Videodrome - A Síndrome do Vídeo (1982)


Primeiro ele controla a sua mente... depois ele destrói seu corpo.

O diretor canadense David Cronenberg possui em seu currículo uma grande variedade de filmes de horror e ficção científica que são muito cultuados pelos fãs do cinema fantástico. Abordando temáticas polêmicas e não convencionais, suas obras sempre tem despertado um interesse especial colocando-o como um dos cineastas mais lembrados pelos apreciadores do estilo, e figurando ao lado de nomes consagrados como George A. Romero, John Carpenter, Roger Corman, Dario Argento, Terence Fisher e outros, cujas obras passaram a estar eternamente associadas ao gênero.
O filme “Videodrome – A Síndrome do Vídeo” (Videodrome, 1982) é uma dessas obras cultuadas justamente por seu caráter diferenciado, numa curiosa mistura entre elementos de ficção científica, horror, sexo, violência e surrealismo, sendo considerado um destaque na filmografia de Cronenberg, que ainda inclui outras obras similares que exploram a complexidade da mente humana como “Scanners – Sua Mente Pode Destruir” (Scanners, 1981), “A Hora da Zona Morta” (The Dead Zone, 1983, este baseado em livro de Stephen King), “Mistérios e Paixões” (Naked Lunch, 1991, este inspirado em obra de William S. Burroughs), “ExistenZ” (1999), e “Spider – Desafie Sua Mente” (Spider, 2002, este a partir de livro de Patrick McGrath).

O empresário Max Renn (James Woods) é o proprietário de uma pequena estação de televisão a cabo chamada “Civic TV”, a qual é conhecida por apresentar programas de sexo e violência em sua programação fora dos padrões. Certo dia, ele recebe a informação do seu técnico Harlan (Peter Dvorsky), sobre a captação de uma transmissão com imagens de um programa clandestino onde pessoas eram torturadas e assassinadas de verdade, na linha dos conhecidos “snuff movies”.
Mais tarde, ao investigar a origem do programa, Max descobre que a transmissão trata-se de um show de televisão chamado “Videodrome”, algo como “Arena de vídeos”, uma experiência secreta que consiste em transmitir imagens de violência que alteram as percepções de quem assiste, causando danos fatais no cérebro através de um tumor, e criando uma série de efeitos de alucinações bizarras numa mórbida confusão mental entre realidade e fantasia macabra.
A namorada de Renn, uma sensual e sadomasoquista radialista chamada Nicki Brand (Deborah Harris), é seduzida pelo programa tornando-se uma vítima de seus efeitos, e o próprio Max torna-se também um escravo do “Videodrome”, sendo manipulado por seus criadores a eliminar seus sócios Moses (Reiner Schwartz) e Raphael (David Bolt), para utilizaram o canal a cabo como forma de disseminação do programa ilegal.
Uma vez sofrendo terríveis alucinações com deformações em seu corpo, Max se vê obrigado a procurar uma solução recorrendo ao misterioso Prof. Brian O’Blivion (Jack Creley) e sua bela filha Bianca (Sonja Smits), que possuem envolvimentos e informações importantes sobre o programa. Mais tarde, ele entra em contato com o inescrupuloso empresário Barry Convex (Leslie Carlson) e passa a descobrir que utilizando seu próprio corpo mutante, numa mistura de fantasia e realidade, poderia ser a única forma de combater seus inimigos.

Alguns dos destaques do filme são as cenas de surrealismo envolvendo Max Renn, em sequências de alucinação onde ele explora o interior de seu corpo através de uma enorme fenda aberta na barriga, na qual são colocadas as fitas de vídeo com a programação do “Videodrome”; ou a cena onde um dos personagens literalmente se decompõe em feridas pútridas e hematomas pestilentos (num excepcional trabalho de maquiagem de Rick Baker); ou ainda os discursos do “profeta da mídia” Prof. Brian O’Blivion, criador do obscuro programa e sua primeira vítima, ao tentar esclarecer o significado de “Videodrome” e suas consequências, como reproduzido na citações abaixo:
A batalha pela mente da América do Norte será travada na arena dos vídeos, o Videodrome. A tela da televisão é a retina da mente. Portanto, a tela da televisão é parte da estrutura física do cérebro. Portanto, o que aparece na tela da televisão surge como pura experiência para aqueles que assistem. Portanto, a televisão é a realidade e a realidade é menos do que a televisão.
Acho que este desenvolvimento na minha cabeça, esta cabeça, esta aqui, não acredito que seja realmente um tumor, uma forma borbulhante descontrolada de carne, mas que seja, na verdade, um novo órgão, uma nova parte do cérebro. Acho que doses maciças do sinal do Videodrome criarão um novo desenvolvimento do cérebro humano, que produzirá e controlará a alucinação a ponto de mudar a realidade humana. Afinal, não há nada real, além de nossa percepção da realidade.

David Cronenberg nasceu em 1943 em Toronto, Canadá, e sua carreira inclui mais de trinta filmes desde 1966. Curiosamente, a partir de meados dos anos 1980, ele começou a aparecer em pequenas pontas em vários filmes também, sendo alguns de horror e suspense como “A Mosca” (1986) e “Crash – Estranhos Prazeres” (1996), ambos com sua própria direção, além de “Nightbreed” (1990), que foi dirigido pelo cultuado escritor Clive Barker, “Medidas Desesperadas” (1996), “Ressurreição – Retalhos de Um Crime” (1999) e “Jason X” (2001). Cronenberg também dirigiu dois filmes de horror muito apreciados pelos fãs do gênero, “Calafrios” (Shivers, 1975), com a musa Barbara Steele no elenco, numa história sobre parasitas contagiosas que transformam as pessoas em maníacas sexuais, e “A Mosca” (The Fly, 1986), refilmagem de uma preciosidade dos anos 1950, “A Mosca da Cabeça Branca” (1958), sobre as experiências de um cientista no teletransporte da matéria, e que acidentalmente transforma-se num monstro.
O responsável pelos excelentes efeitos de maquiagem em “Videodrome” foi o especialista Rick Baker, um dos melhores profissionais dessa área no mundo cinematográfico atual. O americano Baker nasceu em 1950 em New York e é o responsável por trabalhos premiados com o cobiçado “Oscar” em “Um Lobisomem Americano em Londres” (1981) e mais recentemente com “Homens de Preto” (1997) e “O Grinch” (2000). Ele especializou-se em filmes fantásticos contribuindo significativamente para a realidade dos diversos monstros do cinema. Curiosamente, ele assinou o trabalho de maquiagem de um obscuro e super interessante filme “B” de 1977, “O Incrível Homem que Derreteu”, uma verdadeira pérola rara de baixo orçamento que fala de um astronauta que ao retornar de uma missão espacial, traz um vírus alienígena que o faz derreter literalmente, de forma crescente e vagarosa, transformando-o num psicopata monstruoso. Os efeitos são excelentes já mostrando a competência profissional de Rick Baker em início de carreira.
No elenco destaca-se o experiente ator James Woods, cuja carreira já chega a quase uma centena de filmes. Americano nascido em Utah em 1947, Woods participou de outros filmes de horror como “Olho de Gato” (1984), com um conto inspirado em Stephen King e “Vampiros” (1998), de John Carpenter, ou da paródia “Todo Mundo em Pânico 2” (2001), ou ainda do clássico sobre gangsters “Era Uma Vez na América” (1984), de Sergio Leone.

Curiosamente, a maioria dos filmes de Cronenberg lançados no Brasil receberam títulos mal escolhidos, como por exemplo “Enraivecida na Fúria do Sexo” (Rabid, 1977), “Os Filhos do Medo” (The Brood, 1979), “Gêmeos, Mórbida Semelhança” (Dead Ringers, 1988) e “Mistérios e Paixões” (Naked Lunch, 1991), que são bem diferentes dos seus respectivos nomes originais. Sem contar os subtítulos totalmente desnecessários que alguns filmes ganharam ao chegarem no país como “Sua Mente Pode Destruir” (Scanners), “A Síndrome do Vídeo” (Videodrome), “Estranhos Prazeres” (Crash) ou “Desafie Sua Mente” (Spiders). É simplesmente inacreditável como os responsáveis por nomear os títulos nacionais insistem em complicar uma tarefa fácil, ou seja, apenas traduzir o nome para nosso idioma ou então manter o mesmo original por questões normais de incompatibilidade.
Outra curiosidade do filme é uma sequência onde num diálogo envolvendo o personagem Max Renn o Brasil é citado, juntamente com a América Central, como um lugar onde os vídeos clandestinos com violência são considerados subversivos e seus responsáveis são executados. Se Cronenberg tivesse pesquisado melhor o assunto para seu roteiro, descobriria que no Brasil não existe pena de morte.
Para os colecionadores, o DVD de “Videodrome – A Síndrome do Vídeo” foi lançado no Brasil pela “Universal”, só que trazendo muito pouco material extra, sendo que os fãs que poderiam ser recompensados com algum outro material interessante adicional como “making of” ou entrevistas (e de preferência legendado em português), são obrigados a se contentar apenas com um trailer de cinema e sem legendas.

Vida longa para a nova carne!

“Videodrome – A Símdrome do Vídeo” (Videodrome, 1982) – avaliação: 8 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 16/01/06)

Videodrome – A Síndrome do Vídeo (Videodrome, Canadá / Estados Unidos, 1982). Universal Pictures. Duração: 87 minutos. Direção e roteiro de David Cronenberg. Produção de Pierre David, Claude Héroux, Lawrence Nesis, Victor Solnicki. Fotografia de Mark Irwin. Música de Howard Shore. Edição de Ronald Sanders. Maquiagem de Rick Baker, Thomas Booth e Kevin Brennan. Efeitos Especiais de James Stuart Allan e Frank C. Carere. Elenco: James Woods (Max Renn), Sonja Smits (Bianca O’Blivion), Deborah Harry (Nicki Brand), Peter Dvorsky (Harlan), Leslie Carlson (Barry Convex), Jack Creley (Professor Brian O’Blivion), Lynne Gorman (Masha), Julie Khaner (Bridey), Reiner Schwartz (Moses), David Bolt (Raphael), Lally Cadeau (Rena King), Henry Gomez (Brolley), Harvey Chao, David Tsubouchi, Kay Hawtrey, Sam Malkin, Bob Church, Jayne Eastwood, Franciszka Hedland.