Eclipse Mortal (Pitch Black, 2000)


Dizem que grande parte do cérebro fica paralisado no crio-sono. Exceto o lado primitivo... o lado animal. Por isso ainda estou acordado.” – Richard B. Riddick, fugitivo assassino

Ficção Científica e Horror muitas vezes caminham lado a lado, numa parceria com resultados muito interessantes no cinema. A linha que separa ambos é tão tênue que geralmente se confundem num único gênero fantástico. Desde os nostálgicos filmes de baixo orçamento da década de 1950, com os divertidos monstros alienígenas e “cientistas loucos” com suas experiências ameaçadoras para a humanidade, que a FC e o Horror se misturam para contar histórias fascinantes.
O ápice dessa combinação surgiu em 1979 com o clássico de Ridley Scott “Alien, o Oitavo Passageiro” (Alien), franquia que gerou ainda mais quatro filmes, sendo três sequências diretas e um “crossover” com o alienígena de “O Predador” (87), lançado em 2004. “Alien” levou definitivamente o horror ao espaço sideral, apresentando uma das criaturas alienígenas mais temíveis da história do cinema, atacando mortalmente um grupo de humanos num cargueiro espacial, com um suspense psicológico e um clima sufocante de claustrofobia raramente igualados, além de uma alta dose de violência.
Existem vários outros exemplos marcantes dessa união de gêneros como “O Enigma do Horizonte” (Event Horizon, 97), de Paul W. S. Anderson e com Sam Neill, que pode ser classificado como uma espécie de “Hellraiser” no espaço, com sangue e mutilações suficientes para agradar seus apreciadores, ou ainda “Tropas Estelares” (Starship Troopers, 97), dirigido por Paul Verhoeven a partir de um livro de Robert A. Heinlein, com violentas cenas de batalhas entre humanos e insetos gigantes, com corpos destroçados para todos os lados. E para se somar a essa galeria seleta de divertidos filmes de Ficção Científica de Horror, foi produzido em 2000 “Eclipse Mortal” (Pitch Black), com Vin Diesel iniciando sua carreira, a qual parece estar colocando-o como um dos principais atores de filmes de ação do momento, num posto que já pertenceu antes à Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger. 

 A história se inicia com a nave de transporte “Hunter Gratzner” vagando tranquilamente pela beleza do espaço infinito, viajando há 22 semanas e levando consigo 40 civis, que estão adequadamente adormecidos em câmaras criogênicas. A nave está transportando também um perigoso prisioneiro, um assassino chamado Riddick (Vin Diesel), que além de exímio matador foi presidiário por muitos anos com um passado obscuro, além de possuir conhecimentos técnicos como piloto e seus olhos serem especialmente condicionados à escuridão, devido a uma cirurgia que fez na prisão.
Porém, de repente uma chuva de meteoritos ataca violentamente a nave, causando uma série de avarias graves na fuselagem e despertando a tripulação do sono induzido. O Capitão Mitchell (Vic Wilson) já é morto ainda dentro da câmara e restam agora a piloto Fry (Radha Mitchell, de “Visitors”, 2003) e o oficial de navegação Owens (Simon Burke) para tentarem salvar a nave numa aterrissagem forçada num planeta desconhecido, escolhido pelo computador da nave por apresentar condições para o suporte de vida. 
Na queda, a nave se despedaça em várias partes e muitos morrem. O grupo de sobreviventes é formado pela piloto Fry, que assume a liderança, além do prisioneiro Riddick que está sob a escolta do mercenário Johns (Cole Hauser), um viciado em morfina. Outros sobreviventes são um religioso muçulmano em peregrinação, Imam (Keith David), e três seguidores, Suleiman (Les Chantery), Hassan (Sam Sari) e o jovem Ali (Firass Dirani). E completam ainda o grupo mais quatro pessoas, o casal de exploradores Zeke (John Moore) e Shazza (Claudia Black), o negociante de antiguidades Paris (Lewis Fitz-Gerald), e o garoto Jack (Rhiana Griffith), fã declarado de Riddick, mudando até o seu visual para ficar similar ao vilão.
A partir daí, o grupo tenta sobreviver num planeta hostil e de clima árido, onde o dia é constante graças aos três sóis que brilham incessantemente no horizonte. Investigando o ambiente ao redor da nave caída, eles encontram uma base científica montada por geólogos colonizadores e que está abandonada misteriosamente. Eles descobrem também que a cada 22 anos ocorre um “eclipse mortal” que traz uma temível escuridão, permitindo o surgimento de um exército de criaturas carnívoras aladas, as quais vivem confinadas nos subterrâneos do planeta, abrigando-se da luz solar, e apenas aguardando o momento de poderem voltar à superfície. O que o grupo não esperava era a incrível coincidência deles chegarem ao planeta justamente após 22 anos do último eclipse, apenas restando a eles agora se unirem para lutar por suas vidas e enfrentando suas crises existenciais para encontrarem um meio de combater os monstros voadores e fugirem do planeta.       

Uma palavra que define perfeitamente uma sessão de cinema com “Eclipse Mortal” é “Diversão”. Ou seja, uma história simples e despretensiosa; passada num planeta deserto e hostil; com uma fotografia sombria carregada em tons azul e amarelo, enfatizando o ambiente inusitado e especialmente a incrível beleza da sequência do eclipse; com personagens cheios de defeitos e mais próximos da realidade da humanidade; com um ator carismático no papel do vilão anti-herói (Vin Diesel); contando com ótimos efeitos especiais apresentando criaturas bizarras e assassinas; e finalmente mostrando mortes violentas num clima de pura claustrofobia com a escuridão ocultando seres monstruosos apenas à espreita para dilacerar a carne de suas vítimas.
É verdade que o filme também mostra uma série de clichês que os produtores sempre insistem em introduzir em suas histórias, como por exemplo algumas tentativas de humor em piadas idiotas (sempre a cargo do comerciante de antiguidades Paris, metido à francês), como aquela frase dispensável na hora da morte, momentos antes de ser trucidado pelas criaturas, dizendo que gostaria de morrer na França e que nunca havia estado lá. Numa situação daquelas, a única coisa em que você pensa é na terrível dor que sentirá ao ter sua carne dilacerada pelas garras e dentes afiados de um monstro. Ou quando Riddick encara uma criatura de frente e num duelo mortal arranca as vísceras de seu oponente com golpes de faca, dizendo logo em seguida algo como “você não sabe com quem está se metendo”.  Ou ainda numa cena de luta entre Riddick e seu inimigo, o caçador de recompensas Johns, onde o “anti-herói” tem um braço quebrado no confronto e logo em seguida ele coloca friamente o osso de volta ao seu lugar como se nada tivesse acontecido, numa situação bem inverossímil, quando normalmente uma terrível dor impediria tal atitude. Esses são apenas alguns exemplos de cenas descartáveis, mas que são totalmente irrelevantes e devem ser desconsideradas, não influenciando negativamente no resultado final de “Eclipse Mortal”, ou seja, um puro exercício de entretenimento, que aliás é o maior objetivo ao vermos um filme com elementos fantásticos.

Como o filme foi muito bem recebido pelo público e apreciadores de ficção científica e horror, “Eclipse Mortal” incentivou a produção de uma franquia em torno do tema. “A Batalha de Riddick” (The Chronicles of Riddick) foi lançado nos cinemas brasileiros em 16/07/04 e “Riddick 3” (Riddick) estreou por aqui em 11/10/13, sendo ambos novamente dirigidos e escritos por David Twohy e estrelados por Vin Diesel.

O diretor de “Eclipse Mortal”, David Twohy, nasceu em 1956 e é mais conhecido como roteirista de filmes como “A Hora das Criaturas II” (88), “Warlock, o Demônio” (89), “O Fugitivo” (93), “Waterworld – O Segredo das Águas” (95), “A Invasão” (96, também como diretor), “Até o Limite da Honra” (97), “Impostor” (2002) e “Submersos” (2002), onde nesse último, um suspense psicológico ambientado num submarino no fundo do mar, ele também foi o diretor.
O ator americano Vin Diesel nasceu em 1967 em New York. Sua carreira ainda é curta, com pouco mais de uma dezena de filmes, passando a ser mais conhecido após ser coadjuvante no drama da Segunda Guerra Mundial “O Resgate do Soldado Ryan” (98), de Steven Spielberg, onde interpretou o soldado Adrian Caparzo, que morre no campo de batalha. A partir daí, ele foi convidado a participar de outros filmes onde seu nome já era anunciado como destaque, como em “Velozes e Furiosos” (2001), “Triplo X” (2002) e “O Vingador” (2003), se consolidando como um ator merecidamente bastante requisitado para filmes de ação.  
As criaturas noturnas carnívoras, num misto entre dinossauros e pássaros, foram desenhadas pelo técnico Patrick Tatopoulos, conhecido por outros trabalhos interessantes em filmes como “Drácula de Bram Stoker” (92), “Stargate” (94), “Independence Day” (96), “Godzilla” (98), “Supernova” e “A Reconquista” (ambos de 2000), “Habitantes da Escuridão” (They, 2002), “Underworld” (2003) e “A Caverna” (2005).
Em 2004 a “Universal” lançou um DVD de “Eclipse Mortal” Edição Especial, repleto de materiais extras interessantes, com muitas informações sobre o universo da franquia e do personagem Riddick. Em “Introdução de David Twohy”, o diretor e roteirista fala sobre a continuação “A Batalha de Riddick”, esclarecendo a necessidade de se fazer um filme diferente de “Eclipse Mortal” (que tem mais horror), investindo mais em ação e aventura num cenário básico de ficção científica. “O Jogo Começou” é uma divulgação de um game que explora a fuga de Riddick da prisão de “Butcher Bay”, em eventos imaginados antes de “Eclipse Mortal”. Temos também um “Registro de Perseguição” do caçador de recompensas William J. Johns, onde ele (o ator Cole Hauser) narra um diário sobre suas aventuras para capturar Riddick.
O material extra do DVD ainda inclui várias outras atrações como a exibição do filme com a opção de comentários do diretor David Twohy e dos atores Vin Diesel e Cole Hauser, ou ainda com comentários do diretor, do produtor Tom Engleman e do supervisor de efeitos especiais Peter Chiang. Tem um pequeno documentário de cinco minutos com cenas de bastidores e comentários de Vin Diesel, Radha Mitchell, Cole Hauser e David Twohy, onde é revelado que as filmagens ocorreram numa região árida chamada “Coober Pedy”, na Austrália. Como material de divulgação, temos trechos da animação “Fúria Cega” (Dark Fury), que mostra eventos imediatamente posteriores ao final de “Eclipse Mortal”, com comentários do escritor Brett Matthews e o diretor Peter Chiang.
A overdose de extras ainda continua com a disponibilidade dos trailers dos filmes “Thunderbirds Are Go” (com atores de carne e osso baseado nas marionetes da série de TV dos anos 70), “Van Helsing” e “A Batalha de Riddick”. “A Enciclopédia Visual de Riddick”, mostrando ilustrações sobre o planetário (de onde descobriu-se o eclipse a cada 22 anos), o caçador de recompensas Johns, e a prisão de segurança máxima de onde Riddick fugira. E finalmente o documentário “Uma Visão das Trevas”, com comentários de David Twohy e Vin Diesel falando de “Eclipse Mortal” (revelando o orçamento de US$ 20 milhões para a produção na Austrália, onde os custos são menores) e com uma prévia da sequência “A Batalha de Riddick”.
Aliás, o segundo filme da franquia infelizmente não manteve o mesmo nível de interesse que “Eclipse Mortal”. Confirmando o que o diretor David Twohy havia anunciado, a intenção era fazer um filme diferente, pois a história do primeiro filme realmente esgotou suas ideias dentro daquele planeta escuro. Mas “A Batalha de Riddick” acabou transformando-se apenas em mais um veículo de promoção de Riddick com um filme de orçamento milionário e cheio de efeitos especiais, mas com uma história pouco atraente envolvendo questões religiosas obscuras e conquistas imperialistas, deixando o horror de lado e exagerando nas cenas de ação inverossímeis e situações absurdas. Sinceramente, seria melhor que não houvesse a ideia de continuação... 

Não tenha medo do escuro. Tenha medo do que está no escuro... Existe uma única regra: Fique na luz.
Eclipse Mortal” (Pitch Black, 2000) – avaliação: 8 (de 0 a 10)
blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 02/02/06)

Eclipse Mortal (Pitch Black, Estados Unidos / Austrália, 2000). Universal. Duração: 108 minutos. Direção de David N. Twohy. Roteiro de Ken & Jim Wheat e David N. Twohy, baseado em história de Ken & Jim Wheat. Produção de Tom Engelman e Anthony Winley. Produção Executiva de Ted Field e Scott Kroopf. Música de Graeme Revell. Fotografia de David Eggby. Edição de Rick Shaine. Efeitos Visuais de Peter Chiang. Desenho das Criaturas: Patrick Tatopoulos. Elenco: Vin Diesel (Richard B. Riddick), Radha Mitchell (Piloto Carolyn Fry), Cole Hauser (William J. Johns), Lewis Fitz-Gerald (Paris P. Ogilvie), Claudia Black (Sharon “Shazza” Montgomery), Keith David (Abu “Imam” al-Walid), Rhiana Griffith (Jack / Jackie), John Moore (John “Zeke” Ezekiel), Simon Burke (Oficial de Navegação Greg Owens), Les Chantery (Suleiman), Sam Sari (Hassan), Firass Dirani (Ali), Vic Wilson (Capitão Tom Mitchell), Ric Anderson, Angela Makin, Ken Twohy.


Onde eu arrumo olhos assim?”, “Mate algumas pessoas” – diálogo entre Jack e Riddick