A Invasão dos Insetos Gigantes no Cinema


A humanidade, em determinado momento de sua sangrenta história, recheada das mais bizarras e “irracionais” atrocidades, estudando alternativas bélicas para as conquistas das absurdas guerras que se realizavam entre as nações, entrou decisivamente na era atômica na década de 1940, culminando na barbaridade cometida pelos Estados Unidos ao despejar bombas nucleares em cidades japonesas durante a Segunda Guerra Mundial. E, com isso, o Homem acabou abrindo uma desconhecida porta para um mundo novo, onde a paranóia da era nuclear permitiria o surgimento de uma rica fonte de argumentos para o cinema de ficção científica e horror nos anos 1950, além de possibilitar também o aparecimento de novos sub-gêneros dentro dessa temática, dando liberdade para os diversos “cientistas loucos” exercitarem suas habilidades na criação das mais medonhas ameaças à humanidade. Fazendo parte dessas ramificações do cinema fantástico, surgiram os filmes que afetivamente são chamados de “Big Bug”, ou “Inseto Gigante”.
Esses filmes introduziram no cinema como principais protagonistas os mais diferentes insetos, que de ingênuos, pequenos e aparentemente inofensivos, transformaram-se em gigantescas criaturas ameaçadoras, alteradas pela exposição à elementos radiativos que atacavam suas estruturas genéticas e agiam diretamente no aumento desproporcional de seus tamanhos.

A fase dos “Big Bugs” teve início em 1954 com o lançamento de um pequeno clássico da ficção científica, “Them!”, dirigido por Gordon Douglas e que no Brasil recebeu o título de “O Mundo em Perigo”. Filmado em preto e branco com uma ótima produção e um roteiro inteligente de David Sherdeman a partir de uma história de George Worthing Yates, o filme foi uma das primeiras tentativas de injetar a paranóia nuclear numa fórmula de causa e efeito, ou seja, a ação nociva do Homem através da manipulação de elementos atômicos e a reação da natureza, gerando um novo e terrível tipo de praga na imaginação da humanidade. Nesse caso específico, a ação foi sobre inocentes formigas que cresceram assustadoramente de tamanho devido à testes com bombas nucleares no deserto do Novo México, nos Estados Unidos. Elas não são seres de natureza assustadora, porém por serem fortes, organizadas e selvagens quando necessário, podemos imaginar o quanto se tornariam imponentes uma vez transformadas em gigantes.
“O Mundo em Perigo” explorou todas essas possibilidades assustadoras para o delírio do público, recebendo muitas críticas entusiastas e até um cobiçado prêmio “Oscar” por seus eficientes efeitos especiais, muito interessantes para a época e nitidamente datados, coordenados por Ralph Ayers, que utilizou uma parafernália mecânica formada por uma complexa combinação de cordas, roldanas e engrenagens para movimentar as grandes formigas. O filme acabou então conduzindo a procriação de um verdadeiro exército posterior de insetos ampliados no cinema e vieram aranhas gigantes em “Tarantula” (55) e “Earth vs. The Spider” (58); vespas enormes em “The Monster From Green Hell” (57); gafanhotos imensos em “Beginning of the End” (“O Começo do Fim”, 57); e até um louva-deus mortal em “The Deadly Mantis” (57), povoando as telas durante esse fascinante e incomum período do cinema de ficção científica e horror.
Enquanto a década de 50 agitou essas novas idéias para a indústria cinematográfica, vários estúdios vorazes continuaram a saturar o mercado com todo tipo de insetos gigantes imagináveis, principalmente devido a um diretor em particular muito apreciado por sua participação nesses tipos de filmes: Bert I. Gordon, ou melhor, Mr. B. I. G., como é conhecido (um trocadilho muito interessante e apropriado já que as abreviações de seu nome formam a palavra BIG, que significa GRANDE em inglês). Ele foi o responsável por pérolas como “Beginning of the End” e “The Cyclops” (57), “Earth vs. The Spider” (58), “Food of the Gods” (76, baseado em livro de H. G. Wells) e “Empire of th e Ants” (77), estes envolvendo “insetões”, além de inúmeros outros filmes do gênero fantástico como “King Dinosaur” (55), “The Amazing Colossal Man” (57), “Attack of the Puppet People” e “War of the Colossal Beast” (ambos de 58), “Village of the Giants” (65) e “Necromansy” (71). O interessante em Bert I. Gordon é a sua versatilidade sendo um cineasta multifuncional, pois dirigia, produzia, escrevia e coordenava os efeitos especiais de seus filmes, o que garantiu a ele a lembrança de principal representante desse estilo “big bug” de cinema.

Inevitavelmente, devido ao excesso de obras explorando esse assunto, os argumentos foram se esgotando e os filmes de insetos gigantes acabaram fatalmente seguindo um caminho onde aglomeravam-se um enorme número de produções muito parecidas entre si, com muitos clichês se desgastando progressivamente, sem originalidade e cansando o público, obrigando os estúdios a abandonar a idéia de forma gradativa. Mesmo assim, segundo os críticos, uma exceção notável ocorreu ainda em 1987 com o filme “Blue Monkey”, onde um estranho inseto invade um laboratório e ingere um produto químico que o transforma numa enorme criatura de quase três metros de altura formada por vários outros insetos.
Os filmes mais atuais apresentam um interesse maior na visualização dos belos e caprichados efeitos especiais em detrimento de histórias mais nostálgicas e divertidamente ingênuas com “cientistas loucos”, exatamente como era mais explorado nas obras do passado. Podemos citar como exemplo o recente filme “Anaconda” (97) que traz como protagonista uma cobra imensa capaz de devorar um homem de uma só vez, com excelentes efeitos especiais tornando-a super ameaçadora e supostamente “real”, porém com um roteiro simples, óbvio e sem maiores atrativos. O filme é bom e certamente diverte, porém não entusiasma como os velhos “big bugs” dos anos 50, que são bem raros na televisão e mercado de vídeo brasileiros. Uma exceção notável foi “Malditas Aranhas!” (2002), que procurou justamente homenagear as produções antigas do gênero, numa paródia muito divertida e repleta de excepcionais efeitos especiais e principalmente muitas aranhas gigantes famintas.

Abaixo segue uma pequena relação de filmes típicos dentro dessa temática ou com insetos gigantes em seus roteiros (a listagem é incompleta com o objetivo de apenas registrar alguns exemplos de referência):

* O Mundo em Perigo (Them!) – EUA, 1954, Warner Bros., preto e branco, 94 minutos – direção de Gordon Douglas, produção de David Weisbart, roteiro de David Sherdeman a partir de uma história de George Worthing Yates, fotografia de Sid Hickox, direção de arte de Stanley Fleischer, efeitos especiais de Ralph Ayers, efeitos de som de William Mueller e Francis J. Scheid, Música de Bronislau Kaper, manequins das formigas de Dick Smith. Com James Whitmore, Edmund Gwenn, Joan Weldon, Onslow Stevens, James Arness, Fess Parker. Um dos melhores filmes de ficção científica dos anos 50, introduzindo formigas gigantes alteradas biologicamente por testes nucleares e que passam a ameaçar a humanidade. Curiosamente do elenco, podemos citar James Arness que foi o alienígena em “O Monstro do Ártico” (The Thing, 51) e um xerife na longa série de TV de western “Gunsmoke” (55-75), e Fess Parker que foi o Daniel Boone na série de TV homônima.

* Tarantula – EUA, 1955, Universal-International, preto e branco, 80 minutos – direção de Jack Arnold, produção de William Alland, roteiro de Robert M. Fresco e Martin Berkeley inspirados no episódio “No food for thought” da série de TV “Science Fiction Theather” de Robert M. Fresco, fotografia de George Robinson, desenho de produção de Alexander Golitzen e Alfred Sweeney, efeitos especiais de Clifford Stine, maquiagem de Bud Westmore, música de Henry Mancini e Joseph Gershenson. Com John Agar, Leo G. Carroll, Mara Corday, Nestor Paiva, Ross Elliott, Clint Eastwood. Um dos mais expressivos filmes com aranhas gigantes, nesse caso uma tarântula que acidentalmente cresce a uma altura de 30 metros devido ao contato com um hormônio de crescimento de uma fórmula desenvolvida por um “cientista louco” (Leo G. Carroll) que também se transformou num mutante grotesco por causa da mesma solução química. O enorme inseto passa então a aterrorizar a população do Arizona até ser abatido pelas bombas dos caças da força aérea americana. Outro grande filme de Jack Arnold, diretor de “Veio do Espaço” (53) e “O Monstro da Lagoa Negra” (54), e por curiosidade do elenco, temos um jovem Clint Eastwood no papel de um dos heróicos pilotos dos aviões de guerra, ele que obteve depois muito sucesso em sua carreira sendo hoje um ator e até cineasta de grande reconhecimento.

* The Black Scorpion – EUA, 1957, Warner Bros., preto e branco, 88 minutos – direção de Edward Ludwig, produção de Frank Melford e Jack Dietz, roteiro de David Duncan e Robert Blees inspirados numa história de Paul Yawitz, fotografia de Lionel Lindon, efeitos especiais de Willis O´Brien e Peter Peterson, música de Paul Sawtell e Peter Peterson. Com Richard Denning, Mara Corday, Carlos Rivas, Mario Navarro, Carlos Muzquiz, Fanny Schiller. Uma erupção vulcânica no México liberta escorpiões gigantes que supostamente estavam extintos desde o período triássico. O destaque fica por conta dos efeitos especiais de “stop-motion” a cargo de Willis O´Brien (responsável por “King Kong” de 33) e Peter Peterson.

* The Deadly Mantis – EUA, 1957, Universal-International, preto e branco – direção de Nathan Juran, produção de William Alland, roteiro de Martin Berkeley. Com Craig Stevens, Alix Talton, William Hopper, Florenz Ames, Donald Randolph. Testes nucleares libertam um louva-deus gigante que estava congelado no polo Ártico. Uma vez livre de novo, ele passa a aterrorizar os esquimós locais até chegar a Washington e ser abatido numa armadilha com gás venenoso. Nathan Juran é um diretor conhecido por suas inúmeras incursões no gênero fantástico como em “The brain from the planet Arous” (58) e “The boy who cried werewolf” (73), além de ser um dos diretores do time de Irwin Allen nas suas séries de TV dos anos 60 (Viagem ao fundo do mar, Perdidos no espaço, O túnel do tempo e Terra de gigantes).

* O Começo do Fim (Beginning of the end) – EUA, 1957, Republic, preto e branco, 74 minutos – direção, produção e efeitos especiais de Bert I. Gordon, roteiro de Fred Freiberger e Lester Gorn, fotografia de Jack Marta. Com Peter Graves, Peggie Castle, James Seay, Morris Ankrum. Nesse caso os insetos gigantes são os gafanhotos que invadem Chicago e aterrorizam a população local até serem destruídos por ondas sonoras eletrônicas, graças ao cientista “impossível” Peter Graves, muito conhecido depois por sua participação no elenco fixo da clássica série de TV da década de 70 “Missão Impossível”.

* The Monster From Green Hell – EUA, 1958, DCA, preto e branco, 70 minutos – direção de Kenneth Crane, produção de Al Zimbalist, roteiro de Louis Vittes e Andre Boehm, fotografia de Ray Flin, efeitos especiais de Jess Davison, Jack Rabin e Louis DeWitt. Com Jim Davis, Barbara Turner, Eduardo Ciannelli, Robert E. Griffin, Dan Morgan. Um foguete espacial libera combustível radioativo ao cair numa selva africana no Congo, que em contato com os insetos locais os transforma em monstros mutantes, principalmente enormes vespas que atacam impiedosamente os habitantes da região.

* O Império das Formigas (Empire of the Ants) – EUA, 1977, AIP, colorido, 89 minutos – direção, produção e efeitos especiais de Bert I. Gordon, roteiro de Jack Turley e Bert I. Gordon, fotografia de Reginal Morris, música de Dana Kaproff, coordenação das formigas de Warren Estes, consultor técnico de formigas: Charles L. Hogue. Com Joan Collins, Robert Lansing, John David Carson, Albert Salmi, Brooke Palance. Um grupo de pessoas entra em contato com formigas gigantes e inteligentes num pântano na Florida. Filme menor de Gordon em comparação com seus trabalhos dos anos 50.

* The Thief of Bagdad (1940) / Mesa of the Lost Women (1952) / Cat Women of the Moon (1953) / World Without End (1956) / The Cyclops (1957) / Cosmic Monsters; Earth vs. The Spider; Missile to the Moon; Queen of Outer Space (1958) / The Horrors of Spider Island (1959) / The Lost World (1960) / Journey to the Seventh Planet (1962) / The Giant Spider Invasion (1975) / Curse of the Black Widow (1977) / Ator, the Fighting Eagle (1982) / Malditas Aranhas! (2002) / Harry Potter e a Câmara Secreta (2002) – aranhas gigantes;
* The Incredible Shrinking Man (1957) – aranha gigante (em perspectiva ao personagem que foi encolhido);
* Damnation Alley (1977) / Clash of the Titans (1981) – escorpiões gigantes;
* Rodan (1957) / Mothra (1962) / Godzilla vs. The Thing (1964) / Ghidrah, the Three Headed Monster (1965) / Destroy All Monsters (1968) – lagarta / taturana gigante;
* Food of the Gods (A fúria das feras atômicas, 1976) / The Willies (1990) / Popcorn (1991) – mosquitos gigantes;
* Sinbad and the Eye of the Tiger (1977) – vespa gigante;
* Mysterious Island (1960) – besouro gigante;
* Galaxy of Terror (1981) – lesma gigante;
* Killers From Space (1954) – grilos, besouros e gafanhotos gigantes;
* Son of Godzilla (1968) – louva-deus e aranha gigantes;
* Lost Continent (1968) – carangueijo e escorpião gigantes;
* Honey, I Shrunk the Kids (Querida, encolhi as crianças, 1988) – abelha, escorpião e formiga gigantes (em perspectiva aos personagens que foram encolhidos);
* Monster on the Campus (1958) – monstro parecido com uma mosca gigante;
* Godzilla vs. Megalon (1973) – monstro parecido com uma barata gigante;
* Blue Monkey (1987) – criatura formada por vários insetos.

“A Invasão dos Insetos Gigantes no Cinema”
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 29/03/06)