Assombração (2006)


Para a sorte e satisfação dos apreciadores do cinema de Horror, as produções orientais do gênero (oriundas de países como Japão, China, Coréia do Sul, Hong Kong e Tailândia), estão chegando com bastante intensidade ao Brasil, invadindo principalmente o mercado de vídeo, e até com algumas delas entrando em cartaz nos cinemas, distribuídas pela “PlayArte”.
Já tivemos a exibição nas telas grandes brasileiras de filmes interessantes sobre fantasmas como “Visões” (The Eye 2) e “Espíritos – A Morte Está Ao Seu Lado” (Shutter), ambos de 2004. E agora estreou nos cinemas em 04/08/06 o filme “Assombração” (Gwai Wik / Re-Cycle, Hong Kong / Tailândia, 2006), dirigido pelos irmãos Oxide e Danny Pang e com a mesma bela atriz de “The Eye – A Herança”, Angelica Lee Sinje, numa história povoada de elementos perturbadores de horror como ambientes desoladores, espíritos atormentados, suicidas desorientados, mortos errantes e esquecidos, bebês abortados e todo tipo de habitantes de um mundo de pesadelo.

A jovem escritora Chu Xun (Angelica Lee Sinje), conquistou um grande sucesso entre os leitores com um livro que trata de uma história de amor que teve inspiração em sua própria experiência pessoal com uma paixão do passado, e que deixou marcas profundas em sua vida. Para incitar a curiosidade em seus fãs, seu agente Lawrence (Lawrence Chou), anuncia o próximo livro da autora num evento para a imprensa, revelando a mudança de temática para uma história sobrenatural sobre fantasmas, e que também poderia ter elementos baseados em sua vida real.
Quando Chu Xun inicia o trabalho com o livro, ela encontra muitas dificuldades de criação para começar a história, e seus problemas aumentam ainda mais quando passa a ter visões estranhas em sua casa, com o surgimento da silhueta de uma misteriosa mulher que se parece com a protagonista de seu novo livro, originando uma sucessão de eventos confusos em sua mente, dificultando separar a realidade da ficção e culminando com uma incrível viagem que ela faz por um mundo onírico dominado por um horror em estado absoluto.

“Assombração” é uma verdadeira viagem pelo inferno, por um mundo de desolação e pesadelo. Uma jornada tortuosa e obscura feita pela escritora Chu Xun, obrigada a passar por locais devastados e esquecidos pelo tempo como um parque de diversões sinistro, ou uma biblioteca repleta de livros velhos e cheios de poeira, ou uma dimensão coberta de brinquedos antigos e abandonados, ou uma região com uma ponte transitada por zumbis desorientados, ou uma caverna habitada por fetos e bebês deformados, ou uma floresta fantasmagórica com enforcados para todos os lados, ou ainda um triste cemitério com os mortos ao lado de suas lápides, lamentando por terem sido esquecidos e abandonados pela eternidade. E para encontrar uma saída desse universo caótico, ela teria que chegar até uma região chamada de “Transição”. Para sair do pesadelo, ela tem a ajuda de uma misteriosa garotinha de oito anos que encontrou pelo caminho e que conhece alguns dos segredos desse mundo desolador, e cada passagem deve ser percorrida em pouco tempo, pois rapidamente as várias dimensões macabras recebem uma espécie de “reciclagem” e tudo que estão nelas é desintegrado e destruído.
O filme tem boas doses de sustos, uma especialidade do cinema oriental, efeitos especiais eficientes (que não fica para trás dos americanos, que gostam de investir nesse quesito), um roteiro que desperta a atenção do espectador, incitando a participar da jornada sobrenatural da escritora, e um desfecho interessante, além de toda a ambientação convincente de um mundo povoado por fantasmas e criaturas perdidas em meio a um cenário de depressão. Outros fatores positivos são o ótimo trailer de divulgação, que reuniu imagens interessantes do filme e que aguçaram a curiosidade em conhecer a história, o também ótimo pôster principal, mostrando a escritora perdida num ambiente lúgubre e perseguida por uma legião de espíritos putrefatos, e também a criativa tagline promocional “Como fugir de um pesadelo criado por você mesmo?”.
Porém, temos um ponto desfavorável: após uma revelação importante sobre a relação entre a escritora e a menina que a acompanha pela viagem nesse mundo distorcido, o roteiro exagerou na carga dramática, se afastando demais de todo aquele clima mórbido que envolvia a trama, mas nada que atrapalhe de forma significativa, tanto que no saldo final, “Assombração” é mais um dos vários bons filmes orientais de horror produzidos nesse início de século XXI, mostrando toda a força e potencial que o gênero ainda possui, despertando a admiração do público que acompanha o estilo.

A “PlayArte” está tendo o mérito de lançar nos cinemas e em vídeo vários filmes orientais interessantes no gênero Horror, porém a distribuidora também é conhecida por escolher péssimos títulos nacionais. Os responsáveis por nomear os filmes que chegam por aqui conseguem demonstrar uma incrível incompetência e cada vez superando-se ainda mais. Para comprovar isso, basta lembrar alguns poucos exemplos como o violento “Pânico na Floresta” (Wrong Turn, 2003), e três filmes já citados nesse texto: “Visões”, que na verdade é a continuação de “The Eye – A Herança”; “Shutter”, que recebeu o enorme, super manjado e sensacionalista título “Espíritos – A Morte Está Ao Seu Lado”; e agora esse “Assombração”, que é igualmente um nome óbvio demais, comercial demais e inadequado demais, pois o melhor seria apenas traduzir o original em inglês, algo como “Reciclagem”, que tem relações diretas com acontecimentos da história do filme.
Um detalhe interessante e que gostaria de registrar é que na sessão em que assisti “Assombração”, a sala estava cheia e as pessoas estavam lá para ver um filme oriental de horror em vez das tradicionais produções americanas, muito parecidas entre si, repletas de clichês cansativos e com pouca ousadia em suas histórias na maioria das vezes (claro que temos boas exceções como “O Albergue” e “Viagem Maldita”, entre outros).
Outro fato que merece registro é que não é só a “PlayArte” que precisa de um alerta de reprovação (na escolha ruim dos títulos nacionais), pois parte do público que freqüenta os cinemas é formada por aqueles adolescentes acéfalos e sem educação, que não respeitam um lugar público, atrapalhando quem quer ver o filme em paz, através de conversas e comentários inoportunos e em tom alto. Sinceramente (e acredito que muitos concordarão comigo), o mundo dos cinéfilos seria muito melhor sem essas criaturas indesejáveis freqüentando as salas dos cinemas.

“Assombração” (Gwai Wik / Re-Cycle, Hong Kong / Tailândia, 2006) # 396 – data: 06/08/06 – avaliação: 8 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 07/08/06)