardo Fajardo), que está acompanhado de sua esposa infiel Sophia (a croata Silva
Koscina), amante do motorista George (Gabriele Tinti). O carro tem pane mecânica
próximo de uma mansão sombria e eles são convidados pelo jovem hospitaleiro Max
(Alessio Orano), filho da Condessa (Alida Valli), cega e uma anfitriã bem menos
amistosa. Para completar a estranheza do lugar, eles são recepcionados pelo sinistro
mordomo Leandro (Telly Savalas), e ainda tem a presença misteriosa de Carlo
(Espartaco Santoni), marido infiel da Condessa e pivô de uma história de
traição e tragédia familiar.
Mario Bava teve a ideia para o filme se
inspirando numa pintura mural com a representação do “Diabo que transporta os
mortos”, cuja semelhança física com o Mordomo Leandro é bastante notável.
Aliás, o calvo Leandro, que constantemente tem um pirulito na boca para
substituir o cigarro, é interpretado por Telly Savalas (1922 / 1994), ator do
clássico de guerra “Os Dozes Condenados” (1967) e da divertida bagaceira “O
Expresso do Horror” (1972), além de várias séries de TV, sendo um rosto muito
conhecido pelos 117 episódios da série policial “Kojak” (1973 / 1978).
Como em todos os filmes do cineasta
italiano, temos uma narrativa mais lenta com uma atmosfera perturbadora de
pesadelo na mansão macabra, cheia de aposentos enormes, coloridos e mobília
antiga. O clima é bem pesado, angustiante, depressivo, desconfortável, que
envolve o mistério de uma família bizarra atormentada pela tragédia,
desconfiança e insanidade. Não há profusão de sangue, mas as poucas mortes são
bem violentas.
“Lisa e o Diabo” foi lançado em DVD no
Brasil em 2015 pela “Versátil”, na coleção “Obras-Primas do Terror – Volume 2”.
De material extra veio incluso o documentário “O Exorcismo de Lisa” (2004), com
depoimentos interessantes do biógrafo Alberto Pezzotta, do roteirista Roberto
Natale (que escreveu o filme, mas curiosamente não foi creditado), além de
Lamberto e Rov Bava, respectivamente filho e neto do diretor. Eles comentaram,
entre outras coisas, sobre a versão americana lançada em 1975 com o título “The
House of Exorcism”, aproveitando o apelo comercial com o grande sucesso de “O
Exorcista” (1973), de William Friedkin. A nova versão é basicamente formada
pelo mesmo filme “Lisa e o Diabo” anterior, com o acréscimo de cenas de
exorcismo de Lisa possuída e a inclusão do Padre Michael (Robert Alda), como um
exorcista que tenta livrá-la da influência do demônio. Outra diferença significativa
refere-se à exploração das cenas de nudez e sexo, bem mais explícitas.
(RR
– 08/04/20)