Malditas Aranhas! (2002)


A década de 1940 foi marcada pela paranóia nuclear motivada por objetivos bélicos na condução principalmente da “Guerra Fria”, surgida após a Segunda Guerra Mundial entre as potências Estados Unidos e União Soviética. Esse período conturbado da humanidade inspirou significativamente o exercício da imaginação dos roteiristas de cinema, que a partir dos anos 50 começaram a lançar um sub-gênero do cinema de horror e ficção científica denominado de “Big Bug”, ou “Inseto Gigante”. As histórias basicamente envolviam contaminações de insetos por elementos tóxicos transformando-os em monstros horrendos ou “cientistas loucos” em meio às suas criações bizarras ameaçando a humanidade. E introduziam como principais protagonistas os mais diferentes insetos, entre formigas, aranhas, gafanhotos, escorpiões e vespas, que de pequenos e aparentemente inofensivos, transformavam-se em criaturas macabras gigantescas, alteradas pela exposição à elementos radiativos que atacavam suas estruturas genéticas agindo diretamente no aumento desproporcional de seus tamanhos.
Os filmes mais representativos dessa fase incluem “O Mundo em Perigo” (Them!, 1954), de Gordon Douglas, sobre formigas gigantes, e “Tarantula” (1955), dirigido por Jack Arnold, sobre uma aranha que acidentalmente cresce a uma altura de 30 metros devido ao contato com um hormônio de crescimento de uma fórmula desenvolvida por um cientista que também se transformou num mutante grotesco por causa da mesma solução química. O enorme inseto passa então a aterrorizar a população do Arizona até ser abatido pelas bombas dos caças da força aérea americana.
Os filmes de aranhas gigantes e mais especificamente este último são a referência básica de inspiração para a moderna produção “Malditas Aranhas!” (Eight Legged Freaks), que entrou em cartaz nos cinemas brasileiros em 16/08/02. O filme é produzido por Dean Devlin e Roland Emmerich com um orçamento de US$ 30 milhões, que é pouco se comparado às suas outras super produções como “O Patriota”, “Godzilla” e “Independence Day”, mas o suficiente para uma demonstração de magníficos efeitos especiais e muito dinheiro quando comparado aos filmes “B” da década de 50. A direção é do novato Ellory Elkayem que também assina o roteiro em parceria com Jesse Alexander. E o elenco principal é igualmente desconhecido com exceção de David Arquette (da série “Pânico”, de Wes Craven).
“Malditas Aranhas!” é uma paródia dos antigos filmes fantásticos com insetos gigantes dos anos 50, nesse caso investindo na atuação de gigantescas aranhas que aterrorizam uma pequena cidade mineira do interior dos Estados Unidos chamada “Prosperity”, no Arizona. Um caminhão causa um acidente ao se desviar do atropelamento de um coelho na estrada e descarrega parte de sua carga tóxica que desliza e atinge uma lagoa contaminando suas águas. Após uma semana começam a surgir gafanhotos mutantes infectados no local, os quais são então utilizados como alimento para uma criação de aranhas exóticas mantidas por um velho fazendeiro esquisito e os aracnídeos aos poucos vão tornando-se gigantes até que mais uma semana depois seus tamanhos chegam a superar o de um homem para os casos dos machos, e quase se igualar ao de um ônibus no caso da rainha fêmea (carinhosamente chamada de “Consuela”, originária do Chile). Uma vez gigantes, cerca de uma centena de aranhas se deslocam até a cidade invadindo e aterrorizando a população, obrigando os sobreviventes a se encurralarem num shopping center. Para combatê-las surgem o “herói” Chris McCormack (Arquette), um ex-morador de Prosperity que retorna após dez anos para se apossar de uma mina de ouro e gás metano pertencente ao seu pai falecido, e a bela xerife Sam Parker (Kari Wuhrer), por quem Chris é apaixonado. Outros personagens da trama incluem o prefeito corrupto do local, Wade (Leon Rippy), que tentava vender ilegalmente a mina, seu enteado motoqueiro Bret (Matt Czuchry), a namorada dele e filha da xerife, Ashley Parker (Scarlett Johansson), além do típico adolescente “nerd” e estudioso de aranhas Mike Parker (Scott Terra), também filho da xerife, do dono maluco de uma rádio pirata local, Harlan (Doug E. Doug), que insiste em denunciar em seu microfone supostas conspirações governamentais envolvendo extraterrestres, e finalmente do assistente atrapalhado da xerife, Pete (Rick Overton).
As curiosidades, referências, homenagens e destaques são muitos e constituem um dos principais atrativos do filme. “Malditas Aranhas” iria se chamar originalmente “Arac Attack”, porém como a pronúncia em inglês se confundia com algo como “Ataque do Iraque”, o título foi substituído, pois principalmente após os atentados terroristas contra os Estados Unidos no fatal dia 11/09/01, os produtores procuraram evitar qualquer tipo de lembrança ou relacionamento com o terrorismo para não espantar o público dos cinemas. A cena onde os habitantes de Prosperity se refugiam desesperadamente num shopping lembra “Despertar dos Mortos” (Dawn of the Dead 1978) de George Romero, onde os sobreviventes de uma invasão de zumbis assassinos se isola também num shopping tentando se salvarem de um ataque maciço de mortos-vivos. A invasão das aranhas na cidade lembra uma cena similar de “Tropas Estelares” (Starship Troopers, 1998) de Paul Verhoeven, onde um grupo de soldados se isola num forte abandonado no deserto de um planeta, e são surpreendidos por uma invasão descomunal de insetos gigantes.
Uma sequência muito engraçada de “Malditas Aranhas!” é quando um grupo de aracnídeos invade uma loja e vão matando pessoas e animais pelo caminho e uma das aranhas ataca a cabeça de um alce pendurada como troféu na parede e após comer um pouco de matéria inanimada, acaba cuspindo em reprovação numa cena hilariante. Outro grande destaque é quando um grupo de aranhas ataca e persegue ferozmente vários motoqueiros pelas areias do deserto, saltando com grande agilidade e velocidade que chega até a superar as motos transformando seus condutores em vítimas fatais de suas garras. Todas as cenas com as aranhas são muito realistas, graças aos modernos efeitos especiais, e basicamente vemos cinco categorias de aracnídeos com as que andam no teto e paredes, as que capturam suas presas em buracos escondidos no chão, as saltadeiras com incrível agilidade nos pulos, as que empurram as coisas à sua frente, e as terríveis e mais perigosas que imobilizam as vítimas com suas teias para comê-las vivas depois no ninho da rainha. Os ruídos engraçados que as aranhas emitem são criação da equipe de produção, e esses estranhos zunidos acabaram causando um tom humorístico nas cenas em que apareciam.
Várias foram as homenagens como por exemplo o papagaio do criador das aranhas exóticas, que vivia repetindo “Eu vejo pessoas mortas”, numa citação ao filme “O Sexto Sentido” (The Sixth Sense, 1999) de M. Night Shyamalan, passando por “Sexta-Feira 13” com um dos sobreviventes da chacina das aranhas tentando se defender do ataque se fantasiando de Jason Voorhees com a máscara de hóquei, e envolvendo até o herói “Homem-Aranha” num inteligente trocadilho proferido por um dos personagens. Outra homenagem notável foi para o clássico da ficção científica “Vampiros de Almas” (Invasion of the Body Snatchers, 1956) de Don Siegel, na cena onde o personagem Chris McCormack grita em desespero para um telefone de emergência na tentativa de alertar o mundo que sua cidade estava sendo invadida por aranhas gigantes, “Eles estão aqui!”, numa referência à paranóia da invasão comunista dos anos 50, e também na cena onde aparecem os cadáveres das vítimas das aranhas presos em casulos de teias, lembrando as “vagens” alienígenas do mesmo filme. Ainda teve uma outra curiosidade interessante que foi uma citação ao assassino Lee Harvey Oswald, que supostamente matou o presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy em 1963, numa cena em que o assistente da xerife está separando algumas armas para enfrentar o ataque das aranhas e encontra o rifle do famoso assassino perdido no meio de um armário.
Enfim, “Malditas Aranhas!” é super divertido, com muita ação, correrias, perseguições, aranhas enormes, cenas de humor bem colocadas e sutis, além de muitas citações, referências e homenagens. É claro que desfilam todos os clichês característicos de filmes com temática similar, com personagens banais, diálogos óbvios, situações previsíveis, porém nota-se claramente que a intenção é homenagear e principalmente divertir, com uma típica história de invasão de insetos gigantes em mais um filme do sub-gênero “Big Bug” que foi largamente explorado pelo cinema há 50 anos atrás, porém dessa vez moderno e com um orçamento infinitamente superior, além de muitas aranhas gigantes, monstruosas e famintas...

“Malditas Aranhas!” (Eight Legged Freaks, Estados Unidos, 2002) – avaliação: 8,5 (de 0 a 10)
site: www.bocadoinferno.com / blog: www.juvenatrix.blogspot.com (postado em 22/11/05)

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