“Só uma moeda no
coração pode dar paz àqueles que foram mortos de forma violenta.”
O cinema gótico italiano, assim como os
filmes da produtora inglesa “Hammer”, garantiu seu lugar de destaque de forma
significativa na história do Horror. “O Ciclo do Pavor” (Operazione
Paura / Kill Baby... Kill!, 1966) é mais uma dessas preciosidades de valor
inestimável para os apreciadores do estilo. O filme tem direção do mestre Mario
Bava (1914 / 1980), um dos grandes nomes cultuados do cinema fantástico,
especialmente pelas obras-primas do horror gótico como “Os Vampiros” (1957), “A
Maldição do Demônio” (1960), “As Três Máscaras do Terror”, “O Chicote e o
Corpo” (ambos de 1963), entre outros.
O médico legista Dr. Paul Eswai (Giacomo
Rossi-Stuart) vai até um distante vilarejo chamado Karmingam para realizar a
autópsia de uma jovem mulher, Irena Hollander (Mirella Panfili), que morreu de
forma violenta e misteriosa. Ao chegar, logo é avisado pelo cocheiro da
carruagem que o transportou que o local é maldito, e também é mal recebido
pelos aldeões supersticiosos, percebendo que no vilarejo impera o medo e reina
a morte.
As investigações do óbito suspeito são
lideradas pelo Inspetor da polícia Kruger (Piero Lulli), que recebe o apoio,
mesmo que meio contrariado, do burgomestre local Sr. Karl (Max Lawrence, pseudônimo
de Luciano Catenacci).
O Dr. Eswai recebe a ajuda de uma
estudante de medicina também recém chegada, Monica Schuftan (Erika Blanc), que
tem uma história familiar misteriosa com a pequena cidade. E também recebe o
apoio de uma estranha feiticeira, Ruth (Fabienne Dali), que parece conhecer os enigmas
obscuros que rondam as ruas do vilarejo amaldiçoado, e a relação com a Villa
Graps, uma mansão tétrica e decadente onde vive reclusa a Baronesa Graps (Giana
Vivaldi), que tinha uma filha, Melissa (curiosamente interpretado por um
menino, Valerio Valei, em seu único trabalho no cinema), que morreu num
acidente trágico enforcada há vinte anos, com seu espírito atormentado vagando
em busca de vingança.
O Horror Gótico é um dos subgêneros mais
fascinantes do cinema fantástico. Esse filme de Mario Bava tem uma atmosfera
sinistra constante de gelar a espinha, um clima pesado, sombrio e depressivo
com o vilarejo amaldiçoado, os aldeões supersticiosos e péssimos anfitriões, o
cemitério envolto em névoa espessa, as casas frias de pedra, a mansão macabra
com aposentos enormes cheios de teias de aranha, a escada em espiral
hipnotizante, a cripta com túmulos gelados, os gemidos agonizantes povoando a mente
com tormentos e fantasmagorias.
“O Ciclo do Pavor” teve uma versão
americana reduzida, que recebeu o título “Curse of the Living Dead”, e outra
mais completa para distribuição em vídeo com o nome mal escolhido “Kill Baby...
Kill! (não é só no Brasil que muitos títulos são péssimos).
Para a satisfação dos colecionadores e
apreciadores do Horror Gótico, foi lançado em DVD no Brasil pela “Versátil”, na
coleção “Obras-Primas do Terror – Volume 2”. Como material extra temos um valioso
depoimento do diretor e roteirista italiano Luigi Cozzi, sobre uma entrevista
que ele fez com Mario Bava quando ainda era bem jovem e jornalista a serviço da
lendária revista americana “Famous Monsters of Filmland”, do editor Forrest J.
Ackerman (1916 / 2008). Cozzi relatou várias curiosidades interessantes.
As filmagens externas foram feitas em
apenas seis noites e o total com as cenas de estúdio totalizou doze dias. Bava
revelou que não gostava de excesso de sangue e a exposição de monstros
aterrorizantes nos filmes, e que preferia um horror mais sugerido, optando por
não mostrar o monstro, obtendo um resultado melhor.
O diretor italiano não era reconhecido
na época em seu próprio país, mas era admirado nos Estados Unidos, justificando
o interesse pela entrevista, num exemplo similar com o nosso José Mojica Marins
(“Zé do Caixão”), que recebeu o nome “Coffin Joe” nos Estados Unidos, onde seus
filmes eram cultuados, e que felizmente depois (antes tarde do que nunca) foi
reconhecido no Brasil como um merecido “mestre do Horror”.
“O Ciclo do Pavor” teve muitas
dificuldades na distribuição, pois a produtora responsável pelo filme faliu
antes do lançamento. Cozzi disse que conseguiu ver o filme num cinema pequeno e
que ficou em cartaz por pouco tempo. Felizmente foi reconhecido mais tarde como
“obra-prima” e respeitado como um filme de horror gótico que deve ser
reverenciado eternamente.
(Juvenatrix – 30/03/20)